sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Eclipse na terra dos ponteiros - Bruno Santana


A lua apareceu no meio da cortina.
Era delírio, alucinação, flashback ... Peguei no terço e rezei umas aves marias:
Vovó dizia pra fazer isso quando estivesse perto de ficar louco.
Mas ... Na verdade, era só a lua embotada em lágrimas.
Sabe ... a lua chora todas as noites. É triste e solitária. Chora pelos homens, pelo amor e pela vida, mas é louca;
chora de louca, é o que todos dizem.
É só um pedaço de muita coisa flutuando em torno de outro pedaço maior e bem pior. Mas é assim que as coisas são:
ponteiros desregulados, girando e confundindo; porque ponteiros são isso mesmo, são grandes filhos da puta.
Mas o ponteiro só gira porque a fórmula diz pra girar. Sem fórmula, nada giraria. Nada giraria e tudo estaria certo.
Fórmula é assim, faz girar mesmo e é melhor aprender o giro, que se não gira direito ou se não gosta de girar
vômita mesmo, vomita tudo que tem no estômago.
A lua fica nessa, girando e chorando. Chorando e girando. Gira e chora até alguém chorar por ela.
Mas quem chora por ela é mais louco que tudo. Porque é chorar por um pedaço de muita coisa junta.
É o mesmo que pegar areia na mão e chorar o estômago inteiro.

Lua, Lua, Luazinha,
O que ainda diriam de mim
o que diriam todos os homens de sobrecasa ...

eu que não choro
mas olho pra você e pego no giro da tristeza e não durmo nadinha?

O louco sou eu, mas também não ligo.
Nem vou ligar
Nem hoje, nem amanhã
Que Hoje e Amanhã são humanos
são mais das coisas loucas dos ponteiros
ponteiros invejosos invejando o sol
e esse sol
esse solzão
grande, bonachão e tudo mais
esse sim
esse é Amigo.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

As jovens no meio do universo- Rolando Vezzoni


Se alguém narrasse a vida, teria de ser muito cruel.
Uma bela mulher, já feita, elegante e com aqueles pares de pernas que te matam.
Uma menina-moça, já interessante e sexy a seu modo.
Mulher ainda que jovem, sem o belo emprego, esperando fim do aluguel e a prestação de seu muito belo carrinho, não dormiu mais que três horas em dois dias.
Desenhos muito bons, mas talvez não o bastante, será? Futuro e talentos escondidos na falta de qualquer coisa que fosse.
A nova entrevista de emprego foi um belo fiasco, já imaginava mamãe a vendo voltar pra casa por não ter conseguido manter o apê, olhinhos reprovando, a menopausa torna as pessoas muito más, sabe?
Terminou sua primeira grande história., tudo em páginas únicas e brilhantes, suadas.
A frustração é cansativa, noites em claro são cansativas, pais também, pessoas próximas do limite não tem lágrimas... Morre de medo e ódio dos olhares que julgam e ainda nem existem, perder é complicado.
Na mochila que leva nas suas costas tem seu mundo, o zíper só fecha até a metade, mas a caminhada é curta e lenta, não tem problema, ainda é moça, não dirige, não chora e não usa sapatos.
Usa saltos altos, vermelhos e poderosos, sujos de barro da vaga, tudo estraga e está estragando no mesmo compasso que sua autonomia, as mulheres de hoje são estressadas como os homens de antigamente.
Seu tênis batuca a calçada devagar, são duas ruas a se atravessar:
Uma de ida e uma de volta com um canteiro no meio.
Um amigo vai atravessar no sentido oposto, ela quer mostrar seu tudo, mas o medo é foda... Ele costuma pedir pra ver, mas como saber se o mundo gosta?
Acelera com pressa, dirige como anda: rápido e com charme, nas alturas dos calçados altos.
A noite é de verão, o chão sempre molhado da chuva de mais cedo.
Gosta de como o vapor acaricia suas canelas, ele vem e ela vai, um olá no canteiro no meio do universo.
Uma senhora na rua vira o volante e crava o solado pontiagudo no breque.
Os olhares são tudo para pessoas que o mundo ainda não conseguiu quebrar, isso explica o canteiro no meio do asfalto selvagem.
A velha, as velhas, depois de certa idade só morrem de velhice, mas o carro acelera.
Ele pede para ver sua arte, ela dá desculpas, prolongam o momento para sempre, está ventando e seus cabelos loiros balançam, quer mostrar, mas sem muita pressa, “está ruim mesmo”.
O pedal travado, o desvio desesperado, a velha só vai morrer de velhice, e o carro e a pista molhada entram no portal do acaso, ela chora com lágrimas negras de rímel, finalmente chegou ao seu limite, o medo faz isso.
A mochila está nas costas, o zíper quebrado, o rapaz lá e ela ali, no canteiro, entre duas pistas eternas, ele vai se despedindo sem ver nada, tem que ir embora, ninguém viu nada ainda.
Ela vê um jovem atravessando a rua de costas, dando adeus, o carro o iria engolir e não havia como mudar isso, está tudo escorregando e fora de controle sentido meio do mundo.
Espera no canteiro o fim do adeus, tudo bem, ainda acha tem todo o tempo.
O carro engole, e segue enquanto ela grita, a menina vira de costas e fecha os olhos.
O impacto vem desacelerado pela grama e a guia que estoura os eixos do carro sem seguro.
Folhas voando longe, um céu sem estrelas girando, reza a lenda que quando se voa é mais fácil de ver o mundo girando, tudo em câmera lenta num silêncio erótico.
Suas costas acomodam no para brisa como em uma almofada, pegando o formato das costas protegidas pela mochila que vai se esvaziando, enquanto a mulher quebra a perna pressionando o freio que se destrava calmamente com o balanço do destino.
Arte partindo, ossos fragmentando, homens morrendo, uma velha envelhecendo e o céu cinza descendo como um cobertor quente sobre duas sobreviventes, uma eternamente manca, outra eternamente saudosa.
Duas cabeças vão se deitando no cômodo espaço belamente reservado pelo destino, sobreviver cansa, quando o bombeiro chegar elas poderão ir embora, agora tanto faz.
Coisas, desejos e medos não protegem ninguém... A vida é um negócio complicado quando se está no centro do universo.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Das merdas, a menor- Rolando Vezzoni e Bruno Santana


