quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O afogando da piscina vazia -Rolando Vezzoni

Mergulha de cabeça na piscina, pois não haveria outro jeito.
A água é rasa, mais rasa do que deveria ser quando se pula de cabeça.
O crânio nunca é o bastante nessas horas, e é hora de sair e tudo dói e gira sangrando o crânio...
Sobreviver é algo relativamente comum, mas feridas e cicatrizes são inevitáveis, e vai se lembrando disso conforme deita no gramado do jardim vazio, após sair do buraco, esperando alguém aparecer para lhe prestar socorro.
Mergulha de cabeça no delírio pós-traumático.
Está agora em uma calçada, sabendo que sonha, é sonho pois não há nada que segue a ultima gota vermelha, e cabeça dói como a sua real deve estar doendo no mundo desperto.
É uma rua, avenida ou algo do tipo, das bem grandes, e lotada de pessoas indo e vindo, tudo muito normal como deveria ser, até que começa andar e se percebe preso a uma esfera de ferro por uma corrente, move-se devagar pelo peso daquilo, como um preso de filmes antigos ou desenhos do Pernalonga.
-Ei! Tem uma porra presa na minha perna!- exclama na procura inútil de atenção.
Os outros olham com desconcerto e prosseguem andando num ritmo anormal e desconfortável, simplesmente se esforçando para continuar.
Todos estavam acorrentados.
Vai andando, é o jeito, se contextualizar naquela tão real irrealidade.
-Ei! Você!- lá de trás.
-Eu? -virando-se
-Tu! Não "ele" -diz uma réplica sua.
-Nós?
-Vós! Sua voz! é igual a minha, como a sua cara e o resto! Somos você!
-E eles?
-Não! Mas sim... Tudo ideia sua!
-Como assim?
-Estamos na sua cabeça gotejante!
-Já desisti de ficar confuso a respeito disso...
-Beleza!
Começam a caminhar sentindo o peso irritante, eles não, ele,seu sósia não carregava peso algum, era o único não acorrentado.
-Tem alguma mensagem que você vai me passar, o sentido da vida ou algo do tipo?
-Você anda vendo muito filme, não?
-Sei lá... Aí teria alguma utilidade, mas não existe isso.
-Nada é útil.
-E pra onde vai essa rua aqui?
-Pra nenhum lugar, só vai indo sem sentido.
-Isso me incomoda.
-A mim não, sempre gostei, desde criança.
-Como?
-Ora, não é assim a vida?
Concorda em silêncio, afinal, sim, a vida é assim.
-E você é o único não acorrentado a esse peso por alguma razão?
-Bom... Eu não sou vivo, sou apenas um ideia sua, com a simples função de...
-Passar o tempo?
-É!
-E os outros, eles também são ideias, e carregam o peso.
-Mas são ideias vivas, projeções de um conjunto de pessoas reais.
-Quando idéias vivem?
-Nunca vivem, mas sempre ilustram a vida...-Respira fundo- Ei!
-Que foi?
-Abraço!
As luzes mudam, está tudo voltando, há pessoas envolta e tudo certo, não vai acontecer nada, nenhuma lesão dizem os doutores, acordou socorrido.
Grande piada a sua sr. doutor... Tudo deixa lesão, a vida é vida por lesionar, a unica coisa que não lesa é a morte, nosso vetor paralelo que nos ensina a gozar viver.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Nem perca seu tempo- Rolando Vezzoni


Chuva de noite é sacanagem mas de manhã é redenção, é o universo te mandando um respaldo legal para ficar em casa sentindo pena de si mesmo.
Esôfago ácido, água e pão seco com muito queijo, preguiça de cortar com a faca, rasga o pão se esforçando para fazer um sanduíche de merda, deita no sofá e procura algo para assistir na tevê, algo que seja minimamente suportável.
Nada, claro que não, tudo é assim numa manhã dessas, onde a chuva despenca em gotas grandes, até o céu tem preguiça de ficar de pé.
Ontem foi aquilo tudo, foi sair do trabalho puto, depois de meia hora lá, e a certeza de ser despedido que até o agradava.
Fingir ser responsável é muito cansativo e te faz realmente responsável aos poucos, e isso é perigoso.
Os anos antigos tinham charme, o porre era de qualquer bebida e sem ressaca, o esforço para qualquer coisa era pequeno e celebrável, as mulheres eram mais escassas mas nem se ligava disso, afinal, o mínimo era mais charmoso, o mínimo era o máximo.
Estava assistindo a estática da televisão, vários pontos cinza e barulho de chuva em telha quando sua mente veio a tona querendo papear.
“Pra quê tudo isso?”
“É que tudo tinha mais charme, tava pensando nisso agora”
“Eu sei né! mas... por quê assistir tevê fora do ar?”
“Sei lá, acho que me lembra de quando era pivete e assistia a lareira enquanto os adultos falavam de política e assistiam ao jornal... Sem influência nenhuma em nada, só se fala desse tipo de coisa para se sentir importante, muito gente vive disso, e eles se sentiam importantes, mas eu sabia que o fogo era muito mais intenso”
“Você é escapista, estático com a estática.”
“É melhor ficar de boa, Srta Mente, se não vou buscar meu uísque e te botar no sub”
Se lembrou daquela cena, do James Dean, etílico brincando com um macaco de brinquedo no meio da rua, levando ele no bolso do paletó para a delegacia esperando erro, mas esperando tranqüilo.
“Sabe, você me atormenta, me atrapalha na hora errada.”
“Nem vem com essa, eu sou você porra, cê manja isso né?”
“É, mas desde o Pinóquio a consciência tem a fama de ajudar... Você não, só me tira do prumo"
“Ei, eu sou um abstração sua, você que observa as coisas assim, eu só te lembro disso!
 Se você tivesse alguma moral, eu te lembrava dela... mas como não tem, eu te lembro de não ter... se você olhasse para o futuro, eu te lembraria dele, mas você vive de agora, e eu só posso te lembrar que amanhã não vai lá hoje... só rindo mesmo.”
“ótimo, minha mente ri”
“Vai ver é o verão, é verão no mundo á sul do equador”
“Que isso! Eu sei que dá pra ser infeliz no primeiro mundo.”
“Infeliz é uma palavra forte”
“É nada, é uma palavra fraca, negação de um estado idealizado, pelo menos como se usa no geral, oposição arbitrária”
“há! Ta vendo como não sou eu o problema?”
“ok ok...”
“Faz o seguinte: acha um filme bacana e liga pra alguma mulher, é isso que deve ser feito, é isso que você faz de qualquer forma”
Pensou nisso, pegou o celular para procurar o numero, mas foi interceptado pela empresa anunciando que entendia seu problema, e que poderia voltar no dia seguinte com desconto dos dias, como havia sido sua primeira falha.
O sistema é absoluto, o sistema é inevitável, é disfuncional o suficiente para funcionar e acabou... Nem leia isso, volte ao trabalho. 
Sério, você não pode perder o tempo que não tem.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A ultima carta do náufrago- Rolando Vezzoni


Favores dados, nem sequer pedidos, demandam retorno?
Dá-se algo para se conseguir alguma coisa apenas?
Capitã da vida feita com infantilidade senil,
da independência simulada e frágil que quer mostrar.
Ora, de onde vem tamanho turbilhão de inconsistência e agressividade juvenil?
Tem-se claro o mostrar absoluto do poder desacreditado e enfermo,
da moral tão absoluta, nascida para ser quebrada e sofrida.
Junto dessa moralidade sofrível chora a fraqueza do ato da ameaça pura e falsa,
uma demanda boçal de algo que não se sabe, e a incapacidade do desculpar-se.
Procurar, por errados meios, traz sequelas e cicatrizes exponenciais e irreversíveis aos próximos, sabe?
Acalme-se, os quarenta são novos trinta... Tripulantes! cuidado com o ventre da mulher balzaquiana,
pois nesse ventre quase fálico, reside a insegurança dos novos tempos.
Tão forte, tão fraca, quer ser pai, mãe, tio, tia, professora, avô e avó, mas jamais uma amiga jovial.
Em minha eterna contemplação (pretensamente silenciosa) e displicência carrego armas antigas.
Já conheço as operações de Apolo, que levam um dia para trazer outro enquanto o mundo mantêm o ciclo: As flores caem e as saudades vão diminuindo.
A despeito de apelos apolíneos, a atitude arbitrária de suas lamúrias progride feroz, visceral.
Flutuo entre buracos, peregrino meios desconexos, sou um náufrago cansado.
Aqui mais um adeus momentâneo, na iminência da próxima calmaria pré-tempestade, e mais uma mensagem na garrafa fica á deriva...
Fique com a cautela se a encontrar flutuando, pois um homem não ameaça em vão, sei que quando enfim houver partido, realmente o terei feito...
Nômades tem poucas garrafas, é a última carta do náufrago da ilha cerebral, contemplando a maré estúpida.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A primeira noite do personagem- Rolando Vezzoni


A folha caída só vale a pena por ter em algum momento caído.
Existir problema não é problema, não querer nada já é querer alguma coisa e caminhar despretensiosamente não é fácil, se fosse fácil, o mundo seria também.
Cá em meus contos, vemos um personagem quase sonâmbulo, vivendo suas histórias muito pouco épicas, um ateu espiritualizado, um esforçado vagabundo vivendo suas suas crônicas do desinteresse.
Outro dia mesmo, meu personagem caminhava sem rumo num começo quente de noite de verão, lá pras vinte e duas horas, como apenas os conceitos abstratos e sem nome caminham.
Acendeu uma ideia semi-concreta de cigarro e escutou a projeção gráfica de um miado.
“miau!” pausa “miau!” pausa “miau” pausa “miau”...
Palavras costumam ser inertes, signos complexos que funcionam de forma arbitrária em diversos contextos... Por aqui “miau” é barulho de gatinho, onomatopeia consolidada.
“Ele”, como o personagem que é, simulou dois pensamentos que provavelmente vieram do escritor, um que perguntava por que o gato mia, e outro da diferença funcional do termo “gato” para com o termo “medo”.
Elaborava sua tese a respeito da complexidade do “medo” e da simplicidade de “gato”, que para bons entendedores da língua portuguesa, é o bicho que faz “miau”.
Para o texto não ficar cansativo encerrou suas especulações, e começou a procurar o gato que miava com medo de algo.
Depois da exaustiva simulação de alguns minutos perdidos encontrou o bichano, que era filhotinho e estava num muro alto, e que provavelmente não estava conseguindo sair de cima, por isso a barulheira aguda e desesperadora.
“Ei, gato, vem cá gato” se aproximando com andar de um bom retardado, que apenas os animais merecem “vem cá com o tio, eu te ajudo”.
O animal pareceu não entender muito bem o que outro animal queria, mas deu alguma atenção por estar preso e com um pouco de pena do humano patético.
“miau” podia muito bem estar sugerindo terapia ou que eu saísse e arrumasse um enredo fictício mais interessante para a história, mas como não manjo nada de semântica felina mantive meu personagem tentando ajudar.
“Bom, vou subir o muro, ajudar meu amigo novo”.
Começou uma escalada pseudo-heroica do muro, com toda a capacidade de um homem desocupado.
O muro era pequeno a princípio, sem problemas, mas como muros tem tamanho, e tamanho é altura, e altura depende de medo, quando chegou ao final do alpinismo urbano entendeu o porquê das lamúrias do gato, ficou com bastante incomodado com a altura e com quão barata é sua coragem, bastava adicionar dois metros e meio do chão para ele mesmo começar a miar.
O bichano o olhou desgostoso, como que incomodado com sua companhia.
“Ei, qualé, eu vim te ajudar porra...”
“miau”, mas agora, um miau maldoso, típico de quem está pronto para o ataque.
“calma... calma...”
Gatos são felinos, felinos enxergam bem durante a noite, tem reflexos absurdos, o irritante hábito de caírem de pé e unhas bem afiadas, unhas essas, que no caso, caíram sobre nosso herói vertiginoso, que despencou de costas na grama todo arranhado e com o orgulho bastante ferido.
Vendo o gato encima do muro, e se vendo caído de forma pouco digna decidiu que era hora se ir embora daquele trecho de conto maldoso.
Tentou levantar, mas resolveu respirar alguns momentos, afinal, estava meio arrebentado.
O gato riu, gatos podem rir em meios literários, afinal, eles são apenas uma representação de gato, depois ele pulou, ainda sorridente, caiu de pé, e foi embora tranquilamente.
Anda difícil ser personagem hoje em dia, ainda mais com escritores que tem medo de altura...
Hora do personagem descansar um pouco, afinal, acabou de ganhar vida e dor nas costas, como todos os vivos.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Memórias do quarto porco- Rolando Vezzoni


