domingo, 12 de dezembro de 2010

A sina dos poetas- Rolando Vezzoni

“Queria ser burro, assim não sofria tanto” Raul Seixas.
Lá na época de Sebastião, um dos grandes símbolos de liderança medíocre e de estupidez.
No enterro de Camões, um dos seres mais humanos jamais vistos, Pessoa, que estava passeando pela história, olha chateado para o poeta caolho jazido no caixão agora exposto como frango de padaria para os futuros intelectuais e outros animais, quando Quiroga afirma sarcástico:
-Atacam quem reclama do desconcerto do mundo, mas aquele de olhar atento, deve ficar no mínimo desconcertado, com os supostos homens que neste planeta apodrecem...
-Me desculpe, mas você está muito certo...- respondeu Pessoa dando uma talagada na garrafinha de absinto que escondia em seu paletó.
Horácio Quiroga voltou para seu século, já estava chegando o dia de seu suicídio, e não poderia chegar atrasado, quanto ao Pessoa, já não importava, pois havia mais uma centena de nomes, para procurarem enquanto estivesse ausente, então resolveu ir para um boteco da esquina tomar um hidromel, para acalmar-lhe o cérebro.
Chegando lá encontrou um sujeito maltrapilho que ''peidava poesia por cada furo de seu corpo'', dormindo na mesa do fundo com um galão de vinho barato em sua mesa.
-Olá, posso tomar um trago dessa garrafa? A propósito, muito prazer, meu nome é Fernando Pessoa!
-Você parece menos babaca que os outros filhos da puta que estão aqui, pode tomar, meu nome é Bukowski, Charles Bukowski... Você não é aquele gênio que escrevia uns troços e bebia demais?
-Achei que esse era você.
-Somos todos nós, “(...)escrever é como uma doença, uma droga, uma forte compulsão, mas não me agrada pensar em mim como escritor. (...)Talvez escrever seja apenas uma forma de lamento, alguns simplesmente se lamentam melhor que os outros.”*
-Nosso problema é simplesmente que somos humanos demais, pensamos demais, e sentimos demais, por isso nos matamos, enchemos a cara, e nos marginalizamos... As pessoas são estúpidas e torturam os homens com sua estupidez, não somos assim, por isso sofremos.
-E vale a pena?
-”tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Apenas uma evolução foi ininterrupta?- Rolando Vezzoni