-Meulámigo, tá osso esse tempinho em Sampa.
-Me diga selvagem do concreto, como anda a brincadeira por aí?
-Amplitude térmica de 120 graus.
-Ridículo issoaí!
-Isso porque não começou a chuva, aí é canoagem á pampa!
-Que puta esculhacho!
-E como é verão em Lins?
-Verão de deixar cabra bronco.
-Elabora a idéia companheiro dos confins!
-Complicado explicar, o céu por lá é mais pra baixo... Na metrópole é alto, cinza e empalado pelos prédios... No
interior tudo termina em pasto, o horizonte acaba no pasto.
-Como assim?
-Pronde cê olhe, tem pasto, é o fim.
-E o cheiro, é grama e porteira?
-Não, cheiro de merda.
-Por quê?
-Porque tem curtume e curtume fede pra caralho.
-Por aí é merda, por aqui é bosta...
-É pra cada um escolher o esterco que mais gosta.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

(sem título)- Bruno Santana


Nada espera na noite escura
das estrelas mudas
do céu da lua envergonhada.

Brilhando por nada
a lua calada
Detrás da nuvem
                       miúda
miúda e
apavorada.

Nada espera na noite escura
de gritos velhos
familiares.

A faca na orelha
o prato quebrado
o amor em fúria
paixão é guerra.

Nada espera na noite escura
além do verso
na rima fechada.

Calcule o poema
rime angústia
espere nada.

Mas nada chega
nada fala
aflige
nada.

Desisto da luta
Desisto do amor
Desisto da febre
Desisto do céu

Despeço do canto
Despeço da flor
Despeço da praça
Despeço do som

Mas o canto é a vida
que encantou a flor
assaltou a praça
quebrou o asfalto
berrou vitória:
"
a luta acabou
é tempo do amor
a febre é delírio
o céu derramou
"

Não
NÃO
Não em poemas assim

Despedaçados
Desgovernados
Desperdiçados.

Nada,

Nada espero.

