domingo, 25 de março de 2012

Inferindo- Rolando Vezzoni

Vejo-me impedido por uma barreira.

Parto da pergunta: qual que é?
Medo é demasiado arbitrário,
não quero clichê, muito pelo contrário...
Indago novamente: será que é?

Bom, eu sei que falta ímpeto.
Isso falta, mas não sera esse o muro em si?
Estranho isso, eu já transpassei esse teto...
Então pergunto: se já subi, porque desci?

Reelaboro: se vim e vi, porque perdi?
Lembro que já falei, mas ninguém ouviu...
É isso! Desci por que recebi um "não entendi"!
Ah! concluído: Bloqueei, porque ninguém entendeu, e ninguém viu.

sexta-feira, 16 de março de 2012

toda náusea será castigada- Bruno Santana

Todos os caras que vão ficar ricos crescem estranhos;
de barba mal feita ou muito bem feita;
com cabelos desgrenhados ou perfeitamente arrumados, mas
invariavelmente tratam muito bem das unhas.

Todas as garotas que serão felizes crescem sem muitas esperanças,
e não beijam os caras legais das festas e
não ficam bêbadas e
lavam a louça do almoço.

Foi uma garota quem me disse isso
em uma dessas festas de pessoas tristes
em um desses porres sem futuro
em um sábado sem pretensão.

Ela chorava e borrava a maquiagem
e era linda como o demônio;
o anjo da luz descido na terra,

ela soluçava e gargalhava
entre o rímel e o batom e sua jaqueta de couro

Ela dizia que não seria feliz
amaldiçoava seu destino
e todos os lapsos de felicidade instantânea.

Culpava Dylan e Godard e Bardot e todos os existencialistas
e todos aqueles que um dia escreveram
ou cantaram
e trouxeram ao mundo a maldição.
A maldição da juventude:



ser feliz antes do tempo
queimar antes de iluminar.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Réquiem da pornochanchada- Rolando Vezzoni

O povo leva a sério toda piada
Miou da ginga e da gargalhada.
Brinca de sério e competente,
me lembra é velho doente.

Parece até que linha reta,
é virtude da mais correta,
que os passos ébrios da molecada,
viraram molequice e não valem nada.

Moralismo tosco e desenfreado,
é catalizado na internet...
Resultado?
Pentelhação deliberada, de ateu, evangélico e patricete.

Engraçado que no país da pornochanchada,
esqueceram da grande sacada.
Que cagar opinião parece que valer muito,
mas no fim não vale nada.