     Eles jamais haviam pensado que em algum ponto de suas vidas, estariam tão iguais e estáticos, e talvez, se olhassem mais atentamente seus espelhos, perceberiam também que outros que já um dia foram tanto diferentes por maturidade, se aproximaram como que em uma onda forte de ''psicose camaleônica retrocessiva'', culminando para uma solução praticamente monofásica, que tende a tornar os conviventes cada vez mais nivelados, sem divergências consideráveis ou importantes no todo.
     Sem um alguém que lhes lembrassem do quão irrelevantes se sentiam, eram, continuariam a ser, de onde iniciou-se a caminhada ou pior, onde esta caminhada terminaria, sem esse alguém lhes atrapalhando no processo de esquecimento condicionado, perdiam mais e mais esses tão repudiados pensamentos, o que lhes permitiu uma lógica mais confortável, que para um ser humano mais saudável pareceria um tanto quanto estúpida, e assim com o tempo aprenderam a conviver com esse cume de inconsciência e conforto social.
      Com o tempo passando porém, era de todo inevitável que esses formidáveis ratos cegos deixassem de tatear o mundo e as coisas da mesma forma e maneira, ainda, por mais que tentassem, as velhas e estáticas lógicas de existência iam se mostrando falhas em aspectos importantes para um ressonante mais qualificado e com um interesse destacado por razões ainda não explicadas.
     O indivíduo agora mais crítico e preparado inicia com procuras pessoais um triste processo, que começa já com, a principio leves marginalizações, ridicularizações e descaracterizações sistemáticas talvez inconscientes dos residentes de seu meio de convívio, e quando uma vez iniciado o processo é de improvável regresso, e já logo percebe-se que é quase certo o conflito no caminho futuro desse agora aventureiro desbravador de si próprio.
     Esse processo leva o indivíduo para uma dolorosa metamorfose digna de Kafka, tão trágica e ao mesmo tão satírica quanto um burro senador de Nero, que provido de falso poder e perceptível vantagem aos demais, sente a dor e o peso da exclusão e do medo, aos poucos percebendo-se um eterno alienígena social preso a suas divagações e opiniões dolorosamente divergentes das de tantos outros, e por mais que possivelmente irrelevantes lhe causam incômodos semelhantes aos de uma carapuça apertada que a muito deixou de servi-lo e passou apenas a apertar-lhe constantemente as têmporas com o provável intuito de impedi-lo de ser algo mais.
    O agora observado processo, quase transmutado numa síndrome (o que seria, se não tão trágica e de possível controle), que já a principio dilacera o portador. Seus membros aos poucos se tornam mais rijos e doloridos, seu crânio pressiona seu cérebro e seus olhos crescem ao compasso em que sua coluna torna-se dolorida, seu sorriso inexpressivo e sua voz rouca, a forma física muda, quanto mais mudada, mais sóbria e dominada pela verdade que vai tomando-o como um câncer se espalhando por cada centímetro da breve limitação do animal, que cada dia mais sente seus órgãos vitais extrapolarem os limites da pele, deformando-o em algo novo, bem menos harmonioso e ainda mais indigno de carinho ou afeto, essa criatura que se forma grotesca a cada momento mais questionada e solitária passa a entender as minuciosidades da existência inexplorada que agora dispõem, um tanto quanto distante do mundo antes conhecido, que agora nota-se mais extenso e cruel.
    Esse reforma homérica, atualmente se comportando mundialmente como atemporal, sem estopim específico em idade alguma, sem de fato momento para se iniciar, sem garantia de sua participação na vida de muitos indivíduos e de incerto fim foi se completando na pobre aberração, que ia pouco a pouco se tornando o monstro que tanto lhe parecia distante a pouco, e que se orgulha de haver-se tornado, um adulto.

O Mal.-Eric Leadbeater

O mal, não existe.

Mas domina o mundo.

Domina através da “Ignorância sábia”.

Da falta de pensamento e consciência

Da falta de pensar na vida, filosofar, refletir.

De dar valor ao que somos, e de onde viemos.

Dominados pelo materialismo, esquecemos de tudo.

E vamos navegando, na vasta ignorância, que nos domina.

Domina, emburrece, e simplifica.

Até não sabermos mais nada, quem somos? O que somos?

Aos poderosos da hora, interessa o nosso desinteresse.

Interessa pensarmos pouco, materialistas, no carro novo, no carnet, entorpecidos na escravidão ao crédito.

Não interessa que saibamos, as conseqüências, as intensões, A VERDADE.

SÓ LHES INTERESSA A VERSÃO, a deles.

Triste ignorância.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

o nada- Eric Leadbeater

Ignorância e prepotencia.
Todos sabem todos falam, mas nada dizem e nada compreendem.
Soberba e empáfia, camuflam a treva.
Prejudicam e ferem, egoístas cegos.
Afundam, na lama da falta de consciência.
Cegueira voluntária, falta de tempo.
Estou ocupado, acabando com o mundo.
Estou ocupado, em meu infinito egoísmo.
Me drogando, com falta de visão.
Me separando, da essência.
Matando, a humildade.
Acido ecossistema, dissolvendo a virtude.
Destinado ao mais pobre fim.
O nada.