“As boas histórias já acabaram...”
Na livraria, vindo de um pai cansado demais para recomendar alguma coisa para a prole.
“Vai lá com a tia que faz atividades, o papai vai tomar um café. ”
Crianças correm e acham a tal da tia, que começa a contar uma fábula (tosca) com uma voz (forçadamente) cretina, daquele tom que o mundo costuma achar que agrada criança mas não agrada, afinal, ter voz fina e não ser levado a sério é um privilégio da molecada... Não é qualquer tia velha que sabe fazer isso com classe.
 “ohhhhhaaaa! Aí! Veio o lobo-mau! e...”
Falta estilo e alguma criatividade na classe dos monitores infantis.
Pivetes não gostam de ser tratados dessa forma... Isso é coisa de alguns séculos atrás quando não existiam zumbis virtuais a serem assassinados, Cartoon-network e internet.
Entreter criançada demanda habilidade.
Tomar um café. Sentei no balcão.
“Café!”
Torno o olhar para a encenação assustadora do suposto lobo-mal, um lobo que lembra muito uma mulher de um metro e cinquenta que acredita que está fazendo um trabalho fabuloso.
“A história não importa, o que importa é quem conta ela”
Olho para o lado, era o pai de antes.
“Como essa mulher aí?”
“Por favor, tenho cara de economista, , mas te  sou um escritor...  Uso camiseta pólo, penteio os cabelos e nunca publiquei nada, mas sou escritor.”
“Eu também sou, e nunca publiquei.”
“Mas você ainda não se escondeu, o mundo não quebrou seus parágrafos... Você é jovem.”
“Do que você ta falando?”
“Aqueles dois ali são meus filhos, sabe? Os dois que estão vendo aquela porcaria toda”
“Criminoso o negócio lá, só aquela grávida abobada perto da prateleira de auto-ajuda ta curtindo de verdade”
“Sim, eu mando eles lá pra já irem aprendendo a merda que é isso tudo... Eu sempre curti enredos e contos, escrevi algumas coisas quando era mais novo...  Histórias que gostaria de ter lido na minha infância, ao invés de ter visto esse tipo de coisa.”
Pausa, dá um gole no café já meio frio.
“... Nunca publicaram nada, embora elogiassem bastante! E sabe porquê disseram que não iam publicar?”
“Nem imagino.”
“Porque para eles, seria perigoso mandar algo que não nivelasse por baixo, manja? Pra eles tudo tem que ser nivelado por baixo, só vende groselha hoje em dia. As histórias boas já acabaram, quando os caras gostam do negócio eles acham que molecada não vai achar bacana.
“É porque o mundo se leva muito a sério e isso é uma merda, pretensão e auto-imagem transformam cartunistas em publicitários e escritores em advogados que depois acham que são muito importantes para não entender alguma coisa... Se não entendem algo, é porque é para criança ou não faz sentido... Como Alice no país das maravilhas, todo idiota fala que adora e nem percebem que é uma sátira da vidinha vagabunda que levam. ”
“Exato! ‘poxa, gostei desse livro, mas como eu sou a porra do Einstein da contabilidade do prédio cinco meu filho jamais entenderá algo que eu gostei, vou comprar o livro sobre a pequena raposa disléxica que aprende sobre solidariedade “
“Ou o moleque já tem catorze anos, e ganha um livro explicando o que é a masturbação... Cara, isso é o tipo da coisa que ele conhece muito bem. ”
“Isso quando compra o livro, a menina pede o livro e a mãe fala que só vai comprar quando ela terminar de ler o outro, já pra comprar idiotice, tranquilo. ”
“Complicado isso. ”
“Você reclama assim só porque não é casado com uma dessas pessoas, aí você reclamaria como gente grande... Sentir pena de si é bacana. ”
“Difícil cara... pra quê viver assim?”
“A coisa, é que sou um agente-secreto, um infiltrado, e tenho que ir longe. A minha missão é entender o mundo vazio em toda sua ausência de conteúdo. ”
“hahahahahaha, desencanou de escrever?”
 “Parei de mostrar, mas desisti de qualquer forma... Agora, VOCÊ tem uma missão. Contar histórias e reclamar das coisas, certo? É evidente que esse é o seu negócio. ”
“Digerir é viver em dobro. ”
“hoje em dia temos poucos momentos históricos em nossas vidas, sabe como resolver isso?”
“Não. ”
“Pegar nossas histórias vagabundas e contá-las da melhor forma possível... Acabaram as grandes navegações e as cruzadas acabaram junto com a magia das viagens espaciais... Fora que depois do bom cinema, criar novos mundos escritos perdeu um pouco o sentido, mentir para seu leitor é arbitrário, escrever sobre a vida de fato que é a colher dos corajosos. ”
“Tem seu sentido. ”
“Não faça como seu ‘eu’ velho e se esconda, se divirta com colhões, porque a vida já é miserável o bastante quando se sabe brincar com ela, não saber é dantesco...  Aproveite sua alucinação e vá fazer alguma coisa, eu sou fim, o fundo, a desistência absoluta... Você é o que?”
“momento. ”
Ele riu, levantou e foi embora com os filhos enquanto o lobo continuava soprando a casa dos porquinhos num mundo que não aceita porquinhos sem ganância que moram em casas de madeira na praia.
Já ia embora também.
Abaixei para amarrar o tênis: laço pra cá, puxa para lá, ajeito tudo sem pressa, para ficar confortável... Momento, momento puro... Sempre escrevendo sobre a importância espiritual do ato de amarrar o cadarço.
Há! Nem tomei o meu café!

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Especial de dezembro parte 1: Rolando Vezzoni e a última noite do planeta azul


“Você sabe o que vem hoje, né?”
“Não”
“O mundo acaba”
“Num começa com neurose”
Ela levanta, segue até a frente da televisão.
“Eu tava te devendo um strip.”
“oohhh, isso é interessante, nunca ganhei isso antes”
“nem eu fiz”
“então vamos fazer direito”
Ele caminha, pega umas cervejas, despeja numa jarra e pega o copo e o cinzeiro.
“não, quero você de camisa, gravata e cueca”
“por quê?”
“quer que o mundo acabe sem nunca ter ganho um strip? tem que contextualizar”
“ok”
Gravata, camisa, e uma cueca? Que cueca? Cueca do Snoopy, de natal com o Woodstock de Noel, um brinde a dezembro.
Volta, só uma luz de fundo acesa, clima bom, tocava Bee-gees.
“poxa, Bee-gees não, fica gay assim... muda isso”
Risos, sempre difícil manter a seriedade, mas isso é bom, pessoas sérias não são companhias ideais para o fim.
“o que então?”
“jazz, pra ornar com a meia calça, que tal um sapato?”
“só tenho tênis”
“desencana, você ta linda”
“é mais fácil assim, né?”
“como?”
“você só elogia na iminência do fim do mundo... parece que tem medo”
“eu não tenho medo do fim do mundo, não faz muita diferença”
“não é do fim do mundo que eu to falando”
Silêncio e sorriso safado, melhor não discutir a vida quando se está vivendo.
Jazz, andar lento, abrir latinha, acender cigarro, cara de bobo. Todo homem tem que fazer cara de bobo na hora do strip.
“Abaixa a mão, não pode tocar, ordens da casa!”
“do que você ta falando?”
“entra no jogo”
“ok”
Puxa a gravata, faz cara sexy e se afasta, ele tenta continuar sério, ela tropeça um pouco no ritmo, tudo bem, falta de perícia é charme.
“então, como é o seu nome?”
“não posso falar, ordens da casa... me chama de Vênus”
“se atendo aos clássicos”
Fez tudo parecer mais real, a verdade é que sempre foi tudo clandestino por ali, sexo e amizade na ilegalidade, fuga da moral alheia... Finalmente era um clandestino digno do apocalipse.
“Do que você gosta Srta Vênus?”
“Gosto que puxe o cabelo, e de tapa, mas devagar”
“Bacana isso”
“Continua fumando, é sexy”
“Sem problemas...”
Sutiã que abre na frente, preto contra a pele clara, óculos escuros para mamilos rosinhas.
Rasga a camisa, morde o pescoço fraquinho.
“isso é psicótico”
“fica quieto aí”
“ok”
“do que você gosta?”
“peitos, e que arranhe as costas”
“só?”
“eu logo penso em mais alguma coisa, por enquanto tudo certo”
Pele, suor, dezembro é quente, os ameríndios sabiam.
“pensa rápido, você tem mais algumas horas de vida”
“até lá, já quero gasto umas 2000 calorias, para fumar meu ultimo cigarro”
“Porque não acabar o mundo num orgasmo?”
“O importante, é já ter gozado a vida, e ter alguns minutos, só para poder lembrar”
“lembrar do que?”
“ De morrer vivendo e de viver morrendo... ”
“Hãn?”
“Que o fim não é o objetivo do meio, por isso a mulher, não minha mão. ”
“é tudo troca, empatia “
 “se já teve isso, tudo bem, que venham os titãs, Srta Vênus “
Olha de baixo, belas sobrancelhas.
Fricção, movimento, lábios, mulher, homem, orelha, unhas, sede, saliva, cevada, pausa, giro, simbiose, agora troca, vai pra baixo, escapou, voltou, risos, muitos risos, cai jarra, é um banho gelado, está tudo valendo, respiração, aceleração, calma, descanso, fim de uma, calma, fim do outro...
Isqueiro, teto, fogo, cinza e bagunça... Seria o sexo, um amor sem guerra?
Tudo vale na última noite do planeta azul. 

sábado, 1 de dezembro de 2012

Para não esquecer- Caroline Bellangero


O meu peito dói. constantemente ele grita para lembrar que ainda existe e, constantemente, eu o calo.
Ele abriga uma saudade pesada d'um lugar longe no tempo, e sempre que estou só ele me lembra de uma história.

Era uma manhã bonita como quase todas as lembranças de manhã que eu tenho de lá. eu chegava miúda e passava de braço em braço pelas gerações. era primeiro aquele colo quente e perfumado de minha mãe e depois o macio e carinhoso da vovó. Eliana, eu sabia, mas para todos, Lili. eu chegava lá cedo e continuava meu sono cortado, acordava só mais tarde, com o cheiro do café fraco. aquele lugar tinha um quintal grande coberto por uma parreira que dava uva fora de época e uma piscina esquecida. tudo lá tinha aquele mesmo cheiro doce, que se misturava ora com o café, ora com o feijão ou com os bolos no final da tarde. fubá com erva-doce, o melhor. e comíamos, falávamos, brincávamos. todo dia era carnaval fora de época. naquele quintal, sobrevoei o mundo em aviões imaginários, fui uma náufraga em ilhas hostis, fui camponesa, fui rainha e fui mãe. e ela comigo, a bordo de todas as fantasias por toda a tarde.
Quando o céu das seis horas era tomado pelo escurecer do céu das sete, o quintal era lavado como um ritual de purificação, às vezes com um pouco de pressa. a casa se punha limpa e em ordem e ele chegava exigindo silêncio. sentava na ponta da mesa e esperava o jantar, embalado por copos atrás de copos de bebidas diversas. comíamos e ele ia ver televisão. ela, arrumava o resto da bagunça e arquitetava a minha despedida. daquele momento em diante, eu sabia que tudo ia acabar e devagar me fazia triste.
Minha mãe aparecia para me buscar e no caminho de volta para casa algumas lágrimas silenciosas eram derramadas enquanto a cidade passava, deixando para trás o meu mundo de possibilidades.