Espero,

Des
espero.

domingo, 25 de novembro de 2012

O bom selvagem no fim da noite- Rolando Vezzoni

Se era fim de noite ou começo de dia, dependia apenas deles.
Olhar para cima queima os olhos, olhar para baixo é deprimente, olhar para frente é estupidez.
O selvagem andando na idade dourada, falando com a deusa.
“Mim querer banheiro e prosa livre, querer mulher e cheiro bom... querer ler conto curto que dura para sempre”
-É isso que você quer senhor gorila de tênis?
“Macaco não usa camiseta, só usa chapéu.”
-Por quê?
“Fazer reverência... Tirar chapéu e abrir cabeça.”
Saber falar é mínimo, saber escutar é doloroso e ninguém sabe cantar.
Alguns escrevem de olhos fechados.
-Como os primatas se ocupam?
“Macaco escova os dentes, escuta jazz e pede truco.”
-Nos dias úteis também?
“Não, fecham os olhos e... ”
-Rezam?
“Não. ”
Pensar a respeito é cansativo, ignorar é arbitrário e sobreviver é inevitável.
“Muita palavra. Pouco conteúdo. ”
A deusa ri, as deusas sempre riem.
Coça a cabeça e delibera, o bom selvagem sempre está deliberando antes da próxima soneca.
-Alguma ideia para nos despedirmos, antes de Prometeu trazer o fogo? Depois disso não tem volta.
“Então fazer semi-deus.”
-É tudo que você quer?
"Agora?"
-Sim
"É. "
Andar faz parte, correr cansa e ficar parado é o fim da linha.
Que venha Zeus e seus abutres!

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Aos vencedores as coxinhas- Rolando Vezzoni


  Resolvi ir comer alguma coisa, tinha acabado a coca-cola em casa então me senti pressionado a ir até a padaria.
  A padaria sempre foi meu lugar de comer preferido, é um lugar mágico que tem coisas de supermercado e sanduíches que você pode pegar e comer lá mesmo, na hora, sem as pessoas ficarem te olhando feio e conferindo se você vai levar o pacote até o caixa para pagar depois.
  Quando era mais novo tudo era mais fácil, podia abrir uma coca-cola enquanto colocava as coisas bacanas que eu queria no carrinho dos adultos, ninguém partia do pressuposto que eu queria economizar 80 centavos do refri, pensavam apenas que eu estava com sede.
  Sentei naquele único lugar no balcão da padoca que sempre está sujinho e lindo lá te esperando, algo semi-programado, em padarias sempre haverá um lugar sujo especialmente para você.
  Fiquei olhando para aquela cúpula de vidro onde ficam os salgados cujo objetivo antes era ser comido por ser gostoso, e hoje em dia é comido por ser gostoso e entupir artérias e veias... O bacana do mundo de hoje é que tudo faz um puta dum mal do caralho, então fica bem mais gostoso. O cigarro dá câncer, coca-cola dá gastrite, coxinha dá enfarto, batata doce dá gases e peixe cru vagabundo dá caganeira... Existe toda uma variedade de doenças que você pode escolher no cardápio, e o mundo também virou um cardápio gigante com a doce certeza que não faz tanta diferença assim.
  -Opa! Amigo! Manda um pão na chapa com sabor de ponte-safena?
  -Tá vindo já chefe! Com bastante risco de derrame?
  -Sim, por favor! E emenda uma coca-cola zero cancerígena?
  -Claro, quer gelo prá dor de garganta?
  -Sem dúvida!
  Sentou do meu lado um casal, uma moça magra com aspecto saudável, e o sujeito era bastante forte, daqueles que dão tiro de suplemento e tomam Oxiolite pra ir à balada.
  A mulher foi e pediu um iogurte com granola e frutas vermelhas e um suco de melancia e alguma outra coisa impronunciável. O namorado pediu um sanduíche de peito de peru no pão integral com queijo branco, sem passar na “chapa suja de banha”... Pessoas que sabem exatamente como será seu pedido são complicadas.
  Pessoas que estão “cortando o carbo”, “fazendo a dieta da melancia marciana” ou qualquer outra expressão semi-saudável que tenha chego antes da doença em si ou que tenha um efeito antioxidante  deveriam ser proibidas de ir em qualquer lugar com pessoas que realmente tem o ímpeto de se alimentar com alguma dignidade inútil, ou não, foda-se...
  O legal de falar “foda” é que cabe em um numero absurdo de lugares, existe o adjetivo “isso é foda”, existe o substantivo “aquela foda que se dá de manhãzinha”, locução verbal “a vida é uma foda-mal-dada” o verbo “fodeu” entre outros usos importantes dentro da língua portuguesa.
  Existem pessoas que costumam falar “foda-se” um numero incontável de vezes, geralmente com o intuito de se convencer que aquilo(o que quer que seja aquilo que for) não importa, afinal, se realmente não importasse, não mereceria um termo tão intenso.
  Chegou meu pedido.
  -Valeu chefe! Foi rápido hoje!- Juro por Zeus que não fui sarcástico. -Aproveita e me manda uma coxinha prá viagem?
  -Sem problemas meu amigo!
  Existem poucas pessoas mais amistosas que os caras que te servem no balcão, são parte de um sistema de camaradagem intrínseca.
  Comi meu orgástico suicídio em forma de lanche,  peguei minha cicuta pra viagem e fui andando pra uma banca ali perto.
  -Quero aquele maço ali.
  -Cinco contos.
  -Aqui tem dez, quanto tá o refri?
  -Dois e cinquenta.
  -Ok.
  -Aqui seu troco, quer que eu lave a latinha?
  -Por quê?
  -Ela pode estar suja, pode fazer mal.
  -Eu acabei de comprar um maço de cânceres, concorda que vai longe da coerência lavar a latinha que me parece limpa?
  -Tó... Problema é seu.
  Saí sorridente, sentei no banco e abri meu livro, tem pessoas que tem uma vida inteira pra masturbar a saúde até morrer, eu já tinha aquela tarde de mormaço e algumas horas livres.
  Drummond dizia que nascemos grávidos de morte, eu já havia ganhado do mundo todo lembrando isso, eu era um campeão da vida maçante... Eu sou um vencedor no hall dos homens com uma missão, o único problema é que já esqueci a minha missão a muito tempo... Bom, aos vencedores as coxinhas.