vértebras torcidas- Rolando Vezzoni

                       V    É              Dentro de uma descomposta coluna,
                                   R             vertida de juntas vértebras cobrindo a medula.
                       I               T           Há tempo torturando-se, sem humanidade alguma
                C         D            E        vértebras vivendo torcidas em lágrimas distorcidas,
            R         S  A            B        esgoelando-se todas em mágoas de fato parecidas,
          O                          R      sendo estas frágeis e carentes como plumas decadentes.
               T          S    A       Assim estão esses ossos ocos, duros e cativantes.
       Somos belos e jus de pena, dizemo-nos homens, mas sempre em egoísta solidão,
       cometendo fratricídios imersos nas águas frias de nossa alma, enquanto engolimos
       inconscientemente o sangue que pinta a faca que assassinou mais outro irmão.
       Isso que somos, vértebras tortas, e nada além disso por hora seremos.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

aposta - Giovanna Palermo

Escreveu-se inverno com f,
e o sol piscou sem nenhuma
num por perto, afirmando
que já sabia que o rumo
daquelas patas era certo:
sair daqui.

-- Você é homem Felizardo?

O Mundo Por Meus Olhos de Criança. - Nathalie Motte

É engraçado como mantenho vivos em minha memória alguns acontecimentos da minha infância. Não que se lembrar de coisas que já aconteceram seja propriamente engraçado. A real ‘graça’ está nos fatos em si; em como meus negros e pequeninos olhos realmente enxergavam o que estava acontecendo. Resumindo: minha visão de mundo. Confesso que muitas vezes ainda me pego dando risada da inocência que fazia parte de meu cotidiano! Um flash claro ilustra bem o que quero dizer. Tinha aulas de natação junto com outras crianças de minha idade, na ‘mini-piscina’; meu sonho era nadar na ‘piscina grande’. Não via a hora de finalmente conseguir todo esse glamour. Não era de meu conhecimento na época, mas o teste para isso se tornasse realidade era muito simples: minha altura teria que ser maior que a mesa (um tanto quanto alta) da recepção do local. Um dia, (sem saber) fui chamada para ser medida. Lembro-me que, apesar de não saber o que estava ocorrendo, estiquei-me o máximo possível, do dedão do pé, até minha touca, que deixava escapar alguns fiozinhos rebeldes de cabelo. E, por mais que tenha me esforçado, de nada adiantou. A cruel mesa me vencera. Bom, e foi aí que minha astúcia juvenil entrou em ação. Ao invés de me sentir triste ou frustrada, simplesmente sugeri: ‘Ah, mas é só cortar o pé da mesa!’ e todos caíram na risada. Sem entender o porquê daquele alvoroço todo, apenas acompanhei as risadas, uma vez que os grandes que eu tanto admirava eram eles. Como foi bom esse tempo, em que tudo era tão fácil como cortar os pés da mesa! É claro que passados alguns poucos meses, como toda criança de minha idade, cresci e passei a nadar na piscina que era lar de quem eu admirava.
Conforme os anos foram passando, percebi que por mais que alguns momentos não fossem durar para sempre, eu tinha algo especial para reviver esses momentos! Algo tão mágico, tão bonito, que era até difícil acreditar que era real. Aquele ‘presente divino’ era nada mais, nada menos, que minha memória! Creio que crianças não entendam direito o que memória seja, uma vez que para elas, os dias são todos iguais (menos o aniversário, que podíamos comer quantos brigadeiros quiséssemos, e ainda ganhávamos presentes).
Agora, sei que as minhas concentram-se em um lugar bem especial. Lugar onde vivi momentos reais, momentos de alegria, frustrações, risadas e algumas vezes até mesmo de tristeza. Lugar que me ajudou a crescer, pessoas que me ajudaram a construir pensamentos, a eu ser mais ‘eu’; minha escola. Os momentos mais bem guardados são os das brincadeiras com minhas amigas, das correrias loucas e acirradas que aconteciam no pátio, promessas que juramos que iriam durar para sempre (mesmo que ainda não entendêssemos que o pra sempre não fosse existir) e laços que muitas vezes duram até hoje!
Eu sei que muitos não vêem a hora de sair da escola, de começar a dirigir, de não depender mais de ninguém. Mas a verdade, por mais que me doa um pouco admitir, é que vou sentir saudades. Saudades dos amigos, dos professores que pegavam no meu pé, dos recreios, e das notas (que muitas vezes eram baixas), de ter que estudar muito. Saudade de ser obrigada a acordar cedo, e de só ir para aquele bendito lugar para ver os amigos, e fazer bagunça! De crescer perto de quem você aprendeu a amar, e de perceber que, gradativamente, está se tornando uma pessoa melhor.
Hoje sei -que para a minha sorte- enquanto escrevo esse texto, e para o resto de minha vida, sempre que quiser posso reviver todos esses bons momentos que passaram. E agora, a única coisa que me falta, é agradecer a todos que fizeram parte deles.