O tempo correu e eu ia me afastando cada vez mais de tudo isso. meu corpo cresceu e me cobravam uma postura mais sóbria que eu assumi sem dificuldades. o quintal comprido foi virando rotina só de domingo, para um almoço grande. os domingos foram acontecendo só de quinze'm'quinze. só de mês em mês.

Até que um dia eu deixei o quintal preso em algum lugar lá atrás e fui para longe dali. você não teve escolha e ficou com o quintal e o ritual de lavá-lo nos finais de tarde. de vez em quando, ainda recebo suas ligações no começo da noite, a hora que seria depois do jantar, para você se despedir como fazia antes. eu sinto sua voz de saudade e meu rosto inunda com as lágrimas que ainda escorrem ao perceberem que eu não estou mais lá.

O meu peito dói. constantemente, ele grita para não esquecer.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Eclipse na terra dos ponteiros - Bruno Santana


A lua apareceu no meio da cortina.
Era delírio, alucinação, flashback ... Peguei no terço e rezei umas aves marias:
Vovó dizia pra fazer isso quando estivesse perto de ficar louco.
Mas ... Na verdade, era só a lua embotada em lágrimas.
Sabe ... a lua chora todas as noites. É triste e solitária. Chora pelos homens, pelo amor e pela vida, mas é louca;
chora de louca, é o que todos dizem.
É só um pedaço de muita coisa flutuando em torno de outro pedaço maior e bem pior. Mas é assim que as coisas são:
ponteiros desregulados, girando e confundindo; porque ponteiros são isso mesmo, são grandes filhos da puta.
Mas o ponteiro só gira porque a fórmula diz pra girar. Sem fórmula, nada giraria. Nada giraria e tudo estaria certo.
Fórmula é assim, faz girar mesmo e é melhor aprender o giro, que se não gira direito ou se não gosta de girar
vômita mesmo, vomita tudo que tem no estômago.
A lua fica nessa, girando e chorando. Chorando e girando. Gira e chora até alguém chorar por ela.
Mas quem chora por ela é mais louco que tudo. Porque é chorar por um pedaço de muita coisa junta.
É o mesmo que pegar areia na mão e chorar o estômago inteiro.

Lua, Lua, Luazinha,
O que ainda diriam de mim
o que diriam todos os homens de sobrecasa ...

eu que não choro
mas olho pra você e pego no giro da tristeza e não durmo nadinha?

O louco sou eu, mas também não ligo.
Nem vou ligar
Nem hoje, nem amanhã
Que Hoje e Amanhã são humanos
são mais das coisas loucas dos ponteiros
ponteiros invejosos invejando o sol
e esse sol
esse solzão
grande, bonachão e tudo mais
esse sim
esse é Amigo.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

As jovens no meio do universo- Rolando Vezzoni


Se alguém narrasse a vida, teria de ser muito cruel.
Uma bela mulher, já feita, elegante e com aqueles pares de pernas que te matam.
Uma menina-moça, já interessante e sexy a seu modo.
Mulher ainda que jovem, sem o belo emprego, esperando fim do aluguel e a prestação de seu muito belo carrinho, não dormiu mais que três horas em dois dias.
Desenhos muito bons, mas talvez não o bastante, será? Futuro e talentos escondidos na falta de qualquer coisa que fosse.
A nova entrevista de emprego foi um belo fiasco, já imaginava mamãe a vendo voltar pra casa por não ter conseguido manter o apê, olhinhos reprovando, a menopausa torna as pessoas muito más, sabe?
Terminou sua primeira grande história., tudo em páginas únicas e brilhantes, suadas.
A frustração é cansativa, noites em claro são cansativas, pais também, pessoas próximas do limite não tem lágrimas... Morre de medo e ódio dos olhares que julgam e ainda nem existem, perder é complicado.
Na mochila que leva nas suas costas tem seu mundo, o zíper só fecha até a metade, mas a caminhada é curta e lenta, não tem problema, ainda é moça, não dirige, não chora e não usa sapatos.
Usa saltos altos, vermelhos e poderosos, sujos de barro da vaga, tudo estraga e está estragando no mesmo compasso que sua autonomia, as mulheres de hoje são estressadas como os homens de antigamente.
Seu tênis batuca a calçada devagar, são duas ruas a se atravessar:
Uma de ida e uma de volta com um canteiro no meio.
Um amigo vai atravessar no sentido oposto, ela quer mostrar seu tudo, mas o medo é foda... Ele costuma pedir pra ver, mas como saber se o mundo gosta?
Acelera com pressa, dirige como anda: rápido e com charme, nas alturas dos calçados altos.
A noite é de verão, o chão sempre molhado da chuva de mais cedo.
Gosta de como o vapor acaricia suas canelas, ele vem e ela vai, um olá no canteiro no meio do universo.
Uma senhora na rua vira o volante e crava o solado pontiagudo no breque.
Os olhares são tudo para pessoas que o mundo ainda não conseguiu quebrar, isso explica o canteiro no meio do asfalto selvagem.
A velha, as velhas, depois de certa idade só morrem de velhice, mas o carro acelera.
Ele pede para ver sua arte, ela dá desculpas, prolongam o momento para sempre, está ventando e seus cabelos loiros balançam, quer mostrar, mas sem muita pressa, “está ruim mesmo”.
O pedal travado, o desvio desesperado, a velha só vai morrer de velhice, e o carro e a pista molhada entram no portal do acaso, ela chora com lágrimas negras de rímel, finalmente chegou ao seu limite, o medo faz isso.
A mochila está nas costas, o zíper quebrado, o rapaz lá e ela ali, no canteiro, entre duas pistas eternas, ele vai se despedindo sem ver nada, tem que ir embora, ninguém viu nada ainda.
Ela vê um jovem atravessando a rua de costas, dando adeus, o carro o iria engolir e não havia como mudar isso, está tudo escorregando e fora de controle sentido meio do mundo.
Espera no canteiro o fim do adeus, tudo bem, ainda acha tem todo o tempo.
O carro engole, e segue enquanto ela grita, a menina vira de costas e fecha os olhos.
O impacto vem desacelerado pela grama e a guia que estoura os eixos do carro sem seguro.
Folhas voando longe, um céu sem estrelas girando, reza a lenda que quando se voa é mais fácil de ver o mundo girando, tudo em câmera lenta num silêncio erótico.
Suas costas acomodam no para brisa como em uma almofada, pegando o formato das costas protegidas pela mochila que vai se esvaziando, enquanto a mulher quebra a perna pressionando o freio que se destrava calmamente com o balanço do destino.
Arte partindo, ossos fragmentando, homens morrendo, uma velha envelhecendo e o céu cinza descendo como um cobertor quente sobre duas sobreviventes, uma eternamente manca, outra eternamente saudosa.
Duas cabeças vão se deitando no cômodo espaço belamente reservado pelo destino, sobreviver cansa, quando o bombeiro chegar elas poderão ir embora, agora tanto faz.
Coisas, desejos e medos não protegem ninguém... A vida é um negócio complicado quando se está no centro do universo.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Das merdas, a menor- Rolando Vezzoni e Bruno Santana


-Meulámigo, tá osso esse tempinho em Sampa.
-Me diga selvagem do concreto, como anda a brincadeira por aí?
-Amplitude térmica de 120 graus.
-Ridículo issoaí!
-Isso porque não começou a chuva, aí é canoagem á pampa!
-Que puta esculhacho!
-E como é verão em Lins?
-Verão de deixar cabra bronco.
-Elabora a idéia companheiro dos confins!
-Complicado explicar, o céu por lá é mais pra baixo... Na metrópole é alto, cinza e empalado pelos prédios... No
interior tudo termina em pasto, o horizonte acaba no pasto.
-Como assim?
-Pronde cê olhe, tem pasto, é o fim.
-E o cheiro, é grama e porteira?
-Não, cheiro de merda.
-Por quê?
-Porque tem curtume e curtume fede pra caralho.
-Por aí é merda, por aqui é bosta...
-É pra cada um escolher o esterco que mais gosta.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

(sem título)- Bruno Santana


Nada espera na noite escura
das estrelas mudas
do céu da lua envergonhada.

Brilhando por nada
a lua calada
Detrás da nuvem
                       miúda
miúda e
apavorada.

Nada espera na noite escura
de gritos velhos
familiares.

A faca na orelha
o prato quebrado
o amor em fúria
paixão é guerra.

Nada espera na noite escura
além do verso
na rima fechada.

Calcule o poema
rime angústia
espere nada.

Mas nada chega
nada fala
aflige
nada.

Desisto da luta
Desisto do amor
Desisto da febre
Desisto do céu

Despeço do canto
Despeço da flor
Despeço da praça
Despeço do som

Mas o canto é a vida
que encantou a flor
assaltou a praça
quebrou o asfalto
berrou vitória:
"
a luta acabou
é tempo do amor
a febre é delírio
o céu derramou
"

Não
NÃO
Não em poemas assim

Despedaçados
Desgovernados
Desperdiçados.

Nada,

Nada espero.

Espero,

Des
espero.

domingo, 25 de novembro de 2012

O bom selvagem no fim da noite- Rolando Vezzoni

Se era fim de noite ou começo de dia, dependia apenas deles.
Olhar para cima queima os olhos, olhar para baixo é deprimente, olhar para frente é estupidez.
O selvagem andando na idade dourada, falando com a deusa.
“Mim querer banheiro e prosa livre, querer mulher e cheiro bom... querer ler conto curto que dura para sempre”
-É isso que você quer senhor gorila de tênis?
“Macaco não usa camiseta, só usa chapéu.”
-Por quê?
“Fazer reverência... Tirar chapéu e abrir cabeça.”
Saber falar é mínimo, saber escutar é doloroso e ninguém sabe cantar.
Alguns escrevem de olhos fechados.
-Como os primatas se ocupam?
“Macaco escova os dentes, escuta jazz e pede truco.”
-Nos dias úteis também?
“Não, fecham os olhos e... ”
-Rezam?
“Não. ”
Pensar a respeito é cansativo, ignorar é arbitrário e sobreviver é inevitável.
“Muita palavra. Pouco conteúdo. ”
A deusa ri, as deusas sempre riem.
Coça a cabeça e delibera, o bom selvagem sempre está deliberando antes da próxima soneca.
-Alguma ideia para nos despedirmos, antes de Prometeu trazer o fogo? Depois disso não tem volta.
“Então fazer semi-deus.”
-É tudo que você quer?
"Agora?"
-Sim
"É. "
Andar faz parte, correr cansa e ficar parado é o fim da linha.
Que venha Zeus e seus abutres!