domingo, 18 de novembro de 2012

'Os surdos estilosos' - Rolando Vezzoni


Comprei tampão de ouvido.
É borracha, é pequeno e é amarelo,
um grande poder saber controlar o que se ouve...
Titio Stan lee me disse que é responsa, procede?

"que merda é essa no teu ouvido?"
É a máquina do silêncio!
O cara riu, botou seus fones e foi embora.
Não pegou o conceito:
Não escutar é fácil, difícil é não ouvir...
Trocar barulho por barulho é um ímpeto estúpido.

"A borracha amarela é ridícula!" pensei alto,
mas ninguém escutou...
Sou um surdo amarelo,
num mundo de surdos estilosos.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

It's fine babe - Daniél Moody


Had to pay a fee
For cutting of a tree
Once the fee was payd
I was saved
Because in jail
The guy wanted my tail
Now im free
Just like the tree

Olhos-de-sol ao leste- Rolando Vezzoni

As manhãs são incrivelmente matutinas...
O Sol nasce rindo da sua cara, os passarinhos cantam e sujam os carros, os jornais aparecem nas portas das casas e o caminhão de gás apita sonoro, sim, é manhãzinha em Sampa, hora dos mosquitos irem pra cama e pros ratos saírem dela.
Bom dia "eu"! Tirando ramelinhas, pra lembrar o mundo que não é cão vira-lata.
Escovar dentes e limpar ouvidos...
"será que escovo os dentes antes, ou depois do cafezinho?"
Costuma questionar coisas estúpidas antes das nove.
"adoro cotonete, cotonete dá barato", brilhante!
Agora já um pouco mais acordado e com sono, percebe a tal da fome e a falta de querer comer... Náusea pela náusea, pra assustar todos os Sartres.
"escovar dentes tira fome? Mas num é o café da manhã 'A' refeição?"
Descer escadas e procurar lembrar do algo que certamente está esquecendo lá em cima, lembrar, subir de volta, resolver, descer, amarrar o sapato e olhar para a janela.
"muita luz e pouca coragem, cadê os olhos-de-sol?"
O relógio chama, também quer um bom dia... desencana do mau-humor inevitável.
"fala seu relógio, qualé a boa?"
Deu um tapinha carinhoso nele, "pára amigão, já saquei que tenho de vazar"
O importante é aceitar a ideia, aceitar a ideia faz a coisa toda muito mais fácil.
Existem coisas que integram o quadro matutino quarta-feirense paulistano, como o cheiro inexplicavelmente melhor da cidade, ou o numero inexplicavelmente maior de pessoas de mau-humor em carrinhos em diversos tons entre branco imundo e preto cheio-de-terra., o tom surreal e muito bonito alaranjado brilhante que os gases venenosos nos proporcionam.
É a perfeita cruzada contemporânea, a jornada pós-moderna na cidade mais paçoquenta e barulhenta da  porção oeste sul-ameríndia.
Seu caminho é a leste, o Sol vem de lá e brinca de "retina cretina".
Sempre se convenceu que tem fotofobia, só de neurose tornou-se algo parecido com. Se configurou algo positivamente impossível perambular por aí sem óculos em lugares ABERTOS em plena luz do dia (sim, apenas abertos, sempre teve asco de pessoas que usam óculos escuros em lugar fechado para fazer pressão, para usar olhos-de-sol em lugares fechados tem de ser cego ou estar de ressaca.).
"ressaca pode porque ressaca é ressaca, e ressaca é foda"