domingo, 14 de novembro de 2010

destino mais que deprimente- Rolando Vezzoni

Na lateral de minha mão:

Tem os restos dum grafite,
usado e esmagado por minha mente,
para meu muito bem, felizmente,
embora nem meu ego mesmo acredite,
jamais usado totalmente inutilmente,
posto o que está posto em minha frente,
é a foto mais recente
de minha criatividade inconstante,
que de tantas outras formas já se viste,
algo como este regurgitar de realidade inexistente,
esse que retratado, agora não mais pendente,
no topo de minha mesa suja do grafite
outro desenho que terá um destino mais que deprimente:

Morrer no fundo de minha gaveta, junto do esquecimento e da escuridão.

comunidade no orkut

http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=108269591
para o blog progredir crescendo!

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

bosta nova, para um brasil que ninguem nunca viu antes em tão mascarada desgraça- Francisco Knulp

novas musicas, para um novo brasil.

(mágoas de março!)

nem pau, nem perdra,nem se vê o fim do caminho,
é um corpo morto, apodrecendo sozinho,
é um caos de mundinho, ja secando a vida sem dó,
logo tarde da noite perdido no meio do lixo e do pó.
...
(uma noite em itapuã!)

um velho povo definhando,
enquanto as crianças são obrigadas a vadiar,
com uma dor que não tem tamanho...
e muita poluição no ar!
...
(as garotas que não são de ipanema!)

olha que gente mais linda,
nessa velha desgraça,
desde a pobre menina
que vem e que passa,
nessa pobre esperança de quando a vida passar..!
...

nada como um pouco de poesia para lavar a alma do novo brasileiro!!!

sábado, 9 de outubro de 2010

um bicho ford...- Francisco Knulp.

Um macaco numa maquina de escrever, coçando a cabeça e gritando, chega um sujeito com uma atadura e bate no macaco, e começa a ler tudo que está escrito no papel. segue o "racio-símio"


"o seu Ford pode ser da cor que você quiser, mas só se ele for preto.", assim dizia mamãe, sendo possível essa mãe ser também um presidente,um rei, um mártir...
"conheça-te a ti mesmo", só se conhece a partir de suas raízes, procure-as, ainda que venha descobri-las podres, fétidas e tristes...
"a vida é bela"(?) será mesmo?

pobres macacos...

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

as flores secas- Roberto Torrance

um relógio constante e cruel, uma escuridão óbvia, homens mulheres meninos e meninas rodeando na imensidão desse corredor finito, que se inicia colorido e agora está pálido, de resto, o corredor é desconhecido, tem uma lâmpada pendente rodando devagar, e nesse trecho existe no centro um algo com que de bizarro, próximo de um fantasma, ou de um exemplo, não se sabe ao certo, este algo recita com voz firme, hora de voz chorosa um poema:

das flores tenho olhos apenas para espinhos,
e desse tão belo nada que já tanto foi vivido
és agora o muito vagar morrendo sozinho,
e junto com muitos aqueles que vem,
as vezes até por um tanto admirar
projetando o fantasma que querem amar,
que com rasas esperanças acabem por secar.
nunca mais verdes das flores secas e cantais das flores tristes, agora que esse monstro percebeu que em algo se tornou, e em outro algo se figurou.
http://mlksabbath.blogspot.com/

domingo, 26 de setembro de 2010

fisiodesculturismo- Rolando Vezzoni

se há o certo, é o equilíbrio.