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Aos vencedores as coxinhas- Rolando Vezzoni


  Resolvi ir comer alguma coisa, tinha acabado a coca-cola em casa então me senti pressionado a ir até a padaria.
  A padaria sempre foi meu lugar de comer preferido, é um lugar mágico que tem coisas de supermercado e sanduíches que você pode pegar e comer lá mesmo, na hora, sem as pessoas ficarem te olhando feio e conferindo se você vai levar o pacote até o caixa para pagar depois.
  Quando era mais novo tudo era mais fácil, podia abrir uma coca-cola enquanto colocava as coisas bacanas que eu queria no carrinho dos adultos, ninguém partia do pressuposto que eu queria economizar 80 centavos do refri, pensavam apenas que eu estava com sede.
  Sentei naquele único lugar no balcão da padoca que sempre está sujinho e lindo lá te esperando, algo semi-programado, em padarias sempre haverá um lugar sujo especialmente para você.
  Fiquei olhando para aquela cúpula de vidro onde ficam os salgados cujo objetivo antes era ser comido por ser gostoso, e hoje em dia é comido por ser gostoso e entupir artérias e veias... O bacana do mundo de hoje é que tudo faz um puta dum mal do caralho, então fica bem mais gostoso. O cigarro dá câncer, coca-cola dá gastrite, coxinha dá enfarto, batata doce dá gases e peixe cru vagabundo dá caganeira... Existe toda uma variedade de doenças que você pode escolher no cardápio, e o mundo também virou um cardápio gigante com a doce certeza que não faz tanta diferença assim.
  -Opa! Amigo! Manda um pão na chapa com sabor de ponte-safena?
  -Tá vindo já chefe! Com bastante risco de derrame?
  -Sim, por favor! E emenda uma coca-cola zero cancerígena?
  -Claro, quer gelo prá dor de garganta?
  -Sem dúvida!
  Sentou do meu lado um casal, uma moça magra com aspecto saudável, e o sujeito era bastante forte, daqueles que dão tiro de suplemento e tomam Oxiolite pra ir à balada.
  A mulher foi e pediu um iogurte com granola e frutas vermelhas e um suco de melancia e alguma outra coisa impronunciável. O namorado pediu um sanduíche de peito de peru no pão integral com queijo branco, sem passar na “chapa suja de banha”... Pessoas que sabem exatamente como será seu pedido são complicadas.
  Pessoas que estão “cortando o carbo”, “fazendo a dieta da melancia marciana” ou qualquer outra expressão semi-saudável que tenha chego antes da doença em si ou que tenha um efeito antioxidante  deveriam ser proibidas de ir em qualquer lugar com pessoas que realmente tem o ímpeto de se alimentar com alguma dignidade inútil, ou não, foda-se...
  O legal de falar “foda” é que cabe em um numero absurdo de lugares, existe o adjetivo “isso é foda”, existe o substantivo “aquela foda que se dá de manhãzinha”, locução verbal “a vida é uma foda-mal-dada” o verbo “fodeu” entre outros usos importantes dentro da língua portuguesa.
  Existem pessoas que costumam falar “foda-se” um numero incontável de vezes, geralmente com o intuito de se convencer que aquilo(o que quer que seja aquilo que for) não importa, afinal, se realmente não importasse, não mereceria um termo tão intenso.
  Chegou meu pedido.
  -Valeu chefe! Foi rápido hoje!- Juro por Zeus que não fui sarcástico. -Aproveita e me manda uma coxinha prá viagem?
  -Sem problemas meu amigo!
  Existem poucas pessoas mais amistosas que os caras que te servem no balcão, são parte de um sistema de camaradagem intrínseca.
  Comi meu orgástico suicídio em forma de lanche,  peguei minha cicuta pra viagem e fui andando pra uma banca ali perto.
  -Quero aquele maço ali.
  -Cinco contos.
  -Aqui tem dez, quanto tá o refri?
  -Dois e cinquenta.
  -Ok.
  -Aqui seu troco, quer que eu lave a latinha?
  -Por quê?
  -Ela pode estar suja, pode fazer mal.
  -Eu acabei de comprar um maço de cânceres, concorda que vai longe da coerência lavar a latinha que me parece limpa?
  -Tó... Problema é seu.
  Saí sorridente, sentei no banco e abri meu livro, tem pessoas que tem uma vida inteira pra masturbar a saúde até morrer, eu já tinha aquela tarde de mormaço e algumas horas livres.
  Drummond dizia que nascemos grávidos de morte, eu já havia ganhado do mundo todo lembrando isso, eu era um campeão da vida maçante... Eu sou um vencedor no hall dos homens com uma missão, o único problema é que já esqueci a minha missão a muito tempo... Bom, aos vencedores as coxinhas.

domingo, 18 de novembro de 2012

'Os surdos estilosos' - Rolando Vezzoni


Comprei tampão de ouvido.
É borracha, é pequeno e é amarelo,
um grande poder saber controlar o que se ouve...
Titio Stan lee me disse que é responsa, procede?

"que merda é essa no teu ouvido?"
É a máquina do silêncio!
O cara riu, botou seus fones e foi embora.
Não pegou o conceito:
Não escutar é fácil, difícil é não ouvir...
Trocar barulho por barulho é um ímpeto estúpido.

"A borracha amarela é ridícula!" pensei alto,
mas ninguém escutou...
Sou um surdo amarelo,
num mundo de surdos estilosos.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

It's fine babe - Daniél Moody


Had to pay a fee
For cutting of a tree
Once the fee was payd
I was saved
Because in jail
The guy wanted my tail
Now im free
Just like the tree

Olhos-de-sol ao leste- Rolando Vezzoni

As manhãs são incrivelmente matutinas...
O Sol nasce rindo da sua cara, os passarinhos cantam e sujam os carros, os jornais aparecem nas portas das casas e o caminhão de gás apita sonoro, sim, é manhãzinha em Sampa, hora dos mosquitos irem pra cama e pros ratos saírem dela.
Bom dia "eu"! Tirando ramelinhas, pra lembrar o mundo que não é cão vira-lata.
Escovar dentes e limpar ouvidos...
"será que escovo os dentes antes, ou depois do cafezinho?"
Costuma questionar coisas estúpidas antes das nove.
"adoro cotonete, cotonete dá barato", brilhante!
Agora já um pouco mais acordado e com sono, percebe a tal da fome e a falta de querer comer... Náusea pela náusea, pra assustar todos os Sartres.
"escovar dentes tira fome? Mas num é o café da manhã 'A' refeição?"
Descer escadas e procurar lembrar do algo que certamente está esquecendo lá em cima, lembrar, subir de volta, resolver, descer, amarrar o sapato e olhar para a janela.
"muita luz e pouca coragem, cadê os olhos-de-sol?"
O relógio chama, também quer um bom dia... desencana do mau-humor inevitável.
"fala seu relógio, qualé a boa?"
Deu um tapinha carinhoso nele, "pára amigão, já saquei que tenho de vazar"
O importante é aceitar a ideia, aceitar a ideia faz a coisa toda muito mais fácil.
Existem coisas que integram o quadro matutino quarta-feirense paulistano, como o cheiro inexplicavelmente melhor da cidade, ou o numero inexplicavelmente maior de pessoas de mau-humor em carrinhos em diversos tons entre branco imundo e preto cheio-de-terra., o tom surreal e muito bonito alaranjado brilhante que os gases venenosos nos proporcionam.
É a perfeita cruzada contemporânea, a jornada pós-moderna na cidade mais paçoquenta e barulhenta da  porção oeste sul-ameríndia.
Seu caminho é a leste, o Sol vem de lá e brinca de "retina cretina".
Sempre se convenceu que tem fotofobia, só de neurose tornou-se algo parecido com. Se configurou algo positivamente impossível perambular por aí sem óculos em lugares ABERTOS em plena luz do dia (sim, apenas abertos, sempre teve asco de pessoas que usam óculos escuros em lugar fechado para fazer pressão, para usar olhos-de-sol em lugares fechados tem de ser cego ou estar de ressaca.).
"ressaca pode porque ressaca é ressaca, e ressaca é foda"
A sinfonia das buzinas é imperativa, se misturou ligando o rádio.
"Booooooomdiaqueridoexpectador! Ares polares subiiiiindo a marginal!"
Rádio por aqui é assim, parece narração de jogo de futebol, dinamismo desnecessário até pra previsão do tempo.
"hoje é quaaaarta feira! 14 de novemboooorooooooaaa! Diaaa muuundial da DIABETEEEES!"
Desliga o rádio, ri alto, respira:
"Parabéns, parabéns diabetes! Parabéns pelo seu aniversário!"
Sempre acorda asqueroso, mas hoje tudo bem, tudo certo quando temos alguma data para celebrar.

sábado, 10 de novembro de 2012

Adeus, Sr. Conto- Rolando Vezzoni


Procurava começar uma história, mas não via bem por onde.
Havia ideias desconexas, cruzadas cruzando-se, inconclusivas e descontextualizadas.
Olha pra cima, baixo e lados, coça a cabeça e encara o cachorro, tecla cinco e volta seis.
Já ia “desescrevendo” mais que escrevendo, era uma máquina de “desescrever” e não existia quem tivesse tanto domínio da não-escrita como ele aquele dia.
Volta ao vale tudo da memória... Apelar prum texto da própria vida?
Que tal arrebatar o pileque? Bêbado bom não é o ultimo moicano, é o primeiro morto-vivo... Aquele que passeia entre os mortos nos sofás de casas desconhecidas, o primeiro a levantar e ir embora.
Desistiu, a carteira tinha muito espaço vazio e tinha que sentar e escrever, retornava ao arquivo cerebral, há de haver algo.
Contempla uma ideia, era a tentativa: Atentíssima e morena... Riso, muitos risos e non-scence, non-scence e muitos risos... boa ideia?
Claro que sim, mas não é bom colocar um ponto final nesse conto que não foi escrito... Precisa de mais duração, mais tentativa... é esperar vingar na vida pra virar história.
O tempo pelo tempo é o que desgasta um homem.
Outra já foi muito texto, e caos, belo acaso causal, dum ocaso literário que foi prum caso... Tem texto que abriga, e texto que dá briga...O ultimo trouxe boa fortuna, mais um seguido de tópico semelhante seria desperdiçar aventuras.
Teve também aquele que não virou, não foi e também não veio... A decepção é literária, mas quem escreve de fossa é o Cartola, e não apetece nem boné.
Talvez estivesse bebendo da fonte errada... Saudade da época que escrevia dor, e não sobre mulheres... A dor tinha pequeno charme, e fim em si mesma, tudo muito mais fácil.
Como faziam os grandes mestres? Tem de haver algo, pois não é de bloquinho e biblioteca que se faz um escritor, enquanto não descobre a folha prossegue ficando aquele algo meio muito simples, e absolutamente inválido.
Um desenhista, quando acorda enferrujado, rabisca círculos e padrões desconexos para soltar o traço... Começou a falar para soltar a língua e escrever para soltar o verbo.
Persistência é importante, o conto bate em sua testa, avisando que está pronto para ir.
Bom garoto! Mas por favor, na hora de sair de casa, cuidado... Tem gente que nem desgosta e  nem gosta, que  gosta mas não tanto, ou que desgosta muito pouco... Isso sempre dá mais ou menos na mesma apatia virulenta, cujo único objetivo é fazer perder tempo deliberadamente.

Faça amor ou ódio Sr. Conto, vá a lugares, mas prometa jamais perder tempo da vida de ninguém, seja belo ou seja potente... Uma história não pode ser perda de tempo, há de ser a troca de horas por anos de outras vidas, é uma torca injusta Sr. Conto.
Esse pretendia ser potente, tem que escolher se vai ser lírico, piada ou foguete.