A sinfonia das buzinas é imperativa, se misturou ligando o rádio.
"Booooooomdiaqueridoexpectador! Ares polares subiiiiindo a marginal!"
Rádio por aqui é assim, parece narração de jogo de futebol, dinamismo desnecessário até pra previsão do tempo.
"hoje é quaaaarta feira! 14 de novemboooorooooooaaa! Diaaa muuundial da DIABETEEEES!"
Desliga o rádio, ri alto, respira:
"Parabéns, parabéns diabetes! Parabéns pelo seu aniversário!"
Sempre acorda asqueroso, mas hoje tudo bem, tudo certo quando temos alguma data para celebrar.

sábado, 10 de novembro de 2012

Adeus, Sr. Conto- Rolando Vezzoni


Procurava começar uma história, mas não via bem por onde.
Havia ideias desconexas, cruzadas cruzando-se, inconclusivas e descontextualizadas.
Olha pra cima, baixo e lados, coça a cabeça e encara o cachorro, tecla cinco e volta seis.
Já ia “desescrevendo” mais que escrevendo, era uma máquina de “desescrever” e não existia quem tivesse tanto domínio da não-escrita como ele aquele dia.
Volta ao vale tudo da memória... Apelar prum texto da própria vida?
Que tal arrebatar o pileque? Bêbado bom não é o ultimo moicano, é o primeiro morto-vivo... Aquele que passeia entre os mortos nos sofás de casas desconhecidas, o primeiro a levantar e ir embora.
Desistiu, a carteira tinha muito espaço vazio e tinha que sentar e escrever, retornava ao arquivo cerebral, há de haver algo.
Contempla uma ideia, era a tentativa: Atentíssima e morena... Riso, muitos risos e non-scence, non-scence e muitos risos... boa ideia?
Claro que sim, mas não é bom colocar um ponto final nesse conto que não foi escrito... Precisa de mais duração, mais tentativa... é esperar vingar na vida pra virar história.
O tempo pelo tempo é o que desgasta um homem.
Outra já foi muito texto, e caos, belo acaso causal, dum ocaso literário que foi prum caso... Tem texto que abriga, e texto que dá briga...O ultimo trouxe boa fortuna, mais um seguido de tópico semelhante seria desperdiçar aventuras.
Teve também aquele que não virou, não foi e também não veio... A decepção é literária, mas quem escreve de fossa é o Cartola, e não apetece nem boné.
Talvez estivesse bebendo da fonte errada... Saudade da época que escrevia dor, e não sobre mulheres... A dor tinha pequeno charme, e fim em si mesma, tudo muito mais fácil.
Como faziam os grandes mestres? Tem de haver algo, pois não é de bloquinho e biblioteca que se faz um escritor, enquanto não descobre a folha prossegue ficando aquele algo meio muito simples, e absolutamente inválido.
Um desenhista, quando acorda enferrujado, rabisca círculos e padrões desconexos para soltar o traço... Começou a falar para soltar a língua e escrever para soltar o verbo.
Persistência é importante, o conto bate em sua testa, avisando que está pronto para ir.
Bom garoto! Mas por favor, na hora de sair de casa, cuidado... Tem gente que nem desgosta e  nem gosta, que  gosta mas não tanto, ou que desgosta muito pouco... Isso sempre dá mais ou menos na mesma apatia virulenta, cujo único objetivo é fazer perder tempo deliberadamente.

