O eterno diário de Zé Ninguém

Por Rolando Vezzoni e Bruno Santana




Outro dia, mesmo lugar de dois mil e uma dúzia.

Quero prestar uma homenagem, a mim e a todos aqueles que respiram o fosco ar paulistano a mais de uma década.
Que mais eficiente caricatura do desconcerto do mundo e da incorrigível convivência, ou falta dela que a grande metrópole tupiniquim?
A beleza dessa merda toda pode ser descrita perfeitamente por um par de pessoas que quebram o pau, uma que quer ficar no seu canto, outra que demanda atenção... conflito entre habitantes de um espaço mais que ocupado...
Dessas brigas corriqueiras nunca se espera uma conclusão, por menor que seja, mas mesmo assim prosseguimos esmurrando todas as pontas de todas as facas... A propósito, essa especificamente funcionou em três atos clássicos, mulher reclamando, mulher gritando e homem perdendo o controle e mandando o mundo a merda varias vezes (com o prólogo tecnológico de uma mensagem bem grosseira, bem elaborada e argumentativa cujo único resultado foi uma resposta que ressaltava um erro de português e um atestado de trouxa anexo)
Essa a minha homenagem, se você ainda sobrevive e não chegou seu câncer, você pode se considerar um sobrevivente do segundo milênio ocidental... Ah! Uma homenagem não funciona como estimulo, então não fique satisfeito. Boa noite

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Lugar algum, algum dia de junho de dois mil e bola.

Pronto, terminar alguma coisa é o limiar perfeito entre a alegria pura e a infelicidade.
Eu termino ou ano, se foi bom, ótimo, realizei, se não, foi uma merda e eu to apodrecendo por dentro.
Termino um relacionamento, é foda, e é uma boa oportunidade de correr atras de algo...

A vida é como fazer malabarismo com pombos, que de quando em quando voam e cagam na sua cabeça... fazer o que?

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São Paulo, algum dia de março de dois mil e onze.

Apenas tento imaginar o que é feito de todos esses filmes,
músicas, livros e quadros que tenho consumido.
Qual a aplicabilidade de tantos conceitos em uma mente complexa como a minha?
Construir mais complexidade? Atear fogo à fogueira? Instigar o homem louco?
Não, não existe sentido algum. Talvez, apenas tenho dado insumo para
os sonhos loucos de todas as noites.
Sonhar com viagens no tempo, europa na década de vinte, grandes figurões e
cores de uma paleta estranha.

No entanto, a parafernalha cultural de meu desjejum é a única companhia
decente que posso encontrar. Os velhos loucos escritores são os únicos com
quem tenho vontade de conversar. Os filmes e quadros mostram as únicas imagens
que quero ver e música, música é a única vibração que quero meus sensores captando.

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Estação de ônibus, algum dia de dois mil e doze.

Bloco de anotações:


RECORTES PARA CONTOS:

NÚMERO 0001:
"Mas ai dele se não conseguir um bom emprego!"
- pensava ela enquanto beijava o namorado de tantos anos.

Pensava sem vilania. Sem acidez.
Pensava com o estômago ...
.. seu saudável e faminto estômago.



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Lugar algum, algum dia de junho de dois mil e doze.

Meu estômago ronca ferozmente. Parece uma fera endiabrada dizendo que  preciso cuidar melhor de minha vida. Preciso de feijão, arroz, batatas, sustância. Pensando por aqui, a última vez que fiz uma refeição decente foi semana passada.
Jantar na casa dela. Eu, ela e seus pais. A comida era incrível: Filet à Parmegiana. A velha chata, realmente, sabe como cozinhar; uma pena seus talentos ficarem nisso.
Enfim, preciso levantar, escovar os dentes, passar uma água na cara e comer algo. Caso contrário, essa besta demoníaca ficará me atormentando.

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Lugar algum, algum dia de junho de dois mil e doze.

Hoje eu vi um aleijado, "ó que absurdo", sério, foda.
Só que o aleijado tinha todos os braços e todas as pernas e tudo que um debiloide precisa para ir tomar um suco de laranja numa padaria qualquer.
Só que o aleijado é cheio da achismos, cheio de certezas e convicções, de plena confiança nas suas morais e o caralho a quatro, por isso é aleijado, uma merda de um aleijado, não pensa, repete.
O cara era tão aleijado que coloca açúcar e gelo no suco de laranja! Se quer tomar fanta pede fanta!
"cara, você vai ter câncer" , ta bom sr. aleijado, e você vai ter diabetes...
Eu sou doente, mas não sou aleijado, e nunca vou ser aleijado. boa noite.

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Cinco horas da manhã de lugar algum: Terra de Ninguém.