E o tal do conto surgiu, cresceu, aprendeu a andar sozinho, como apenas os bons conseguem, e foi lá ganhar o mundo.
A cada página um novo fôlego, e o hábito de não fazer merda nenhuma a respeito de merda nenhuma. Ainda bem que os textos fazem tudo sozinhos, adeus Sr. Conto.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Em tempos de bichos escrotos(parte 3)- Rolando Vezzoni


Estava com a típica cara de desamparo que carregava há alguns dias, mas já ia se acostumando com o contexto, o problema agora era outro, havia seguido o brilhante conselho dado por seu "novo" amigo:
 Não contar sobre sua recente perda de memória para sua namorada do século passado... Mas como o destino tortura os justos de forma sempre sádica e divertida, repassava os resultados num bar, fim de tarde carioca.
-Ahahahahahahhahahahahahahah! neeeeeem fudendo!
-Cara, não ri, na moral...
Aparece um engraxate que simplesmente começa a “lustrar” seu chinelo de hospital.
-Ei! o que cê ta fazendo?
-Já foi tiu, começou pagou! – convicto o pentelhinho.
-O quê? essa merda é de pano!
-Num vai piorar!
Peralta se introduz no assunto:
-O pivete tá certo, esse seu chinelo ta ridículo...
-Eu nem sei por que eu to com esse chinelo, mas é o único calçado que eu tenho!- cansado demais para impedir o pivete- Como eu vim parar usando isso?
-É bom não lembrar cara, é bom não lembrar...
O engraxate emenda rindo:
-Paulistano é tudo maluco... Vem pro rio fazê cagada!
-Ninguém ta falando com você!- respira fundo- Melhor não saber?
-Tem a ver com seu pai “trinta quilos mais novo”, uma arma e um LP do Pink Floyd.
-É, eu não quero saber...- a desistência é o melhor caminho em determinadas situações... Seu tio era um sábio vagabundo, que devia estar tirando meleca do nariz naquele momento temporal... - ele me reconheceu?
-Cara, você num nasceu! Bom, enfim... Eu fiquei curioso com essa história com seu- em tom jocoso - "broto legal".
Ignorando o pentelhinho e o tom do Peralta conta o ocaso de seu desespero:
-A coisa é essa, eu tentei agir da forma mais natural possível, certo? Fui lá, dei uns beijinhos e tava tudo pronto pra ação... aí, quando eu fui verificar o subterrâneo ocorreu o problema...
-hum...
-Por alguns momentos eu havia me esquecido do contexto, mas eu acabei me lembrando quão recente era a playboy da Claudia Ohana e aí a porra ficou séria, lembrei da década, dos paradoxos e o cassete, aí me bateu um esgotamento e aí...
-Aí não subiu!- Rindo alto.
-A moça era ruim assim?- depois de deixar o chinelo completamente preto e borrachudo.
-Não cara, é gatíssima, ele é o problema!
-Cara, vai à merda!
-Meu... Você broxou com tipo, “menos vinte e cinco anos de idade”, deve ser algum tipo de recorde!
-É, paulistano broxa! Hahahaha! Cadê o dinheiro do serviço?
-Fica na sua, você é um pivete virgem, como pode saber que não ia broxar se estivesse no passado?
-Pirô? Eu fico duro vendo até novela do Globo! Fora que eu não sei o que tu tomô, mas essa conversa ta estranha pra caraio!
-Daqui alguns anos as novelas vão ser as primeiras punhetas do seu filho, de onde eu venho só tem putaria às nove na TV aberta.
Peralta cessa as risadas e olha sério, sinalizando que era para todos ficarem em silêncio, aí sussurra:
-Ei, os caras tão ali! Não da pra enrolar até a noite, vamos ter que ir embora.
-Que caras?
-Como você acha que a gente ta com tanta grana?- disse sério- ganhamos uma fortuna apostando em resultado de jogo de futebol, que claro que eu manjava... Quebramos o ganha pão dos caras, e agora eles acham que temos algum esquema e querem pegar agente!
-É deles que estamos fugindo então!
-Deles e da polícia... É que a gente meio que não existe ainda, e temos grana de aposta... Fora que todo mundo mamava no dinheiro das apostas... É foda cara!
-Então por que caralhos a gente foi ontem no pesqueiro perder tempo falando com aquele maluco do Serguei?
-Meu, ele comeu a Janis, eu tinha que falar com ele... Aqui ele ainda é comunicável.
-Mais ou menos...
O pivete que não estava entendendo o que estava acontecendo, porém estava bastante decidido a respeito do que faria:
-Não quero saber, ou eu vou junto contigo ou chamo os puliça e os nego maluco.
-Tá. Vem logo caralho, vai com sorridente aí, eu vou buscar a minha mina e as coisas no hotel... O mais rápido possível, não sei dizer que horas porque meu relógio ta uns trinta anos pra frente.
-Ei! Tio!
-que foi?
-broxa! Hahahahahhaha!

(continua)

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A Pasta Existencial - Bruno Santana

“Não entendo de filosofia."
“Como não entende? E todos aqueles livros da estante? Você lê ou apenas passa os olhos?”
“Não. Li todos. Mas não entendo de filosofia como deveria; não sei definir coisas com propriedade.”
“Poucos sabem e isso não é importante para você. Você cozinha: isso é importante.  Aliás, o que você colocou nesse molho!? Está divino!”
“Os tomates estavam frescos ... eu gostaria de entender melhor o mundo. Saber diferenciar o que é humano do que é natural ... quer vinho?”
“Por favor ... Quase tudo é humano e , também, natural. Este delicioso vinho é humano e natural. As uvas são naturais: crescem por maravilhas da botânica, mas a escolha das sementes, do lugar, do adubo; a forma de extrair o suco, fermentar, envelhecer ... isso tudo é humano.”
“Pensando assim, tudo é humano e natural.”
“Tudo é humano, mas nem tudo é natural.”
“Não entendi ...  me ajuda a lavar a louça?”
“Depois do trabalho. Já tá dando minha hora.”
“Tudo bem. Acabaram seus cigarros?”
“Me deixa ver ....”
“Não, ainda tenho dois. Pega o maço.”
“Valeu, quer o último?”
“Nem, pega pra você; não posso chegar com cheiro Marlboro no trabalho.”
“O.K.”
“Enfim, tudo é humano, pois você é humano. Seu mundo existe a partir de sua humanidade e ela é quem coloca o humano nas coisas.”
“Não sei se concordo.”
“Nem deveria, já disse que não penso direito de barriga cheia. Ainda mais com um macarrão desses. Um dia você me faz explodir de tanto comer.”
“É sempre a intenção.”
“Bom, estou de saída. Abre o portão, por favor.”
“Tá aberto. Pega a roupa na Dona Luzia quando voltar?”
“Busco em troca de mais macarrão.”
“Combinado.”
“Até então.”

domingo, 4 de novembro de 2012

E algo há de acontecer- Rolando Vezzoni

  Eu tava voltando d'algum cinema dia desses, fui sozinho e até queria ter ido acompanhado mas a preguiça falou mais alto.
  Meu pulso coçava por baixo do relógio, e era uma coceira maldita...
  O ponto de ônibus era gigante, a Paulista era gigante, e creio que em absoluto a coisa toda era imensa, eu estava tão imerso em meu micro-mundo que ignorei toda a ideia sobre o tamanho das coisas por alguns momentos.
  Será que a noção de meu tamanho miserável no meio da fumaça cósmica aumenta meu tamanho? Se tenho noção que sou mínimo e entendo o macro, posso ser gigante também. O céu é o limite pros homens bons, o átomo pros homens brilhantes, e a mente é meu limite, não pretendo sair muito dela.
  Deixei de lado o meu espaço expandido quando senti um cheiro bom, era tão bom que destoava do ambiente cor de mercúrio metropolitano, era sutil e sublime, até engraçado se destacar tanto no meio da fumaça quase sólida dali.
  A dona do perfume era uma menina magrela e bastante charmosa, que ia além da minha competência saber a idade (até onde sei poderia estar entre os 15 e os 25 anos).
  Nunca fui bom com questões temporais... também nunca usei relógio mesmo, até me perguntava a razão de estar usando um aquele dia. E era esse o motivo de tanta coceira... Talvez eu tenha alergia ao tempo e por isso não saiba que sessão de cinema que eu assisti, a idade da menina cheirosa e também a razão de eu ter tido preguiça de ligar pra alguém pra ir comigo... Sou filho da preguiça do Mário de Andrade: "Aaaaaiiii que preguiça!".
  Olhei pra ela, ela escutava musica e olhava pra frente, sua figura não me era estranha, mas não ia tentar lembrar naquele momento de onde poderia caralhos conhecer-la por eu estar demasiadamente ocupado tentando chutar que musica ela escutava.
  Acabei desistindo depois de rir alto imaginando algo como mamonas assassinas, por algum motivo que me foge a razão, então comecei esperar alguma coisa acontecer.
  Esperar algo acontecer é uma tarefa que demanda bastante criatividade e descontração, poucas pessoas conseguem esperar qualquer coisa acontecer com competência, acabam indo rápido pros clichês de comédia romântica norte-americana.
 Primeiro imaginei o que aconteceria de eu desse um susto nela:
 -UAAAHH!
 -AHH!
 -olá, muito prazer!
 -Você tem algum problema?!
 Depois especulei o que aconteceria se uma merda de pombo caísse nela, ou se aparacesse um mendigo tocando bongô e sugerisse que nos casássemos, ou então ela começasse a fazer um strip em plena paulista, entre outras situações insólitas e imbecis.
  Mas o que aconteceu foi chegar meu ônibus, que por acaso era o mesmo dela. Nós entramos e ela sentou no fundo, e eu quase no fundo, perto o suficiente pra dar pausas contemplativas na leitura do meu quadrinho do homem-aranha para olhar pra ela, mas longe o suficiente para não me destacar como o stalker mais vagabundo do século vinte e um.
  O fato de termos entrado no mesmo ônibus era alguma coisa, e eu estava esperando alguma coisa acontecer... Talvez menos interessante que minhas ideias originais, mas certamente alguma coisa.
  O interessante de pessoas como eu, é que sempre esperamos muito por algo acontecer, para que quando aconteça, possamos não fazer absolutamente nada a esse respeito... Não sei ao certo explicar isso, mas creio que é uma mistura covardia com vagabundice, provavelmente dois terços de vagabundice e um de covardia pra contextualizar.
  Contemplei a janela enquanto teorizava minhas razões de ser, mas São Paulo não te permite teorizar nada olhando para a janela, pois sempre tem algo surreal acontecendo, uma perola selvagem nas calçadas e ruas imperativas, como, no caso, um cadeirante pegando rabeira no para-choque traseiro dum caminhão de lixo que andava, acredito eu, a uns cinquenta quilômetros por hora.
  As terras paulistas deixaram de fazer sentido a algum tempo, o clima flutua, aleijados pegam rabeiras e pombas cagam em fichários... Ainda bem que sempre tem alguns sujeitos perturbados com ímpeto suficiente para anotar esse tipo de coisa.
  Escritores são ladrões de realidade, pegamos ela, rasgamos e costuramos ao nosso modo: Ela está lá, prontinha pra ser mastigada, cuspida e depois levar título e assinatura.
  Dei uma risada abobada, que me presenteou com o olhar dela, mandei um olhar desconcertado e ela respondeu com um sorriso de vergonha salpicada de empatia.
  O ônibus parou, e saímos na mesma parada, ela era quase minha vizinha.
  Como diriam os Titãs: "O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído".
  -Ei!- disse meio baqueado pelas estatísticas probabilísticas cósmicas universais surreais mínimas óbvias e assustadoras (haha!)
  -Oi?- confusa.
  -Viemos dum ponto a outro no mesmo busão!
  -É... eu sei - sorridente.
  -Somos quase vizinhos, e "viajamos" pela metrópole maldita juntos... Acho justo perguntar seu nome!
  -Sim, é justo.- simpática- bastante justo.
  Oh! Zeus... Ainda bem que as pombas não cagaram nos fichários esse dia! 

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Um Poema Karamazoviano - Bruno Santana


a mágica absurda do escuro
o brilho dentrífico
a pele translúcida
o riso de escárnio

o Gato passa correndo.

a aura não está adequada
o sentido está perturbado
a roupa está rasgada
o sangue está sombrio

o Gato volta.

o sangue é forte
a decisão é sombria
a escolha é firme
a noite é companheira

o Gato espreita.

o olho torto
o bigode
a encruzilhada
a angústia

o Gato contabiliza.

o pilão
a pistola
o hábito
a cruz

o Gato pára.