Faça amor ou ódio Sr. Conto, vá a lugares, mas prometa jamais perder tempo da vida de ninguém, seja belo ou seja potente... Uma história não pode ser perda de tempo, há de ser a troca de horas por anos de outras vidas, é uma torca injusta Sr. Conto.
Esse pretendia ser potente, tem que escolher se vai ser lírico, piada ou foguete.

E o tal do conto surgiu, cresceu, aprendeu a andar sozinho, como apenas os bons conseguem, e foi lá ganhar o mundo.
A cada página um novo fôlego, e o hábito de não fazer merda nenhuma a respeito de merda nenhuma. Ainda bem que os textos fazem tudo sozinhos, adeus Sr. Conto.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Em tempos de bichos escrotos(parte 3)- Rolando Vezzoni


Estava com a típica cara de desamparo que carregava há alguns dias, mas já ia se acostumando com o contexto, o problema agora era outro, havia seguido o brilhante conselho dado por seu "novo" amigo:
 Não contar sobre sua recente perda de memória para sua namorada do século passado... Mas como o destino tortura os justos de forma sempre sádica e divertida, repassava os resultados num bar, fim de tarde carioca.
-Ahahahahahahhahahahahahahah! neeeeeem fudendo!
-Cara, não ri, na moral...
Aparece um engraxate que simplesmente começa a “lustrar” seu chinelo de hospital.
-Ei! o que cê ta fazendo?
-Já foi tiu, começou pagou! – convicto o pentelhinho.
-O quê? essa merda é de pano!
-Num vai piorar!
Peralta se introduz no assunto:
-O pivete tá certo, esse seu chinelo ta ridículo...
-Eu nem sei por que eu to com esse chinelo, mas é o único calçado que eu tenho!- cansado demais para impedir o pivete- Como eu vim parar usando isso?
-É bom não lembrar cara, é bom não lembrar...
O engraxate emenda rindo:
-Paulistano é tudo maluco... Vem pro rio fazê cagada!
-Ninguém ta falando com você!- respira fundo- Melhor não saber?
-Tem a ver com seu pai “trinta quilos mais novo”, uma arma e um LP do Pink Floyd.
-É, eu não quero saber...- a desistência é o melhor caminho em determinadas situações... Seu tio era um sábio vagabundo, que devia estar tirando meleca do nariz naquele momento temporal... - ele me reconheceu?
-Cara, você num nasceu! Bom, enfim... Eu fiquei curioso com essa história com seu- em tom jocoso - "broto legal".
Ignorando o pentelhinho e o tom do Peralta conta o ocaso de seu desespero:
-A coisa é essa, eu tentei agir da forma mais natural possível, certo? Fui lá, dei uns beijinhos e tava tudo pronto pra ação... aí, quando eu fui verificar o subterrâneo ocorreu o problema...
-hum...
-Por alguns momentos eu havia me esquecido do contexto, mas eu acabei me lembrando quão recente era a playboy da Claudia Ohana e aí a porra ficou séria, lembrei da década, dos paradoxos e o cassete, aí me bateu um esgotamento e aí...
-Aí não subiu!- Rindo alto.
-A moça era ruim assim?- depois de deixar o chinelo completamente preto e borrachudo.
-Não cara, é gatíssima, ele é o problema!
-Cara, vai à merda!
-Meu... Você broxou com tipo, “menos vinte e cinco anos de idade”, deve ser algum tipo de recorde!
-É, paulistano broxa! Hahahaha! Cadê o dinheiro do serviço?
-Fica na sua, você é um pivete virgem, como pode saber que não ia broxar se estivesse no passado?
-Pirô? Eu fico duro vendo até novela do Globo! Fora que eu não sei o que tu tomô, mas essa conversa ta estranha pra caraio!
-Daqui alguns anos as novelas vão ser as primeiras punhetas do seu filho, de onde eu venho só tem putaria às nove na TV aberta.
Peralta cessa as risadas e olha sério, sinalizando que era para todos ficarem em silêncio, aí sussurra:
-Ei, os caras tão ali! Não da pra enrolar até a noite, vamos ter que ir embora.
-Que caras?
-Como você acha que a gente ta com tanta grana?- disse sério- ganhamos uma fortuna apostando em resultado de jogo de futebol, que claro que eu manjava... Quebramos o ganha pão dos caras, e agora eles acham que temos algum esquema e querem pegar agente!
-É deles que estamos fugindo então!
-Deles e da polícia... É que a gente meio que não existe ainda, e temos grana de aposta... Fora que todo mundo mamava no dinheiro das apostas... É foda cara!
-Então por que caralhos a gente foi ontem no pesqueiro perder tempo falando com aquele maluco do Serguei?
-Meu, ele comeu a Janis, eu tinha que falar com ele... Aqui ele ainda é comunicável.
-Mais ou menos...
O pivete que não estava entendendo o que estava acontecendo, porém estava bastante decidido a respeito do que faria:
-Não quero saber, ou eu vou junto contigo ou chamo os puliça e os nego maluco.
-Tá. Vem logo caralho, vai com sorridente aí, eu vou buscar a minha mina e as coisas no hotel... O mais rápido possível, não sei dizer que horas porque meu relógio ta uns trinta anos pra frente.
-Ei! Tio!
-que foi?
-broxa! Hahahahahhaha!