POEMA DAS CINCO HORAS


Não sei quem disse que meu pior inimigo sou eu,
mas, talvez, esteja certo:
já são quase cinco da manhã
e não fiz nada para a terra continuar girando.

No entanto,
por que justo eu teria de fazer?
A força centrípeta;
A gravitação e toda a bobagem Newtoniana dizem que ela girará aconteça o que acontecer.

Deveria me preoucupar mais em não escrever frases tão longas
ou pontuar melhor as sentenças
ou aprender alguma métrica e como rimar palavras
não dar ouvidos para as bobagens que dizem por aí.

De bobagens,
basta as que digo.

É,
mas algo precisa ser feito
esse giro da terra está forte demais
e já não suporto a náusea:
eu que corri do balanço do mar!

Talvez fosse a hora de voltar para lá
e ver o oceano os peixes e o sal.
Desde criança não vejo as ondas
e quando criança a vida era diferente.

Quando criança não me importava com os inimigos
pelo menos, não os reais
e construía e destruía tudo em estórias fantásticas de capa e espada
não como hoje, não, não,

nada como hoje.


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Uma folha achada entre fotos antigas, velhas contas e páginas de caderno.

O FURÚNCULO:


Desta vez, a crise é depressiva. Minhas forças estão minadas. A apatia é reinante. Sou um buraco negro.
Toda energia, força, vontade, desejo e prazer, são sugados e destruídos por mim. Destruídos por esta fonte de infelicidade eterna que mora em meu peito. Ela é despertada em ocasiões oportunas.
É esperta. Ardilosa. Aproveita-se de cada mal hábito de conduta para se manifestar. Veste seu coturno. Afia sua espada e transpassa meu peito.
O catalisador foi uma noite de sono mal dormida. O simples fato de não ter dormido as oito horas necessárias fez de mim um completo incapaz.
Estou aqui:
Uma dor de cabeça que não é dor de cabeça. Uma diarreia que não é diarreia. Uma espinha nas costas que me impele a espremê-la, mas a sensação deve ser tão forte que prefiro preservá-la. Preservo para sentir a latência de todas as coisas indesejadas de meu corpo que desejam sair. Quisera eu poder espremer meus furúnculos mentais.
Quisera eu que minhas células pensantes conseguissem, por si próprias, determinar o que há de bom e o que há de ruim; separar em blocos; nutrir-se do bom; transformar o ruim em pus, colocá-lo em forma de espinha em minha pele, para que eu pudesse espremê-lo.
Confesso que não me ligaria para a dor do processo microcirúrgico. Ele seria executado por minhas próprias mãos. Não ligaria para o sangue que seria despendido na mesa cirúrgica do meu toalete. A dor seria o ponto alto do meu dia. O prazer do maldito; a glória masoquista.
O que as pessoas não entendem é: Muitas vezes a dor é preferível à apatia. Apatia é o incaracterizado, é o não-descoberto, é a dúvida eterna. Dor não. Dor é o grito do corpo. Dor é o alarme e, se o alarme está ligado, você sabe o que está acontecendo.


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Lugar algum, algum dia de junho de dois mil e doze.

Ressaca. Ressaca de mulher, mulher de todo o tipo, cabelo loiro ou moreno ou roxo ou ruivo, ressaca.
Ruim com elas, pior sem elas... Sobrando mulher, ainda estamos sobrando. É, acho que fudeu... habilidade extrema pra galinhagem, incapacidade de continuar, então o jeito é arrumar mais uma ressaca, de mulher + álcool + mais nicotina + a puta que o pariu. É muito bom, mais dá ressaca, é mais fácil se casar com uma garrafa do que com uma mulher...
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Minha cama, algum junho de dois mil e doze.


Se eu tiver dinheiro para um zippo
minha vida não será um fracasso.
Talvez, não apenas para um zippo;
um maço de cigarros também seria legal.

Dessa vez não tentarei nada de diferente com o zippo
nada de cores diferentes ou desenhos estranhos.
Também, nada de malabarismos estranhos.
Vou comprá-lo, apenas, para acender os cigarros
e ouvir seu barulhinho metálico.

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Lugar algum,  outro julho de dois mil e doze.


O que fazer quando estamos cansados de nós mesmos? Estou cansado de mim mesmo?
Não sei.
Talvez, esteja apenas cansado da minha vida.

Quantas vezes esta frase já foi escrita?

Nunca saberei.