domingo, 4 de março de 2012

O demente- Rolando Vezzoni

O sujeito normal era normal. Não muito mais poderia ser dito á princípio... Solteiro? Sim, mas não carente... Ébrio? Eventualmente, mas nada incomum... Trabalho ou estudo? Sim, nada muito vibrante.
Andava para sua casa em um dia normal, estava pensando em algo que não era importante, só queria chegar em casa e comer um sanduíche.
Durante a elaboração mental meticulosa do seu sanduíche que fazia em sua epopeia até a esquina, aconteceu algo que se não houvesse acontecido, não o faria merecedor de um conto a seu respeito. O que? Bom, ele escorregou numa bela peça de coco canino, o que já é interessante por ser cômico, mas além disso bateu a “cabecinha” bem forte na guia.
Acordou num quarto branco, inferiu que era um hospital, pois lembrava da merda e da queda. Olhou a sua volta, estava com dor de cabeça e desorganizado, provavelmente por não ter comido o sanduíche que tanto pretendia, ou talvez tivesse algo a ver com a pancada, não sabia dizer.
-Ele acordou! Ele acordou!- gritou sua “mamãe”.
Entrou todo o grupo de lagartos preocupadíssimos com sua saúde, e uma enfermeira com um decote protuberante:
-como você tá?
-cabeça dura a sua em rapaz? Hahahah!
-o que aconteceu? Contaí man!
Sua cabeça latejava ao escutar o burburinho, pra cada comentário uma pulsada.
-Huum, huuuuuum!...-limpou a garganta com o intuito de abrir uma brecha, e esperou o silêncio se estabelecer, tomou ar para tranquilizar aqueles que demandavam.- ... nossa. Que puta enfermeira gostosa!
Os olhares foram de encontro à enfermeira e ricochetearam de volta, mas antes que qualquer um pudesse recriminá-lo pelo mal elaborado elogio, a própria gostosa cortou o silêncio:
-ahm...bom, obrigado, hahaha...- abriu um sorriso calmo e prosseguiu.- Não fiquem ofendidos, o doutor me avisou que algo assim poderia acontecer, ele está chegando e explicará tudo.
O doutor chegou e explicou todo o charme do acidente : a área lesada do encéfalo era “responsável” pela censura (o tal do “desconfiômetro” que as pedagogas de quinta tanto falam nas escolas), é algo assim, nós pensamos coisas ao longo do nosso dia, e não dizemos algumas por sabermos que fogem ao comum em termos de aceitável, ou seja, vemos uma funcionária de hospital com atributos físicos interessantes, mas não comentamos isso... Porém no caso, nosso herói perdeu completamente essa capacidade, como um sujeito muito alcoolizado pode perder parcialmente durante o porre.
-pô, que merda isso! Agora eu to completamente fudido, tipo, eu não posso sair de casa, vou acabar apanhando!
-não é tão raro quanto parece, e depois de alguns anos o cérebro geralmente usa outra área para compensar, e você volta ao seu ao normal.
-e o que eu faço até lá?! Fala aí seu careca! Ando com uma placa pendurada no meu pescoço escrito “demente”?!
-ãaaa...- o médico fez uma pausa debiloide para pensar.-Eu não sou careca, só tenho cabelo ralo!-sorriu satisfeito com sua brilhante colocação- Bom... E você teve sorte de não ter nenhuma outra disfunção, você poderia estar babando com o rosto parcialmente paralisado, então tente encarar isso da melhor maneira possível.
Passaram-se alguns dias antes de sair da caverna, saiu pois percebeu que teria que aprender a se virar e retomar sua vida, suas sublimes atividades cotidianas.
Qual o melhor lugar para recomeçar a rotina, o local que mais drena sua energia enquanto lhe fornece colegas igualmente miseráveis com os quais se é possível estabelecer relações humanas? Logicamente, o trampo.
Vestiu roupas discretas e foi à sua primeira experiência com um otimismo razoável e tencionando ficar o mais transparente possível, ficaria quieto e faria as macaquices que lhe fossem designadas, o que poderia dar errado?
Chegou na entrada, respirou fundo e entrou.
-SURPRESA! ESTAMOS MUITO FELIZES DE VOCÊ ESTAR DE VOLTA!
Sentiu sua pálpebra direita se contrair e seu esfíncter dar um nó, percebeu tarde demais a situação em que se metera, a saia justa, e os conflitos que poderiam sair dali, já que havia num escritório um homem que não mente, provido de todo um material de anos de compostura acumulados e prontos para serem lançados impiedosamente.
Mas o que seguiu foi muito inusitado, ele era um sujeito normal, mas não um sujeito burro, assim sendo, não se deixaria simplesmente conversar sabendo que muito provavelmente comentaria a respeito da enorme pinta no rosto do chefe ou quão ridícula era a gravata do mesmo (o que torna o conto bem menos engraçado).
Primeiro começou a assoviar.
As indagações se seguiram, “o que há?”, “você não consegue..?”, e todas as perguntas estúpidas possíveis, realmente não tinha jeito.
Continuou assoviando e procurando alguém com quem conseguisse conversar, alguém que suportasse mais tranquilamente a esse tipo de situação, que ele fosse capaz de olhar. Afobado e se esquivando do espelho que se configurava nos focinhos alheios, aos poucos percebendo como sua nova sinceridade era bizarra. Seu foco caminhava para o desagradável, uma lente filtra tudo àquilo não escroto, um aleijado, que abiu um rombo capaz de liberar toda a amargura de uma vida inexpressiva.
Em seu desespero, percebendo quão mal sucedido foi seu contato com o mundo, preso naquele labirinto, perdido nos corredores em loop, foi procurar a saída.
Acordou sentado na guia recém pintada, onde havia estourado os miolos algum tempo atrás.
Era a guia mais branca, inconsciente de quão substanciosa foi sua participação nessa história toda.
Riu num tom histérico...
Saiu de casa, com uma placa pendurada em seu pescoço, nela pintada: “demente”, foi a despedida de nosso herói, pois aqueles que o conheciam, não o viram mais.
Transeuntes relataram que o tão caricato protagonista foi visto em diferentes lugares por algumas semanas vagando incógnito, vivendo como um sem teto com o notório hábito de ofender os pedestres.
Foi encontrado morto por espancamento (nada surpreendente), e só identificaram o corpo pois havia uma carta nas roupas que vestia, mencionava a família com nomes e endereço, segue a carta:

“Já fui demente...

Não convivi com meus parentes após a concussão por não ter coragem de encontrar minhas verdades em casa.
Com minha lesão perdi a capacidade de controlar as minhas impressões do mundo, não conseguia mais mentir, mas, falar a verdade para os outros foi só meu primeiro sintoma, perdi também a minha capacidade de mentir para mim mesmo, e uma vez assim, nunca mais poderia reaprende-la.
Sou um cara normal, normal demais, acho que sou assim pois eu sempre tive medo dos outros, não do que me diriam, mas dos conflitos... com minha sequela, percebi que não presto atenção em coisas “boas” nos outros, vejo as diferenças (principalmente físicas) “negativas”.
Porque? Não tenho certeza, mas invejo quem não tem a escolha de ser comum, ou que não tem essa tendência.
Vivi minha vida sem ser ninguém, talvez sempre tenha querido ser alguém, mas nunca tenha tido coragem para isso... me coloquei numa camisa de força, quem é o homem que odeia os diferenciais que almeja, e que se prende a uma existência insossa, que odeia?
Nunca fui forte para escolher para onde ia, sou duas metades assustadas e recalcadas que não consigo juntar.
Achava que a mentira servia para facilitar as nossas relações, mas no final, creio que me perdi na mentira em que vivi, e assim viveria muito tempo, como muitos. Mas meu acidente me pois em xeque.
Ou, melhor, xeque-mate.”

Clamor solitário- Bruno Santana

Sem que a luz atrapalhe, escrevo.
Linhas do que vi, não vi
Vivi e senti,
Mas, é claro, isto não é poesia.

Sem que o caos da cidade perturbe
Mergulho na penumbra de homem só
Orgulhoso, inteligente e sisudo
Mas, é claro, isto não é atributo de poeta.

Sem que as vozes de outrem falem
A minha canta e grita
Orações, canções e hinos
Mas, é claro, isto não é uma melodia.

Sem que o dinheiro me acanhe
ou excite
Penso no que deve ser pensado
Mas, é claro, isto não é assunto.

É claro, fica claro, sempre foi claro
No escuro, sem a fluorescência
Me entorpeço de ideias sólidas
Abraçando a realidade fluida.

Nela, descubro que os melhores poemas
não foram escritos
As cores mais bonitas
são oculares
A melhor canção
Não vem do coração.

A mais rica melodia
emana dos elétrons
cátions e ânions
substâncias, orgânicas ou não.

Não, não é ciência
Não é poesia
Não é arte
É o clamor solitário,
de outra alma perdida.