vê-se já todo o tal corpo,
físico, valorizado, supervalorizado.
agora esse tão relevante é paradoxalmente irrelevante,
pelo tanto que desacreditado, desvalorizado pelo outro extremo é.
ainda porque, de todo belo preconceituoso, tem um não belo insultuoso,
levado a crer que o extremo pesado do ponto é o burro, tonto, e cegado portanto é,
além de tudo que se possa entender, de extremos muito pouco se lê e se eleva, tudo balanceado.

pesa-se errado, irreleva-se o preconceituoso e o invejoso, o fisioculturista tanto quanto o fisiodesculturista.

sábado, 25 de setembro de 2010

a vida é uma merda que devemos perfumar da melhor maneira possível- Rolando Vezzoni

nobre o homem procura ser,
no meio do tampo do raso,
por cegueira ele enxerga ,
o que tanto houve de haver.
mesmo tanto porque,
ainda que não houvesse esse todo e tal porque.

infeliz sempre vê-se,
e esta paz que se deseja,
já não apenas distante como impossível,
ainda pela moral almeja-se,
pois homem esse ainda garoto, não escolheu, encolheu.

nunca serás invisível e não só por pura aversão do não visto,
nem tampouco apenas por um suposto escárnio desse.
não tens o nulo com aptidão.

nem procura a felicidade,
sendo essa a tal da estupidez,
tenha como certo e como claro,
que o feliz é ao menos um pouco levado a não ver,
e não penses que ver é puramente pontual, é de todo intelectual.

domingo, 19 de setembro de 2010

... - Lígia Fernandes

E mesmo que não estivesse sóbrio,
que arrotasse informações indevidas,
continuava na garganta aquele nó górdio.


Passaram-se vidas e velórios...
E fora tanto tempo corrido...
Falava de tudo.
Menos o que lhe era devido.
Luto.


Ela ainda espera
- pobre,
o que não dissera
aquele homem de porre.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

pro debaixo do meu tapete... - Lígia Fernandes

Preguiça, falta de vontade e qualidade; porém movida a dinheiro. Não é um trabalho sujo o da moça diarista; sujo é o estado que fica meu apartamento. Digo, superficialmente, tudo parece muito organizado. No entanto, basta olhar entre as frestas, debaixo dos tapetes. Tudo, toda a realidade, a maior nojeira embaixo do meu tapete.
Pego uma vassoura e uma pá, mas os filhos da mãe voltam no próximo dia e, ainda por cima, parece que se reproduzem em escala bestial! E a moça não se importa, na verdade, nem me ouve. Tapada. Ignorante. Alienada.
Enquanto finjo supervisionar seu trabalho, tomo um café olhando através da janela. A situação pede um cigarro. Acendo-o. Criaturas de ternos e semelhantes, andando e chutando e pisando em garrafas, copos e sacolas. Hora ou outra chutavam as criaturas jogadas e dormindo nas calçadas.
Aquilo tudo parecia tão normal... Ninguém se importando; é uma cidade escondida debaixo de um tapete gigante.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

eu, desistente- Roberto Torrance.