(continua)

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A Pasta Existencial - Bruno Santana

“Não entendo de filosofia."
“Como não entende? E todos aqueles livros da estante? Você lê ou apenas passa os olhos?”
“Não. Li todos. Mas não entendo de filosofia como deveria; não sei definir coisas com propriedade.”
“Poucos sabem e isso não é importante para você. Você cozinha: isso é importante.  Aliás, o que você colocou nesse molho!? Está divino!”
“Os tomates estavam frescos ... eu gostaria de entender melhor o mundo. Saber diferenciar o que é humano do que é natural ... quer vinho?”
“Por favor ... Quase tudo é humano e , também, natural. Este delicioso vinho é humano e natural. As uvas são naturais: crescem por maravilhas da botânica, mas a escolha das sementes, do lugar, do adubo; a forma de extrair o suco, fermentar, envelhecer ... isso tudo é humano.”
“Pensando assim, tudo é humano e natural.”
“Tudo é humano, mas nem tudo é natural.”
“Não entendi ...  me ajuda a lavar a louça?”
“Depois do trabalho. Já tá dando minha hora.”
“Tudo bem. Acabaram seus cigarros?”
“Me deixa ver ....”
“Não, ainda tenho dois. Pega o maço.”
“Valeu, quer o último?”
“Nem, pega pra você; não posso chegar com cheiro Marlboro no trabalho.”
“O.K.”
“Enfim, tudo é humano, pois você é humano. Seu mundo existe a partir de sua humanidade e ela é quem coloca o humano nas coisas.”
“Não sei se concordo.”
“Nem deveria, já disse que não penso direito de barriga cheia. Ainda mais com um macarrão desses. Um dia você me faz explodir de tanto comer.”
“É sempre a intenção.”
“Bom, estou de saída. Abre o portão, por favor.”
“Tá aberto. Pega a roupa na Dona Luzia quando voltar?”
“Busco em troca de mais macarrão.”
“Combinado.”
“Até então.”

