quinta-feira, 29 de novembro de 2012

As jovens no meio do universo- Rolando Vezzoni


Se alguém narrasse a vida, teria de ser muito cruel.
Uma bela mulher, já feita, elegante e com aqueles pares de pernas que te matam.
Uma menina-moça, já interessante e sexy a seu modo.
Mulher ainda que jovem, sem o belo emprego, esperando fim do aluguel e a prestação de seu muito belo carrinho, não dormiu mais que três horas em dois dias.
Desenhos muito bons, mas talvez não o bastante, será? Futuro e talentos escondidos na falta de qualquer coisa que fosse.
A nova entrevista de emprego foi um belo fiasco, já imaginava mamãe a vendo voltar pra casa por não ter conseguido manter o apê, olhinhos reprovando, a menopausa torna as pessoas muito más, sabe?
Terminou sua primeira grande história., tudo em páginas únicas e brilhantes, suadas.
A frustração é cansativa, noites em claro são cansativas, pais também, pessoas próximas do limite não tem lágrimas... Morre de medo e ódio dos olhares que julgam e ainda nem existem, perder é complicado.
Na mochila que leva nas suas costas tem seu mundo, o zíper só fecha até a metade, mas a caminhada é curta e lenta, não tem problema, ainda é moça, não dirige, não chora e não usa sapatos.
Usa saltos altos, vermelhos e poderosos, sujos de barro da vaga, tudo estraga e está estragando no mesmo compasso que sua autonomia, as mulheres de hoje são estressadas como os homens de antigamente.
Seu tênis batuca a calçada devagar, são duas ruas a se atravessar:
Uma de ida e uma de volta com um canteiro no meio.
Um amigo vai atravessar no sentido oposto, ela quer mostrar seu tudo, mas o medo é foda... Ele costuma pedir pra ver, mas como saber se o mundo gosta?
Acelera com pressa, dirige como anda: rápido e com charme, nas alturas dos calçados altos.
A noite é de verão, o chão sempre molhado da chuva de mais cedo.
Gosta de como o vapor acaricia suas canelas, ele vem e ela vai, um olá no canteiro no meio do universo.
Uma senhora na rua vira o volante e crava o solado pontiagudo no breque.
Os olhares são tudo para pessoas que o mundo ainda não conseguiu quebrar, isso explica o canteiro no meio do asfalto selvagem.
A velha, as velhas, depois de certa idade só morrem de velhice, mas o carro acelera.
Ele pede para ver sua arte, ela dá desculpas, prolongam o momento para sempre, está ventando e seus cabelos loiros balançam, quer mostrar, mas sem muita pressa, “está ruim mesmo”.
O pedal travado, o desvio desesperado, a velha só vai morrer de velhice, e o carro e a pista molhada entram no portal do acaso, ela chora com lágrimas negras de rímel, finalmente chegou ao seu limite, o medo faz isso.
A mochila está nas costas, o zíper quebrado, o rapaz lá e ela ali, no canteiro, entre duas pistas eternas, ele vai se despedindo sem ver nada, tem que ir embora, ninguém viu nada ainda.
Ela vê um jovem atravessando a rua de costas, dando adeus, o carro o iria engolir e não havia como mudar isso, está tudo escorregando e fora de controle sentido meio do mundo.
Espera no canteiro o fim do adeus, tudo bem, ainda acha tem todo o tempo.
O carro engole, e segue enquanto ela grita, a menina vira de costas e fecha os olhos.
O impacto vem desacelerado pela grama e a guia que estoura os eixos do carro sem seguro.
Folhas voando longe, um céu sem estrelas girando, reza a lenda que quando se voa é mais fácil de ver o mundo girando, tudo em câmera lenta num silêncio erótico.
Suas costas acomodam no para brisa como em uma almofada, pegando o formato das costas protegidas pela mochila que vai se esvaziando, enquanto a mulher quebra a perna pressionando o freio que se destrava calmamente com o balanço do destino.
Arte partindo, ossos fragmentando, homens morrendo, uma velha envelhecendo e o céu cinza descendo como um cobertor quente sobre duas sobreviventes, uma eternamente manca, outra eternamente saudosa.
Duas cabeças vão se deitando no cômodo espaço belamente reservado pelo destino, sobreviver cansa, quando o bombeiro chegar elas poderão ir embora, agora tanto faz.
Coisas, desejos e medos não protegem ninguém... A vida é um negócio complicado quando se está no centro do universo.

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