quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Eles?- Rolando Vezzoni

Estavam lá, ele e ela.
-Eu não sei, acho que quero alguém, ultimamente tenho me sentido deslocada, me sentindo quase nada, sabe? É como se faltasse algo, um namorado ia resolver esse tipo de coisa, estar com alguém ajuda muito tudo, o problema é que não acho um encaixe com ninguém!
-Entendo, as vezes eu acordo e não sei bem, penso que ia ser legal acordar e encontrar uma pessoa ali, uma moça com quem eu tenha vivido algo... Mas no fim não é bem assim que a banda toca.
-Hahahahaha! - riu, com seus lábios separados por dentes formando um sorriso sarcástico lindo- -Por que? “Tá” dificil arrumar companhia?
-Nem é isso, companhia se tem, não tem é alguém que te acompanhe.- fechou os olhos amigavelmente e esboçou um sorriso.
-Não faz o menor sentido isso!- disse ainda risonha.
-O negócio é assim, sempre andamos acompanhados, temos com quem conversar, se vale a pena, existimos... Algo assim, você quer algo, tipo sexo, encontra, no meu caso, uma garota que quer também, ai você sai, fala um monte de merda e tenta parecer mais interessante para se vender como um produto, daí consegue o que quer, acorda no dia seguinte, olha para a sua direita vê aquilo, vira para a sua esquerda e pensa,depois volta e observa a parceira como um objetivo que alcançou, fica feliz, aí pensa um pouco e só quer mandá-la embora dali, quer que vá embora, fica nauseado só de pensar na pessoa, quer tomar um banho e dormir, ou sei lá, pular da janela... não por questões estéticas, a questão é que não aguenta aquilo tudo.
-Por que a esquerda?
-Eu gosto de dormir na esquerda.
-Quer dizer que não curte ficar com a mesma mulher mais de uma vez?
-Claro que sim, só que quase nunca... A coisa tem que fluir, você tem que existir ali, e a pessoa tem que ser de uma forma que não te mate aos poucos, não sei explicar, é uma coisa de empatia.
-Bom, eu sou mais quieta, por ser mulher, mas eu entendo... Sei lá meu... É que tipo... Vamos dizer que quando você teve essa aversão, mas ainda tem esperança, eu simplesmente acho que é a questão de achar uma pessoa certa! Não que só tenha uma pessoa certa... Mas que tem que haver mais de uma pessoa certa.
-Justo.
-Agente tem que ter algum sentido na vida, um relacionamento torna isso mais...
-Palpável?
-É!
-Vivemos procurando sentido em tudo, mas as coisas não tem esse sentido todo, acho que um relacionamento não é o bastante para pintar um significado na existência... Mas é bom, porque quando eu estou tendo uma relação interpessoal, me lembro que eu estou ali.
-Você é engraçado, fala as coisas como se a cada momento pudesse desaparecer, como a fumaça de um cigarro, que tem que ser tragada de novo milhões de vezes sempre para estar ali... “daí eu existo”, o que isso quer dizer?
-O mais engraçado, é que eu acho que você sabe bem o que eu quero dizer... Eu sou observador, vejo você se olhando no espelho direto, mas raramente se arruma, parece que se olha para ver se é você que está lá, para se lembrar que ainda está ali...
-... - Parou e o observou com a boca entreaberta, e depois mordendo o lábio inferior, ele queria esses lábios que quando se moviam o apunhalavam o peito- Não sei que dizer... Me sinto aqui.
-Não diga nada... Quando pensarmos nisso, existiremos, essa é uma das tragadas que precisamos para continuar aqui, como se fossemos sombras numa parede impassível, e essa relação, essa conversa, fosse o corpo que projeta nossa existência nessa parede.
Ela riu, eles conversaram mais, ele foi trabalhar, ela foi para casa..
Ela olha para uma parede de seu jardim, vê sua sombra de pé, mais real que ela mesma, fica paralisada, é a primeira vez que se vê, ela está deslocada, a sombra que vê é um retrato fiel, é o espelho que a reflete, reflexão pura e sem cor, uma mancha escura e imperativa... Abre a boca e sussurra para a sombra de forma tão discreta quanto psicótica, a unica pergunta que lhe fazia sentido perguntar: “Eu estou aqui?”