Golpe
Espasmo
Tombo
Riso

Riso
Riso
Riso
Riso

o Gato delira:

" o pai,
o pai,
o pai,
o próprio pai!

o pai do sangue morreu!

Dmitri não é assassino
Aliócha é o parricida! "

" Quem diria Aliócha!
O que diria seu Stárietz !? "

firma Behemoth e
enrola o bigode.

acende
e passa ao novo herói:

o Primeiro Cigarro Ateu.

Ivan está em júbilo
Dmitri está em liberdade



O demônio está desesperado.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

A vista é melhor lá do alto- Rolando Vezzoni

-Sonhei que era aleijado...
Podia sentir até a espinha rachada...
Dorme?
  Ela ainda dormia,
foi de ladinho pra dar bom dia.
  Tremeu e bocejou:
 “que horas são?”.
-tanto faz, o mundo já acabou...
-Faz tempo? Puxa, eu até já sabia...
o que fazer agora que o mundo acabou?
  Brinca. depois o ventilador.
  Dedos correm pelos cabelos, então um fio comprido cai devagar no lençol amassado.
-Talvez seja erro, babaquice:
como acabar um mundo com o ventilador ligado?
-Sobrou latinha do lado da cama, umas duas...
  Sorriu abobado, ela pesca a cerveja quente.
-Quando acabar o mundo, quero cerveja gelada.
-Dorme cheiroso, acorda suado e reclamando.
-sempre assim?
-sempre.
-Talvez seja erro, babaquice:
como acabar um mundo levando cerveja gelada?
-Você não volta... Tenho pena.
-é tudo cena minha... Juro que to quase aqui...
-promete?
-Não, quando deus morreu levou o super-homem junto.
  Derruba um pouco da latinha, molhando o lençol.
-li que pra aprender a voar, é só errar o chão... Coisa de Douglas Adams.
-Depois de voar o mundo pode acabar... Vai ficar tudo bem,
Sabe? Voou.
Riu baixo, linda e confusa. Daí replica:
-e o que fazer até lá?
-ficar na cama, tomando cerveja quente... Pelados, de preferência... Quando o mundo ta acabando, ele fica muito quente... Calor maldito.
-gosto de você suado e reclamando... Mas tenho de ir.
-Pode ir... a vista é melhor lá do alto.
  Abriu a janela devagarzinho, olhando toda calma e foi embora: saiu nua, costas lindas... E foi voando
-Tudo pronto para o fim do mundo.
  Riu.

"pop" da garrafa num dia saudável- Rolando Vezzoni e Bruno Santana

Lá no bar, sempre no bar...

- Cara, eu tava trocando ideia com uma amiga minha outro dia, que faz medicina e tá encarando uma crise foda!
- Contaí!
- A coisa é que ela simplesmente não se conforma com a ideia de que pão vira banha, banha queima no corpo e vira energia ... mandaí o isqueiro garotão!- Lançou por cima da mesa molhada, estava bastante sol, o que o fez se ofuscar fazendo a máquina do fogo parar na dobra da camiseta.
- Pode crer, a coisa toda é bem mágica... manja essa breja? Ela é uma porra dum líquido, formado por grãos e fungos, ela vai pro teu cérebro e te deixa feliz, vai pro teu bucho e vira açúcar que vira energia!
- Fora que te faz mijar pra caralho e desidratar! É sensacional!
- É. .. falando nisso, uma mina me falou que agente não sai daqui: “ Meeeu, voceis ficão no bar bebendo e falando de livro o tempo todo, vai fazer alguma coisa saudável!”
- HAhahahaha...cof!- relaxou - mas ela meio que pode estar certa... bem que agente podia fazer alguma coisa saudável... falam que até é importante pra viver bem e essa coisa toda.
- Podemos combinar de jogar tênis nos finais de semana... O Woody fazia isso. Os caras do Pink Floyd jogavam squash.
- E eu jogava tênis. Talvez ainda tenha raquete, mas... na real, prefiro tomar umas; fim de semana é pra isso.
- Sem dúvida; isso é foda. Mas pense numa coisa: "Garotas com vestidinhos de tenista". Várias Sharapovas, se é que você me entende...- disse gesticulando peitos - Mais uma chefe!
“ Tá a caminho ”
- Isso é verdade, por aqui é comum jogar tênis... é masturbação burguesa. A burguesia daqui vive disso.
- Sim, de onde venho é a mesma merda! -Chega a garrafa loura suando, “pop” “tinck” “clack”, percussão etílica clássica de todo barman.
- A gente pode andar com os cachorros!
-Pode crer! O meu é um puta imã de mulher!- pára e dá a talagada- Ele fica lá com o olhar debiloide  e ela vem: “ Aaaaiiii! Que lindo! Como é seu nome!? Hem!? Ta passianu tá?” -*burp*, é um bom plano! Colar na praça, ver umas MILFS correndo... nada mal...
- É! É só andar um pouco, aí a gente senta, acende um cigarro... já levamos um caderno e vemos se dá pra escrever qualquer coisa!
- Boooa! Eu levo um cooler com umas brejas pra irmos bebericando... aí a gente dá aquele time bom, curte o sol da tarde!
- Tudo em nome da saúde, certo? Vida saudável é questão de sobrevivência! - bate as cinzas numa poça da mesa e as observa navegando até cair na cadeira vazia.
- Sim!- pega o maço de cigarros na mesa- Cê tá certo!- acende- Já to me sentindo mais saudável !
- É! Sair dessa vida de bar pra variar um pouco!
- Certeza! Tem quem vive sobrevivendo...- boceja- e quem sobrevive vivendo!
- Cara! Falando nisso... já leu a “ Idade da razão”?
- Ooooopa, claro! O Sartre é picudo! Ainda mais naquela hora da faca do Boris que o Mathieu...
- Ahh cara, pra mim o Sartre só escreve tão bem porque a porra do país dele é frio e vinho não dá pra beber todo dia. Vinho dá uma ressaca filha da puta. Se fosse bom de beber breja ele só escreveria sacanagem.
-Cara, ele era um famoso pinguço! Acho que ele escrevia tão bem por que não tomava banho... pelo menos é o que a lenda diz!
- Faz sentido. – falou enquanto sacolejava a cerveja vazia – Essa aqui acabou. Outra!?- Claro.“ Chefia, manda mais uma, mas manda gelada heim!? ”

domingo, 28 de outubro de 2012

Rocha peixe, barco bode -Rolando Vezzoni


    Morava numa casa no meio do nada. Casa concreta, substantivo concreto, concretada ao solo e concretizada como algo... certamente um casa. Já o nada é um tanto mais complicado pelo fato de ser alguma coisa, e qualquer nada que seja alguma coisa pode deixar a explicação toda mais atrapalhada.
    O nada consistia numa espécie de movimento rotativo que anoitecia e amanhecia irritantemente todas as manhãs e entardeceres, a pintura era azul, com eventuais borrões brancos, o que tornava todo o nada algo minimamente dinâmico.
     E essa casa abraçada pelo nada era um tanto comum, aliás, de estranho só a assinatura "barco", sim, "barco" era como se chamava, havia uma placa na frente da casa apontado-a dessa forma. Por que? Bom, talvez porque ela quer navegar, Fernandinho dizia que navegar é preciso.
    Naquela terra qualquer chão é estrada, e convenientemente, tem chão pra todo o lado dali, só pra lembrar que estar na estrada é inevitável, e onde tem estrada, tem caminho... e se todo caminho vai pra Roma, justíssimo trombar em trombas de transeuntes eventuais.
    A coisa é que a casa concreta pretende coisas, o que é um caminho abstrato para uma casa comum pensar a respeito, em razão de que a principio as casas não pensam, elas estão lá, pessoas vem, passam e vão e voltam... mas não ficam, casas tem espaço guardado, mas não correm atras, são concretadas, seria como pedir para um cego olhar aquela bunda, pro surdo escutar aquele som e pro aleijado levantar pruma grávida sentar no lugar dele no busão...
    E sempre foi boa com despedidas como havia de ser, e tudo ia na marcha lenta irritante de amanheceres e boas noites, até um dia que choveu, não dava para saber exatamente se a chuva partia do chão ou do céu, eram cordões gigantes e transparentes, aparentemente molhados... e assim foi por algum tempo, mas não sabe-se quanto tempo, pois o relógio morreu afogado, e se fosse para estimar, soaria por demais bíblico, mas pode ser dito que o suficiente para a casa perceber que não era e jamais seria um barco, o barco boiaria e sairia dali.
   Mas o nada todo virou alguma coisa, e como havia de ser, a casa estava submersa nessa alguma coisa...
Não navegaria, Fernandinho se enganara, um barco boia... agora, um submarino? um submarino afunda, e o destino faz da rocha um peixe e do barco um bode.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

(sem título)- Caroline Bellangero


você disse que viria qualquer dia desses. disse que chegaria aqui em casa metendo o pé na porta e me pedindo para ficar, que ia me segurar pelos joelhos e eu não teria como sair dali. você olharia bem dentro da minha cara e eu ficaria assustada.

depois disso teria festa, toda a gente aqui em casa e tudo de ruim indo para longe. você desfilaria comigo e seu corpo só aquietaria no meu.

teria ligação no meio da noite com a voz amansada pela madrugada, você disse. eu teria que fazer esforço para te escutar, de tão baixo que você falava, e não escutaria nada além da sua presença.

fiquei esperando você me arrastar pelo cabelo e dizer que me amava. eu te arranharia inteiro. o rosto, o corpo, tudo. sangraria um pouco e eu lamberia. você ia gritar, porque não sabia mais o que fazer. jogado ali na sala, dentro de mim, segurando-me pelo cabelo, cheio de sangue.

você diria mais uma vez que me amava antes de ir embora.

e toda a vez que a porta fechasse atrás das suas costas, eu choraria. porque nada faria sentido fora de nós.

mas você voltava, voltava com banda tocando na minha janela e uma garrafa quase vazia de baixo do braço. eu pegaria a garrafa e você me chamaria para dançar.

nós dançaríamos a noite toda e eu não sentiria mais nenhuma dor.

qualquer dia desses, você disse.

metendo o pé na porta, você disse.

falando que me ama e me pedindo para ficar.