o homem passivo olha as coisas e pensa:
a placa, o poste e a grama ficam me olhando me atrapalhando...
a grama me faz coçar o pé, me irrita coçar o pé, odeio ficar com coceira, me irrita, e ela me olha de baixo pedindo piedade, "não pise em mim", CARALHO!!! como eu não pisaria em você, você fica me cercando cretina! o poste fica na minha frente, fica parado e inofensivo, olho a minha frente e lá está ele... mas claro, ele não vale a pena, ja tentou conversar com um poste? postes não falam nada! o pior de todos os intempéries citados é a placa, óbvia, te olhando de cima, mandando em você "pare""estacione", só faltava um "pare seu anão idiota", mas dar-me ordens não a faz menos rasa e chata!
o homem continua passivo, quieto, pensando "não aguento mais!", dizendo para si mesmo repetidamente:
"tudo que eu quero é deitar no chão, no meio da rua ou da calçada, relaxar todos os meus músculos segundo após segundo e assim ficar junto da terra, abaixo de tudo e esquecido" e continuo assim no mantra que me ajudou esquecer que sou humano, afinal, quem quer ser humano?

relógio quebrado- Giovana Vilela

Duas e meia da tarde. Sol escaldante. Olho a hora no relógio da avenida, o meu de pulso quebrou mais uma vez. No centro da cidade, outro ônibus passa, mas não é o que eu preciso. Há tempos estou sem o bendito relógio, que fez o favor de caducar que nem eu. O coitado está pior que os cabelos brancos na minha cabeça. De que adiantou trabalhar suado para comprar um relógio de trezentos paus se ele já deu pau umas três vezes?

Com a perna um pouco manca, desisto dos ônibus e resolvo ir a pé. É melhor evitá-los, de qualquer forma. Meus sapatos estão bem gastos, e caminho devagar, por causa do sol da tarde, pelos doze quarteirões que separam a minha casa da relojoaria.

Chego lá e sou recebido por uma fila imensa, cheia de pessoas impacientes e suadas como eu. Pego a senha e vou me sentar na cadeira da fila, por sorte um rapaz acabara de sair daquele lugar. Uma garota de uns dezesseis anos olha para mim da outra ponta da sala de espera com uma cara de “meu deus, quê isso?”. Será que eu estou tão velho assim? Algumas rugas do tempo na pele ressecada... Impossíveis de esconder. E olhos miúdos com rachaduras nas bordas de tanto enfrentar o sol no antigo trabalho de carteiro, sim. Mas com a saúde de um jovem da idade daquela garota! Ta, nem tanto.

Horas se passaram desde a minha chegada e eu só quero estar de volta a minha casa, habitada única e exclusivamente por mim, há mais de quinze anos. O relógio só me traz problema, mas eu não posso simplesmente comprar outro. Ele estava comigo quando conheci minha segunda esposa, casei e tive dois filhos. E ouviu meu pranto quando os perdi no acidente de ônibus. Fui um dos únicos sobreviventes. No meio dos escombros, o relógio também sobreviveu, resgatando entre os ponteiros das horas e minutos a lembrança dos meus entes queridos.

A atendente já me conhecia e o problema do relógio era o mesmo. Em quinze minutos estava novo em folha. Exceto eu, que embora feliz com objeto funcionando em meu braço esquerdo, saia da relojoaria com a sensação de que a bateria trocada serviria apenas por tempo provisório; até que as lembranças se esvaíssem do meu ser e eu tivesse que arrumar o relógio novamente.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

(sem título)-João Pedro magro; Caio Sorio; Julian Isidoro; Gabriel Turella; Enzo Tessitori

Eu queria ser um soldado
para um objetivo ter
não penso estar errado
pois sei que uma hora irei morrer
a procura do norte, procuro me perder.

Executar, a missão, o próximo, o futuro.
não penso, faço!
Seguro minha faca, como ela, sou rígido
pois se assim não fosse, não seria nada
Sem faca, sem escudo, me lanço ao por vir.

Me lanço e caio,
Caio com a certeza de um soldado.

destino inútil- Giovanna palermo

Se Deus já me deu um RG,
Então eu preciso viver pra quê?

