domingo, 4 de novembro de 2012

E algo há de acontecer- Rolando Vezzoni

  Eu tava voltando d'algum cinema dia desses, fui sozinho e até queria ter ido acompanhado mas a preguiça falou mais alto.
  Meu pulso coçava por baixo do relógio, e era uma coceira maldita...
  O ponto de ônibus era gigante, a Paulista era gigante, e creio que em absoluto a coisa toda era imensa, eu estava tão imerso em meu micro-mundo que ignorei toda a ideia sobre o tamanho das coisas por alguns momentos.
  Será que a noção de meu tamanho miserável no meio da fumaça cósmica aumenta meu tamanho? Se tenho noção que sou mínimo e entendo o macro, posso ser gigante também. O céu é o limite pros homens bons, o átomo pros homens brilhantes, e a mente é meu limite, não pretendo sair muito dela.
  Deixei de lado o meu espaço expandido quando senti um cheiro bom, era tão bom que destoava do ambiente cor de mercúrio metropolitano, era sutil e sublime, até engraçado se destacar tanto no meio da fumaça quase sólida dali.
  A dona do perfume era uma menina magrela e bastante charmosa, que ia além da minha competência saber a idade (até onde sei poderia estar entre os 15 e os 25 anos).
  Nunca fui bom com questões temporais... também nunca usei relógio mesmo, até me perguntava a razão de estar usando um aquele dia. E era esse o motivo de tanta coceira... Talvez eu tenha alergia ao tempo e por isso não saiba que sessão de cinema que eu assisti, a idade da menina cheirosa e também a razão de eu ter tido preguiça de ligar pra alguém pra ir comigo... Sou filho da preguiça do Mário de Andrade: "Aaaaaiiii que preguiça!".
  Olhei pra ela, ela escutava musica e olhava pra frente, sua figura não me era estranha, mas não ia tentar lembrar naquele momento de onde poderia caralhos conhecer-la por eu estar demasiadamente ocupado tentando chutar que musica ela escutava.
  Acabei desistindo depois de rir alto imaginando algo como mamonas assassinas, por algum motivo que me foge a razão, então comecei esperar alguma coisa acontecer.
  Esperar algo acontecer é uma tarefa que demanda bastante criatividade e descontração, poucas pessoas conseguem esperar qualquer coisa acontecer com competência, acabam indo rápido pros clichês de comédia romântica norte-americana.
 Primeiro imaginei o que aconteceria de eu desse um susto nela:
 -UAAAHH!
 -AHH!
 -olá, muito prazer!
 -Você tem algum problema?!
 Depois especulei o que aconteceria se uma merda de pombo caísse nela, ou se aparacesse um mendigo tocando bongô e sugerisse que nos casássemos, ou então ela começasse a fazer um strip em plena paulista, entre outras situações insólitas e imbecis.
  Mas o que aconteceu foi chegar meu ônibus, que por acaso era o mesmo dela. Nós entramos e ela sentou no fundo, e eu quase no fundo, perto o suficiente pra dar pausas contemplativas na leitura do meu quadrinho do homem-aranha para olhar pra ela, mas longe o suficiente para não me destacar como o stalker mais vagabundo do século vinte e um.
  O fato de termos entrado no mesmo ônibus era alguma coisa, e eu estava esperando alguma coisa acontecer... Talvez menos interessante que minhas ideias originais, mas certamente alguma coisa.
  O interessante de pessoas como eu, é que sempre esperamos muito por algo acontecer, para que quando aconteça, possamos não fazer absolutamente nada a esse respeito... Não sei ao certo explicar isso, mas creio que é uma mistura covardia com vagabundice, provavelmente dois terços de vagabundice e um de covardia pra contextualizar.
  Contemplei a janela enquanto teorizava minhas razões de ser, mas São Paulo não te permite teorizar nada olhando para a janela, pois sempre tem algo surreal acontecendo, uma perola selvagem nas calçadas e ruas imperativas, como, no caso, um cadeirante pegando rabeira no para-choque traseiro dum caminhão de lixo que andava, acredito eu, a uns cinquenta quilômetros por hora.
  As terras paulistas deixaram de fazer sentido a algum tempo, o clima flutua, aleijados pegam rabeiras e pombas cagam em fichários... Ainda bem que sempre tem alguns sujeitos perturbados com ímpeto suficiente para anotar esse tipo de coisa.
  Escritores são ladrões de realidade, pegamos ela, rasgamos e costuramos ao nosso modo: Ela está lá, prontinha pra ser mastigada, cuspida e depois levar título e assinatura.
  Dei uma risada abobada, que me presenteou com o olhar dela, mandei um olhar desconcertado e ela respondeu com um sorriso de vergonha salpicada de empatia.
  O ônibus parou, e saímos na mesma parada, ela era quase minha vizinha.
  Como diriam os Titãs: "O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído".
  -Ei!- disse meio baqueado pelas estatísticas probabilísticas cósmicas universais surreais mínimas óbvias e assustadoras (haha!)
  -Oi?- confusa.
  -Viemos dum ponto a outro no mesmo busão!
  -É... eu sei - sorridente.
  -Somos quase vizinhos, e "viajamos" pela metrópole maldita juntos... Acho justo perguntar seu nome!
  -Sim, é justo.- simpática- bastante justo.
  Oh! Zeus... Ainda bem que as pombas não cagaram nos fichários esse dia! 

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