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Como ler as crianças?- Rolando Vezzoni

Viu três crianças andando juntas na rua, uma com um triciclo de plástico e feições nipônicas, e os outros eram gêmeos, todos beirando seus oito primeiros anos de vida, e brindando-os sem saber, numa tarde de ambiente agradável vestidos homogeneamente, provavelmente em razão de serem da mesma escolinha e estarem de uniforme ou algo do tipo.
“Está abafado demais para mim...” pensou observando sem ser visto por eles, depois sorriu em silêncio “Para mim, é claro, para eles, não.”.
Agora os três correm em círculos rindo alto enquanto estabelecem as regras do jogo “Eles se veem como três crianças, sem líder natural...” apertou bem os olhos e passou os dedos pelo rosto por debaixo de seus óculos desviando em seguida seu olhar para o gramado “A criança oriental é apenas outro colega do par de gêmeos loiros... o que fazem com eles para se tornarem adultos?” volta a observá-los, perdeu as instruções da brincadeira, estava perdido naquilo, parecia que os movimentos eram aleatórios e sem nenhuma espécie de sentido “ a pergunta na verdade é: Deveriam fazer isso ?”.
Sentiu-se dormente, ele não existia naquele momento, era apenas um observador daquele teatro que esboçava a próxima geração, ele, um espectro estático e sonolento “Eles não, eles são matéria a ser formada, crescerão, serão postos em situações, farão escolhas, sofrerão as consequências das escolhas tomadas, até se tornarem existências completas e abobadas em sua permanente mutação em busca de algum sentido...” perdeu-se novamente, divagava despretensiosamente “Mas, agora é hora de brincar, deixe-os estar por enquanto...Aproveita ai molecada!.”, mandou esse grito telepático para eles, mas não escutaram, seu maxilar não se movia.
Durante as brincadeiras que iam mudando permanentemente, um dos gêmeos caiu, provavelmente ralou joelho e segurava um pouco seu choro, depois chorou como se fosse sentir aquela dor para sempre, talvez estivesse certo, pois ele sabia que algo estava acontecendo, mas não sabia o que ia acontecer. Os colegas correram em direção a uma torneira de uma casa, desesperados em promover o melhor socorro, mas antes que chegassem, o colega levantou e gritou:
-Gente! “Tô” melhor! Hahaha!- caiu, se machucou e levantou em menos de dez quadros.
-Vem cá!- disseram os dois outros em uníssono.
-”Peraí”!
Foi correndo e fazendo um barulho estranho com o chinelo que batia no chão e depois em seu pé milhares de vezes.
-Olha isso! “vamo” “brinca” na torneira?
Disse um deles(gostaria de saber qual, mas já não importava) abriu a torneira timidamente e olhou o fluxo da água descendo imperativo ensopando o gramado.
E foram molhando os pés como gatos ariscos.
-Mamãe “falô” que tem câmera em todos os lugares, e que agente não pode fazer nada errado porque daí senão ela filma e conta pra eles... Ela vê tudo, que nem deus!
Desligaram a cachoeira particular que criaram e continuaram juntos, mas, desanimados e sentindo uma evidente, tão infundada e inútil culpa. Em seguida os pais os chamaram, acabou a brincadeira.
“É aí que fode tudo!” pensou chateado, virando as costas indo embora, ressentido, triste por ter visto uma épica novela que acaba de modo tenebroso, “Eles já nasceram sendo observados, ainda que não efetivamente”, “Isso é o quê? Um imperativo moral? Não, é apenas uma ferramenta. O olho da providência é apenas uma artimanha cruel da própria cultura, tanto quanto o tempo, e ambos começaram como ferramentas, mas, agora, nos perdemos o controle.”,tomou um poco de ar,“No final, soldamos nossas próprias algemas e passamos essa prisão niilista a nossos filhos.”, parou de divagar, chegou em casa, ligou a ópera pagliacci...
“Ridi, Pagliaccio,
sul tuo amore infranto. !”