domingo, 4 de novembro de 2012

E algo há de acontecer- Rolando Vezzoni

  Eu tava voltando d'algum cinema dia desses, fui sozinho e até queria ter ido acompanhado mas a preguiça falou mais alto.
  Meu pulso coçava por baixo do relógio, e era uma coceira maldita...
  O ponto de ônibus era gigante, a Paulista era gigante, e creio que em absoluto a coisa toda era imensa, eu estava tão imerso em meu micro-mundo que ignorei toda a ideia sobre o tamanho das coisas por alguns momentos.
  Será que a noção de meu tamanho miserável no meio da fumaça cósmica aumenta meu tamanho? Se tenho noção que sou mínimo e entendo o macro, posso ser gigante também. O céu é o limite pros homens bons, o átomo pros homens brilhantes, e a mente é meu limite, não pretendo sair muito dela.
  Deixei de lado o meu espaço expandido quando senti um cheiro bom, era tão bom que destoava do ambiente cor de mercúrio metropolitano, era sutil e sublime, até engraçado se destacar tanto no meio da fumaça quase sólida dali.
  A dona do perfume era uma menina magrela e bastante charmosa, que ia além da minha competência saber a idade (até onde sei poderia estar entre os 15 e os 25 anos).
  Nunca fui bom com questões temporais... também nunca usei relógio mesmo, até me perguntava a razão de estar usando um aquele dia. E era esse o motivo de tanta coceira... Talvez eu tenha alergia ao tempo e por isso não saiba que sessão de cinema que eu assisti, a idade da menina cheirosa e também a razão de eu ter tido preguiça de ligar pra alguém pra ir comigo... Sou filho da preguiça do Mário de Andrade: "Aaaaaiiii que preguiça!".
  Olhei pra ela, ela escutava musica e olhava pra frente, sua figura não me era estranha, mas não ia tentar lembrar naquele momento de onde poderia caralhos conhecer-la por eu estar demasiadamente ocupado tentando chutar que musica ela escutava.
  Acabei desistindo depois de rir alto imaginando algo como mamonas assassinas, por algum motivo que me foge a razão, então comecei esperar alguma coisa acontecer.
  Esperar algo acontecer é uma tarefa que demanda bastante criatividade e descontração, poucas pessoas conseguem esperar qualquer coisa acontecer com competência, acabam indo rápido pros clichês de comédia romântica norte-americana.
 Primeiro imaginei o que aconteceria de eu desse um susto nela:
 -UAAAHH!
 -AHH!
 -olá, muito prazer!
 -Você tem algum problema?!
 Depois especulei o que aconteceria se uma merda de pombo caísse nela, ou se aparacesse um mendigo tocando bongô e sugerisse que nos casássemos, ou então ela começasse a fazer um strip em plena paulista, entre outras situações insólitas e imbecis.
  Mas o que aconteceu foi chegar meu ônibus, que por acaso era o mesmo dela. Nós entramos e ela sentou no fundo, e eu quase no fundo, perto o suficiente pra dar pausas contemplativas na leitura do meu quadrinho do homem-aranha para olhar pra ela, mas longe o suficiente para não me destacar como o stalker mais vagabundo do século vinte e um.
  O fato de termos entrado no mesmo ônibus era alguma coisa, e eu estava esperando alguma coisa acontecer... Talvez menos interessante que minhas ideias originais, mas certamente alguma coisa.
  O interessante de pessoas como eu, é que sempre esperamos muito por algo acontecer, para que quando aconteça, possamos não fazer absolutamente nada a esse respeito... Não sei ao certo explicar isso, mas creio que é uma mistura covardia com vagabundice, provavelmente dois terços de vagabundice e um de covardia pra contextualizar.
  Contemplei a janela enquanto teorizava minhas razões de ser, mas São Paulo não te permite teorizar nada olhando para a janela, pois sempre tem algo surreal acontecendo, uma perola selvagem nas calçadas e ruas imperativas, como, no caso, um cadeirante pegando rabeira no para-choque traseiro dum caminhão de lixo que andava, acredito eu, a uns cinquenta quilômetros por hora.
  As terras paulistas deixaram de fazer sentido a algum tempo, o clima flutua, aleijados pegam rabeiras e pombas cagam em fichários... Ainda bem que sempre tem alguns sujeitos perturbados com ímpeto suficiente para anotar esse tipo de coisa.
  Escritores são ladrões de realidade, pegamos ela, rasgamos e costuramos ao nosso modo: Ela está lá, prontinha pra ser mastigada, cuspida e depois levar título e assinatura.
  Dei uma risada abobada, que me presenteou com o olhar dela, mandei um olhar desconcertado e ela respondeu com um sorriso de vergonha salpicada de empatia.
  O ônibus parou, e saímos na mesma parada, ela era quase minha vizinha.
  Como diriam os Titãs: "O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído".
  -Ei!- disse meio baqueado pelas estatísticas probabilísticas cósmicas universais surreais mínimas óbvias e assustadoras (haha!)
  -Oi?- confusa.
  -Viemos dum ponto a outro no mesmo busão!
  -É... eu sei - sorridente.
  -Somos quase vizinhos, e "viajamos" pela metrópole maldita juntos... Acho justo perguntar seu nome!
  -Sim, é justo.- simpática- bastante justo.
  Oh! Zeus... Ainda bem que as pombas não cagaram nos fichários esse dia!