Em tempos de bichos escrotos (parte 2)- Rolando Vezzoni


Jazia prostrado enquanto o Peralta pescava, pulava, ria, bebia e falava com um grupo de desconhecidos animados, rompeu a ausência de pensamentos concretos que durava mais de duas horas inferindo: “Peralta é um bom apelido”
Estava extremamente quente, e o peixeiro era potencialmente o lugar mais fedido que já havia encontrado pela frente, tinham umas sete pessoas quase tão mal vestidas quanto ele, que estava com chinelos de hospital, calça Levis e descabelado, seus óculos escuros tinham as lentes tão sujas que até tornava o ambiente mais interessante... Talvez mais aceitável.
Repentinamente:
-Porra garotão! Olha só quem ta aqui! O Serguei!-Disse Peralta muito peralta.
-Que Serguei?
-Aquele maluco! O que comeu a Janis Joplin!
-Que apareceu no Jô daqui uns 17 anos?
-é! Bacana né?
Respira fundo, limpa o nariz e torna o olhar.
-Não! Não é bacana porra nenhuma! Como eu vim parar em 1989? Como foram meus últimos meses? E me explica, por favor, a razão de estarmos fugindo pela porra do país?! É o que isso?
-Pô, sei lá, vai ver voltar no tempo fudeu seu cérebro!
Depois de se encolher e roncar um pouco em desespero acende um cigarro e olha com profundo desespero para seu amigo que esbanjava um sorriso constante.
Diz:
- O desespero oscila, mas não passa...
Peralta olha confuso, depois boceja e coça a cabeça olhando para cima:
-então, a coisa toda é meio idiota... Foi um problema burocrático, aparentemente, o fato de não existirmos ainda, implica que somos ilegais por aqui...
-mas... Não importa muito... Pelo menos isso não é tão perigoso...
-ahhhhh... Então, tem outro problema. Foi mais ou menos assim: Eu sou fã de futebol e pá, então chegamos a conclusão que apostar em jogos que sabemos o resultado era uma boa, manja? Até aí tudo certo... Que nem naquele filme da banheira, manja? Mas o pessoal do bar ficou puto... Aí falaram com o PM que ajudava os caras, e tipo... Agora pensam que agente assaltou o bar lá... Aliás, não “assaltamos”, pois não teve violência, mas que “roubamos”... é mais ou menos isso...
-Quanto?
-uns 130 mil pau a dois meses, agora nem manjo quanto sobrou...
-e a super inflação?
-é dólar...
-isso é um problema...
-é nada, “tâmo” com uma grana da porra, temos uma fêmea que “existe” pra ajudar agente... e os anos 80 são bacanas!
-Não é bacana! Não é! É tipo o limbo, é uma década que já existe AIDS e não existe micro-shorts, o Brasil ta todo quebrado e agente ainda não nasceu, sê tem alguma idéia do tamanho da cagada que é isso? Hem?! E se agente romper a continuo espaço tempo, o que quer que seja isso? Ou sumir, ou alterar o futuro de forma estúpida?
-ei! Duas coisas cara! Duas coisas! Um, para de gritar assim, se num to ligado que é bom evitar parecer completamente louco num pesqueiro público?
Nosso herói não fala nada, apenas ri baixo e olha pro chão esperando o “dois”.
-E dois... O combinado é partir do pressuposto que tudo meio que já aconteceu e que no passado nós fomos existentes antes da nossa existência e por isso ta tudo certo e vai tudo se encaixar...
-quê?
-Ignorar e ver o que rola...
-ah.
-“eeeeeeeeeeuuuuuu ssoooooooooooou  piiiiiiiiscicodélicooo!!!”-interrompe Serguei.
Já estava começando a aceitar tudo aquilo, tenta engajar uma conversa.
-Opa, beleza?
-éééééé!
-Prazer conhecer... Você não é aquele cantor?
-Eu comi a Janis Joplin.
-Ah, sim...

 (continua)

terça-feira, 16 de outubro de 2012

"Antropofodia"- Rolando Vezzoni

Foi enviado buscar os cigarros prá galera,
que tomava cerveja alemã...
Juntou 20 pilas de intera,
Tabaco brazuca pro pileque estrangeiro.
Chegou numa banca "terra brasilis"
-Olá! me vê um Marlboro?
-15 reau...
-15!? é feito de ouro?
-é importado.
-então me vê aquele maço azulado!
-15 reau...
-Porque?!
-é importado...
-então o mais barato por favor!
-é 15 reau!
-importado?
-a banca é chique!
-mas o nacional é melhor...
-tem trouxa que compra mais caro e pior!
-...
-tá, manda o mais forte pro tonto...
-aí é 20 reau!
-vô de 15 "reau"
-troco em bala?
-até mais ver-te!
-té minino!

"Tupi or not Tupi? that is the question" Oswald de Andrade

domingo, 14 de outubro de 2012

Em tempos de bichos escrotos (parte 1)- Rolando Vezzoni


   Era a quarta vez que o telefone roncava no criado mudo, e a quarta vez que o sono impedia-o de atender.
   “Atende aí porra!” disse uma voz doce abafada por um travesseiro, o que o deixou bastante feliz, é adorável acordar com uma voz dessas ao seu lado.
   “Uahhh!!!” Acordou e espreguiçou-se e olhou a sua volta tranquilamente por alguns segundos, só o suficiente até perceber que nunca havia estado naquele quarto antes, que não fazia idéia de que era tudo aquilo envolta dele e nem quem era a dona daquele conjunto maravilhoso de quadris, bunda, costa e coxa de voz doce e cara afundada no travesseiro ao seu lado.
   Levantou interrogativo e foi ao banheiro daquela suíte, no banheiro havia uma escova de dentes rosa e um verde, inferiu que a verde deveria ser a sua, junto com todas coisas que pareciam suas e estavam no banheiro.
   Fechou a porta em silêncio, estava completamente pelado, e de meias, enquanto urinava ficou pensando no que era pior, se era o fato de não fazer idéia do que estava acontecendo ou o fato de ele ter trepado de meia.
   “Eeeeiii! Eu sei que se num curte atender o telefone de manhã... mas é a quinta vez que ta tocando, deve ser o Peralta que ta te ligando, atende o cara antes que ele tenha um chilique!” mas uma vez lhe fala a voz doce, mostrando bastante intimidade... Como ela poderia saber que ele não gostava de atender o telefone, ou pior, que era o Peralta?
   Chacoalhou bem rápido, entrou e começou a procurar o celular que estava tocando, bastante constrangido, mas sem intenção nenhuma de escutar reclamações da musa sem rosto.
    “Alô!?” era um telefone ridículo, azul calcinha de discar rodando, daqueles que vendem em feiras cafonas de antiguidade “opa! To passando ai no hotel, desce logo cara, eu tive uma idéia brilhante! Se tem cigarro?” a voz era 100% estranha, mas devido a todo aquele contexto sentiu que era melhor seguir o fluxo do que acontecia até se situar melhor “ok, ok, mas eu não tenho cigarro não! Ta frio aí fora?” pergunta clássica de um bom paulistano “frio?! Hahahaha! Ooopa! Nevando! Hahahaha! Eu vou comprar uns maços, já vai se arrumando aí seu porra!” “mas...” o tal do Peralta desligou.
    “Que merda ta acontecendo aqui?” pensou, olhou o relógio era meio-dia, pegou o jornal do dia anterior que tava no chão do quarto... Era quarta feira de... “quê?” “não é possível” tornou o olhar pro celular “novembro” respirou fundo e riu alto “como assim novembro, isso ta errado, um porre de sexta feira de setembro e eu venho parar numa quarta feira de novembro?” ,”aliás, 20 de novembro” “mais de dois meses?” “ow, peraí, esse jornal tem mais de 20 anos!”
     Procurou algum cigarro no cômodo, e achou um pela metade num cinzeiro, acendeu, achou uma calça e um par de óculos escuros... Nenhuma camiseta. Só tinha umas cinco camisas de linho azul claro e de manga curta que ele nunca usaria na vida dele, se não num contexto como esse, no qual ele tinha que descer bem rápido pra encontrar o Peralta.
Se vestiu e calçou um chinelo de hospital que achou ali, e descabelado e com a barba por fazer desceu o lobby daquele hotel meio nojento que estava.
     “Ei! Patrão! bom dia! O senhor derrubou a carteira na escada ontem, ainda bem que eu encontrei!”.
    “ahh! Muito obrigado!” disse conferindo o conteúdo “ que notas são essas?” olhou pra cima e respirou fundo “Cruzeiros? Cruzados? Que porra é essa? Que porra é essa? Tem uns dólares aqui!? Que porra?!”
    Mais um momento surreal, o carioca que chamou ele de patrão parecia lhe conhecer bem, a quanto tempo estaria naquele lugar, alias, onde era aquele lugar?
Na porta era tudo meio normal, mas era um bairro que ele não conhecia “que calor do caralho!” inferiu.
    Uma buzina irritante de fusca cortou a harmonia, e lá de dentro desse fusca conversível e amarelo aparece um sujeito de cara simpática e sorridente, um negão magrelo de camisa dos titãs que parecia ter pulado diretamente dos anos 80, tinha ratos e baratas estampados, do álbum “bichos escrotos”, ridícula, porém era a melhor vestimenta para alguém aparecer nesse contexto insólito e confuso.
    “Peralta!?” chamou “Bacana a camisa” disse tentando parecer natural.
    “Hahahaha, Você sempre fala isso! Então big boy, entrai!”
    Esse sujeito era conhecido dele sim, trabalhava no mesmo lugar que ele, mas não lembrava ter conversado nenhuma vez.
    Entrou no fusca, tocava um jaz cafona, o Negão lhe estendeu o cigarro e disse:
    “Bom, já ta tarde, mas a galera já ta esperando agente no pesqueiro! Comprei umas varas vagabundas e é nui!”
    “Beleza... esse jazz combina com toda a atmosfera daqui, falaí?” Disse tentando descobrir onde estava.
    “Pena que é nosso ultimo dia aqui no Rio, amanhã vamos pra alguma cidade do interior, antes que achem agente!”
    “quê?!”


Continua...

sábado, 13 de outubro de 2012

naquela manhã: o gozo.- Caroline Bellangero


seu corpo contraíndo-se contra o meu e na minha cabeça tudo era toque. mão, língua, boca. e seus olhos. os meus fugindo de tudo que eu ignorava com força, os seus presentes, ali, cobrando uma resistência que nunca existiu.

uma. duas. três.

quis a quarta, a quinta e todas as outras.

quis você, todas as vezes.

e tive.

naquela manhã, a boca com gosto de café. você me acordando no chão, jogada entre cobertas e as coisas de ontem. a vontade jorrando e eu em você. você em mim. o gelado do piso e o quente da boca que acordava de uma noite que insistia em não virar dia.

quis meu corpo dentro do seu, e tive.

quis seu corpo dentro do meu, e tive.

quis você, todas as vezes.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Os olhos de Lúcia - Bruno Santana


Não sei se lúcido é de Lúcio
ou se Lúcia é a mais lúcida
mas os olhos da menina
são cor de explosão estelar.

Constelações nascendo
espalharam os espectros
do céu de chumbo
da alma de Lúcia.

Caminham em azul
para escorrer em amarelo
pingando gotas de vermelho
rastejando no laranja translúcido.

Os olhos de Lúcia!
A maré dos olhos de Lúcia
lúcidos olhos
lúcidos olhos derramados

derramados em mim.

A calma da menina louca
de razão esquizofrênica
de mundo fantástico
de Alice obstinada
de chapeleiro apaixonado
de gato risonho

Lúcia!
Que belos olhos menina!
Menina, posso ver seus olhos?
O azul e o amarelo me comovem Lúcia!
Menina, posso ver seus olhos?

Mais um pouco do azul!
                         Lúcia ...

Lúcia
Lúcia

escureceu

Lúcia.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

(sem título)- Rolando Vezzoni


e então garotão, que me diz?
-seus personagens são vagabundos natos!

Personagem meu é preguicento,
Filho de Macunaíma.
Boêmio e simbolista perfeito...
homem de coisa alguma.

Amante da tarde de sol e da noite.
do bar, do boteco ou qualquer casa de Baco.
Baco é muito clássico, então casa de cevada maltada e fermentada.

E ele também é delas, baixas médias ou altas...
Gosta de cócegas, pescocinho e coxas...
Acordar e ver costas desnudas e mamilos peraltas,
sorrisinho pra manhã gloriosa que começa lá pras onze horas.