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Lugar algum, tempo nenhum o tempo todo.

a caricatura básica do nosso "momentum" é o catarro.
A forma nojenta, verde disforme e liquefeita á princípio, quando assim se livra fácil, como um nego mole, quando mais "borrachenta" tem de haver o auxílio de um dos nossos tentáculos para tirar e colar embaixo de uma cadeira ou nas costas da sua professora do ginásio.
Que caralhos, eu to falando de catarro? devo ter vários problemas... boa noite 

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Minha cama, dois mil e doze.

Algumas considerações sobre a escrita.
obs: Nada disso deve ser levado a sério.


Escrever listas não é escrever, assim como escrever dissertações também não é escrever. Escrever é escrever contos e escrever poesias e escrever romances. Poesias são as mais simples e as mais difíceis de escrever. Contos são os medianos. Quando você escreve um conto decente você está no caminho certo. Escrever romances é complexo, você precisa de uma barba ou ser daquelas mulheres que já sabem se vestir direito. Escrever não é para magos ou artífices ou toda a qualidade de seres místicos. Para escrever é preciso entender o parágrafo a pontuação as vírgulas os verbos. Você só pode mudar alguma coisa na escrita quando souber inteiramente sobre o que se trata. Escrever deve ser algo assim.

Hoje. esse ano. maldita sorte e bendito azar...o complicado da coisa toda é arrumar o esquema perfeito, terceira temporada do batman, cerveja, dois maços de cigarro, tudo lindinho, plano especial, essencial... Mas o bom e velho universo nos presenteia com isso: Acabou o fósforo! O escritor que acredita no que escreve, vira pastor, e isso meu amigo, é algo a se evitar... Cuidado com a coisa toda, presentando cada boa oportunidade com incapacidade resolução, é isso.

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Texto escrito no verso de uma fatura de cartão de crédito


        Tenho evitado a escrita como o homem evita a mulher amada. Tenho evitado as musas como aquele que evita o amor por ter nele sua ruína. Tenho evitado o papel como aquele que evita o quarto do hotel; lar de tantas estórias, pecados e perversões.
      A escrita é pior do que qualquer paixão proibida. A escrita destrói qualquer mente sã com a ilusão de recuperar a razão por catarse. A escrita faz o último cigarro do maço queimar quando você não tem mais dinheiro para o vício. A escrita deve ser evitada.
      Escrever é puramente humano e, tudo o que é humano, é carregado de vício, angústia, sujeira e perversão. No entanto, a humanidade é o que resta para o homem deste tempo. O homem sem pátria, o homem sem nação, o homem sem deus, o homem sem esperança.
      Pois, mesmo sendo tão humana e tão podre, a escrita, como toda a arte, carrega em si uma gota de redenção, epifania e esperança.
      É artifício, artificialidade, magia, ilusionismo, metafísica e mentira.
      É mentira, mas mentira necessária à vida. Mesmo quando não se sabe a que a vida se presta.
      Nisso, Nietszche teve percepção e afirmou sua genialidade:
      “A arte existe para que a verdade não nos destrua.” ~ Friedrich Nietzsche.
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Caro amigo,

Não é simples. Não é fácil. Não conseguido. O tempo escorre nos dedos. Tem. Tem. Tem. Tem. No fim, sempre no fim – aquela hora na cama em que Deus não existe – não tenho nada. Nada, meu eterno amigo. Minha única posse. Meu único tesouro. Minha única propriedade. Minha variedade de sinônimos. Minha complexidade de pensamentos. Meu eu. Meu tempo. Meu rosto. Meu cabelo. Minha barba. Meu nada.

Meu caro amigo nada. Sempre, em meio às complexidades quem aparece é você. Flertando entre silhuetas. Esquivando entre corpos bobos. Espiando pelas frestas de cada uma das minhas palavras. Meu amigo. Meu Deus. Meu companheiro. Mais fiel que meus cachorros. Mais seguro que minhas drogas. Mais honesto que minhas palavras. Mais elegante que meus heróis.

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Acordando quatro da tarde na cama suja sem lençóis.


Só queria um dinheirinho, sair de casa, beber umas cervejinhas, fumar uns cigarros e falar com as mocinhas. Mas dinheirinho hoje não é fácil. É preciso trabalho, é preciso suor, não é possível com batida, violão e vagabundo.
      Se ao menos eu fosse mais calmo e o universo todo não me irritasse, acordaria cedo e sairia de casa. Uma, duas, três conduções, camisa azul de pano grosso, jeans surrada e botina. O dia inteiro na labuta, três cigarrinhos e uma marmita. Mas até a marmita tá cara e cozinhar em casa já não é coisa que eu goste.
      Fazer o que está feito é bem simples. Fazer melhor não é tão difícil. Fazer nada é o real desafio. Desafio de alma cansada, bolso furado e alma moleque.

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