''fabulinha'' sobre a lúcida solidão- Rolando Vezzoni

Não serei irônico, não serei nulo, serei eu apenas um péssimo contador de histórias, desonrado e profano que agora,"em verdade vos diz"... Não mentem para vocês, apenas estupram a verdade até que dela saia um mundo plano com pessoas planas.
Segue a fábula.
...
Era uma vez, num belo dia noturno que ninguém viu, dentro de uma sala branca com uma lâmpada acesa no teto emitindo uma luz branda, logo abaixo dela,havia um aquecedor que envolta deste, haviam cinco cadeiras dispostas uma em frente a outra (e também de frente para o aquecedor) com cinco pessoas sentadas em silêncio. Ao redor da lâmpada haviam cinco moscas, que prosseguiam circulando-a, e se aquecendo do calor que esta lhes possibilitava.
“está frio aqui” disse uma delas (pessoas)(?).
“problema é seu!” disse outra.
Uma terceira levantou, andou em direção a primeira e lhe cedeu um casaco.
Vinte minutos se passaram sem novas manifestação das cinco pessoas.
“me sinto um idiota, eu lhe dei um casaco, agora tenho menos casacos e não recebi nada em retorno... Na realidade deveríamos te matar, pois suas reclamações estavam querendo mudar a harmonia das coisas... Mas por outro lado eu me senti particularmente bem por ter lhe cedido o casaco, e não sinto vontade alguma de te matar nesse momento.”
“é porque você apenas ajudou o próximo dando-lhe um casaco, embora quem lhe de o calor e lhe ame seja o Aquecedor, então ceda-me um casaco e outro para o aquecedor, a mim por ter intermediado a relação sua com Ele!” disse outro com uma veemência absurda, e essa verdade mostrou ao benfeitor uma desculpa para ser-lo, e também lhe ensinou como deve fazer para ser sempre bom sem entrar em débito com Ele.
“verdade! Muito obrigado pela iluminação dada! Lhe devo um pouco de tudo que tenho para aumentar o calor do aquecedor!” disse colocando uma grande parte de tudo que tinha acima do aquecedor e uma outra parte deu a aquele que em verdade lhe dizia.
Nas próximas horas, quatro dos cinco habitantes da sala louvavam o aquecedor, três desses passavam frio e o quarto sendo o porta-voz Dele, não... Um dos cinco não louvava o senhor aquecedor, portanto era visto com repulsa pelos seus conterrâneos.
No dia seguinte ao acordar, o ateu viu três mortos de frio, o aquecedor pegando fogo e o porta-voz morto por sufocamento, sufocado pela quantidade homérica de roupas e luxos que lhe cobriam... Todos nulos por sua crença desproporcional.
O sobrevivente continuou com a razão, e sozinho.
...
essa "fabulinha" não vai para o festival de natal da globo, vai?

superlativos- Nico Ascenção

O grito calado de um povo mansuetíssimo
Injuriados com um problema antiquíssimo
A barriga inchada de um menino magérrimo
Evidência de um dia-a-dia paupérrimo
Pele e osso, sangue ralo, fragílimo
Consequência da fome negra e crudelíssima
Da raspa do tacho, comeu a parte amaríssima
Acostumou-se a viver abaixo do mínimo
Para ser pobre há custos altíssimos
Explicarei para que entendas bem!
Comida não se paga, mas não se tem
Moradia não se paga, mas não se tem
Dignidade não se paga, mas não se tem
Isso é um retrato superlativo dos cidadãos miserabilíssimos.