 E é por isso meu amigo... que o senhor está certo!


terça-feira, 9 de outubro de 2012

Sujeito-ponteiro e garoto-futuro- Rolando Vezzoni

Estava dormindo, não propriamente dormindo, mas quase lá. O banco da praça era confortável, era de tarde, o sol estava vermelho e o resto todo em tom pastel, agradabilíssimo. Era um daqueles momentos caricatos, tão confortáveis que vinham com trilha sonora, as quatro estações do Vivaldi ululavam em sua mente.
Um grito histérico quebrou tudo:
-Acorda aí garotão, existem "miliquinhentas" coisas para se fazer!
-hum? sim, entre elas cochilar...- disse fechando os olhos.
-Vamos, tenho pressa, tempo é dinheiro, dinheiro é tempo e eu não tenho nunca nenhum dos dois!
-Qual o seu problema? Tá com síndrome de Carrol? É cosplay de coelho?
-Não! é bem diferente, a menina seguia o coelho e o coelho seguia o ponteiro, eram outros tempos!
Não se deu ao trabalho de perguntar, apenas levantou o a sobrancelha interrogativo.
-Não entendeu? eu explico meu querido! mas de forma rápida e objetiva, exclamativa e corrida! Meu querido amigo, hoje em dia quando não se corre atrás do relógio, o relógio corre atrás de você!
-Do que você ta falando?
-Vem logo! - disse sorridente e alucinado o sujeito-ponteiro puxando-o - Vamos correndo que eu te faço entender, e farei de forma pragmática para otimizar o processo!
Começou a correr confuso e esperando a explicação, queria entender tudo aquilo, mas o ritmo frenético estava tornando tudo muito mais complicado.
-É bom correr, correr é saudável e ser saudável o faz durar mais, e ter mais energia para produzir muito mais em um período menor de tempo, e durando mais vai poder trabalhar muito mais tempo para aproveitar a velhice!
-Que? Do que você ta falando? Não vejo tranquilidade alguma nisso.
-Hahahahaha! Não to falando de tranquilidade! Se quer tranquilidade vá plantar cenouras ou fazer artesanato com senhoras viúvas!- Disse em tom jocoso, mas não muito jocoso por estar correndo e falando, o que tornava quase impossível utilizar qualquer tipo de entonação significativa para qualquer fim.- E que ritmo é esse? está sem ritmo! mais ritmo, frequência e estabilidade.
-"Calmaí"! Calma! Do que que você ta falando?
-Inconsciência ou morte meu querido! inconsciência ou morte! As novas máximas meu querido! O máximo que se pode fazer é ler o jornal, mas leia por cima e escolha seu time! manchete, manchete e escândalo, "tcha-rã"! Pronto sinta-se engajado, isso agora calce seus tênis de couro e reclame dos gados poluentes! Hahahahaha! Está acompanhando? hem? hem?
-eu... to... cansado..!- Disse ofegante e suado.
-Deus ajuda quem cedo madruga! é meu querido! Você acha que o Eike acorda 11 horas? talvez, eu já não sei isso!
-Onde... Estamos? eu... nunca... vim pra cá...
-Respira! Respira e olha pra frente, tanto faz onde estamos, o importante é para onde estamos indo! corrida e cabresto meu querido! corrida e cabresto!
-Que?! Mais devagar cara!
-Ei! Quem foi para o segundo turno? De que partido ele era? Quais suas promessas? Não sabe, não é mesmo? hahahaha! Você e seu momento, você e seu passado! Hoje é mais importante saber que está no segundo turno do que quem é o Ghandi, não sabia? Hem meu querido? Churchill já morreu, napoleão e césar e suseranos e vassalos, já foram as barricadas e o resto todo! Está acompanhando?
-Não!- puxa todo o ar que consegue ainda correndo, gotejando de suor- Não to com tempo pra pensar nisso! Tenho que respirar, descansar, sei lá!
-É isso! Você meu amigo, é jovem, e os jovens não existem agora, não sabia? os jovens são o FUTURO! nunca escutou isso meu querido?
-Eu não aguento mais!- disse parando aos poucos- vou sentar aqui, descansar e aproveitar a tarde!- Se conseguisse ignorar o sangue fervendo correndo, a fadiga física e mental.
-Hahahah, muito interessante meu querido, mas a tarde já passou faz tempo!
Olhou a sua volta.
-Tenho que continuar, meu querido! O tempo não para, não é mesmo?! hahahah! adeus!
E era noite, nada mais era vermelho e estava silencioso, só queria dormir, estava muito cansado para Vivaldi, muito cansando para qualquer coisa, e não tinha tarde nenhuma para se lembrar e havia acabado de entender, de forma pragmática e objetiva, o que o sujeito-ponteiro queria dizer.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A balada de Nicky e Tina - Bruno Santana


Seis da manhã
Seis da manhã e o filho da puta ainda não dormiu
Seis da manhã e seis balas estão aqui
Seis balas esperando
Seis balas tatuadas
Seis balas registradas.

Um maníaco
Um louco semi-deus
Um louco semi-deus me olhando de lá
Idiota
Panaca
Otário
O ateísmo elimina Deuses
e mete bala nas outras metades

Enfiar flecha em calcanhar é poético
Enviar balas é concreto.

Seis balas
Seis balas
Seis balas
Seis balas
Seis balas
Seis balas
O tambor está cheio
O tambor está girando
gira
gira
giroscópico
gira com endereço certo.

Não queria nada
Uma cerveja
Duas cervejas
Um cigarro
Meu cigarro
MEUS cigarros
Com meus cigarros ninguém mexe
Nos meus cigarros ninguém mexe.

Mulher bonita
Menina triste
Mendigo do semáforo
Monge asceta em crise de fé

Ninguém
Ninguém
Nos meus cigarros ninguém

Quem paga a merda sou eu
Quem separa as seis balas sou eu
Quem prepara o tambor sou eu
Quem encheu o tambor fui eu
O tambor está cheio

Seis balas
Seis balas
Seis balas
O tambor está cheio
O tambor está cheio
O tambor está cheio
e a matemática é correta
seis chances em seis
seis chances em seis
seis chances em seis
e o tambor resolverá todos os problemas.

O lustre é para isso
O trabalho de sábado à tarde é para isso
Trabalho para tambor cheio.

Não queria
Não faria
Todos tem seus motivos
Um cigarro é um motivo
Um cigarro é um motivo de seis minutos
Um cigarro são seis minutos de motivos
Seis minutos de motivos
Resolvidos em seis balas
Seis balas caligrafadas
Seis balas identificadas
Seis balas Tomahawks.

Não estava certo
Nunca tive razão
Mas é o meu cigarro
Mas é o meu isqueiro.
É o meu espaço
É o meu mundo
E no meu mundo são seis balas.
Cinco
Se algum afeto aparecer
Cinco
Se quiser colocar a sorte com você
Cinco
Se acordei e não precisei de café
Cinco
Para quem tem a matemática como protetora.

Uma
Duas
Três
Quatro
Cinco
Seis

Compre o seu cigarro.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Virgem de Asfalto - Bruno Santana


A pele do dedo descascando
a mulher de lá foi quem tirou
no delírio de rodoviária
na noite que escorria

pingando
latejando
sangrando

na rua de asfalto.

Na sujeira do banheiro público
da prefeitura do correio do bar
da correria
de uma pasta cheia de folhas

sujas
rasgadas
codificadas

na rua de asfalto.

Em um campo de jogos orientais
de velhos misteriosos
que encaram no caminho
da casa pra escola

bebendo
fumando
envelhecendo

na rua de asfalto.

Em delírio, encontrei a mulher de lá
de olhos misteriosos e oblíquos
piores que uma citação à Capitu:
olhos de víbora e fêmea facínora

violenta
ciumenta
inviolável

na rua de asfalto.

Ó! Céus do oriente!
perfumes sabores e temperos
e têmporas e tempos tão distantes,
trouxeste a mulher em teu seio.

Ó! Mãe de toda a terra!
Mãe de toda a natureza!
força embrionária.
Pais paz países
e de todo meu braço
esfolado
descascado
latejante

na rua de asfalto.

Ó! Virgem de sangue!
Ó! Virgem de asfalto!
dê a força
traga o peso
empurre

rache
rache
rache

a rua de asfalto.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Colhões de volta ao lar- Rolando Vezzoni

Ele e ela estavam sentados, era festa e barulho com pessoas correndo, pulando e rindo, havia também um sujeito dormindo enfiado na lareira, e uma garota vomitando pra fora do terraço, o cenário era plural, insano, esfumaçado e convidativo de forma assustadora .. bom, ele pensava assim, ela já queria acreditar que aquilo tudo era muito confortável... as mulheres de verdade não tem medo, não de coisas assim, e também não esquecem nada, ficam carregando a coisa toda para sempre, suportando de forma orgulhosa e perfumada, ela era assim... ele não, ele era um homem, e os homens são mais fracos, mas um de verdade é um fraco com capacidade de se jogar e se fuder deliberadamente, não participa das coisas, observa e interage, convive e segura todas as cicatrizes que puder para algum dia ficar calejado o suficiente e conseguir  alcançar uma dignidade inútil.
Acendendo seu cigarro cerimoniosamente olha para ela e ri de lado, sempre soube que ela tinha aquele sorriso, mas não parava pra pensar sobre isso a alguns anos, não lembrava bem, pois aceitava a noção de oportunidade perdida e de seguir em frente, "tudo isso fazia parte de tudo aquilo", pensou, e por mais arbitrária que seja essa definição, cabia perfeitamente no contexto cerebral mesclado de medo, tesão e porre, bastante porre.
-Puts... porre!- exclama sem perceber que a moça não havia seguido sua linha de raciocínio e não fazia ideia do que ele estava pensando.
-hum? do que você ta falando?- disse rindo animadamente- hahaha, você sempre ficou no seu mundo, pirado! hahah- depois encerra encostando a testa no peito dele ainda feliz.
É assim que funcionam as coisas funcionais, não importa o tempo e o contexto e o caralho.
-Ei, faz alguns anos que agente não se vê, fiquei feliz de ter vindo hoje- disse, e matou a cerveja.
-Siim! agente não saia dês daquela festa que seu amigo vomitou no seu pé!- sua voz sempre carregava algum entusiasmo natural, mas não intenso o suficiente pra chatear ou agradar profundamente.
-É, o sujeito atrapalhou a porra toda, agora que já faz anos nem tem problema falar...- tranquilamente dando uma tragada antes de continuar- você manja o que eu to falando...
Hesitando um pouco despreparada replica:
-Não consegui deixar claro que gostava de você, era novinha... até me arrependo um pouco.- sorri- Mas no final é sempre assim, e ninguém contava com aquele gorfo! hahahaha
-hahahaha! E seu namorado é um cara bacana... mas é bom lembrar dessas coisas...
-E eu nem sabia que você também queria, no final eu achei que você tinha desencanado ou que não queria nada, sabe?
-Ei! Relaxa, não deu tempo de estragar, sempre poderemos pensar sobre como poderia ter sido, a vida é assim- Falava a verdade, depois de destruir alguns relacionamentos e galinhar por todas as noites havia sacado que a ideia de que algumas coisas, que não aconteceram, poderiam ter funcionado, dava-lhe esperanças de que ainda viriam coisas boas, uma noção de felicidade paralela que serve de corrimão.- hum, o que me diz dessa garrafa lacrada a nossa frente?
-Atraente!
-Eu considero um objetivo a ser alcançado!
-Um brinde ao que poderia ter sido e não foi!
-Um brinde!
Coisas completamente distantes e relevantes devem ser tratadas com algo precioso, digno de um brinde e algumas risadas, ele era fraco, e por ser fraco tinha colhões o suficiente para se tornar um bom amigo sem arrependimentos.
Um brinde e um black-out, ela foi dormir com o namorado momentos depois, muito embora nunca venha a esquecer de nada daquilo, pois era uma mulher de verdade. Já ele acordou num sofá estranho, depois entre dois colchões estranhos, como dia anterior que havia acordado num carro cheio de amigos bêbados dormindo com a cabeça pra fora da janela, com um homem de verdade as coisas estalam, acontecem, um homem real não pretende a mulher do outro.... acorda e lembra, e caminha pra casa cansado, cambaleando e coçando as novas cicatrizes carregadas de esperança, enrolando um cigarro que encontrou rasgado na mesa da casa estranha... sempre rumo ao lar!
Chegar ao lar é lembrar disso, deitar na cama solitária e se lembrar que ficar sozinho é bravura pura, e pessoas excessivamente fortes não entendem a força de um passo.