a rua- Lígia Fernandes

Saio para dar uma volta, respirar um ar novo e teoricamente puro, pois até então preferi viver trancada em casa. Eu, meus livros, meu café, as músicas. No entanto, essa saída não me fez bem pelo impacto que causou. Saí e logo vi. Vi coisas horríveis, coisas estúpidas, coisas inúteis. Vi animais que nunca havia visto antes. Também andam sobre duas patas, mas são levemente corcundas e têm a cabeça inclinada uns noventa graus para trás com os olhos logo abaixo do queixo. Há, também, adaptações nos braços que deduzi por serem sacolas, uma de cada lado, com o tamanho suficiente para caber todo o meu armário multiplicado por dois. Vi pessoas em estado agonizante, outras vegetando. Queria ajudar. Não conseguia. Aquele forte cheiro de podridão (algo me fez lembrar de enxofre...) me enjoava de tal maneira que me vi forçada a me afastar. Sentei-me em uma calçada um tanto distante e fiquei observando. Logo menos surgiram mais homens. Esses pareciam loucos, estavam demasiadamente famintos: os vi se abaixando e procurando qualquer coisa para comer e pude notar o brilhos nos olhos quando encontravam pacotes de biscoito com restos de farelo. O que me surpreendeu é que ao encontrarem o mínimo que fosse possível, dividiam entre si.
Enquanto isso, ali mesmo naquela rua, dentro de um café estavam aqueles animais sentados bem perto da janela admirando a rua com aquelas cabeças levantadas e os narizes lá em cima. Tive a impressão de não notarem onde estavam, que somente apreciavam os estabelecimentos do outro lado da rua.
Agora, nada melhor do que mergulhar no meu café, viajar nas músicas e me abraçar com os livros. Tranquei a porta de casa novamente.

geladeira- Nico e Lígia

Eram onze horas da noite, andava agitado no apertado e abafado quarto-e-sala em Copacabana, a fome conseguia me apertar mais do que aquelas paredes e, num ato instintivo, abri a geladeira... "porra!" foi a primeira palavra que me veio à cabeça, uma palavra que expressava meu susto com o vazio daquela Brastemp velha que eu ganhara da minha mãe quando saí de casa! O vazio da geladeira era reflexo do meu vazio, do vazio da minha conta bancária! Era foda, nesse ramo não posso por dinheiro no banco, dinheiro sujo, andava só com ele em espécie no bolso, e por isso sangrava de pouco em pouco, cerveja em cerveja e putas em putas! Essa vida de matador de aluguel não me levou a grandes conquistas, saí de casa cedo porque engravidei uma menininha da minha vila com 16 anos, tinha que me virar na cidade e comecei a praticar pequenos furtos. Como o que é pequeno cresce, quando me vi já estava assaltando lojas e mercados, eu era bom nisso, até que um bicheiro da área resolveu me apadrinhar... Virei um jagunço profissional!
A única coisa que eu ganhei na vida que posso chamar de meu é esse ódio que sinto por tudo e por todos, executaram minha mulher e meus dois filhos, eu não estava em casa... Foi nessa época que fui apadrinhado, andava mal, era um assaltante, mas nunca havia matado, nunca havia precisado e agora mais do que nunca sentia uma vontade do caralho de sair atirando por aí, fazer justiça da forma mais bruta e, ironicamente, da forma mais prazerosa!
Necessidade. Passado um tempo na companhia exclusiva desse meu ódio, essa vontade de sair atirando por aí passou a ser uma necessidade. A vontade da justiça, o desejo de matar... Eram tão fortes que o que sentia era não somente psicológico, mas físico também. Queria, queria, queria. Precisava. E não havia o que impedir. No estado em que estava, alucinado, saí mesmo atirando por aí. E que prazer em me satisfazer! Já não me importava mais em me vingar da morte da minha mulher e os dois filhos, provavelmente saíra do controle, mas aquilo realmente era gostoso...
Pouco ficava em casa, já que não tinha nada além de uma cama, sofá e uma geladeira vazia. Andava pelas ruas, perambulava pelos becos. Bebia pra caralho e conheci ótimas putas. O negócio era bom mesmo! Conheci, também, uns caras que me descolavam uma boa. Perdi noção das horas, dias e meu nome só lembrava por causa do RG guardado na carteira. Mas isso nada importava: bebia, trepava, fumava e, agora, ganhava por matar! Vida boa assim não é fácil, não...
Quer saber, é fácil sim! Dava um tiro numa cabeça aqui e um trocado vinha parar no meu bolso, uma surra ali e mais um trocadinho, eu me esquecia de comer, andava alimentado do medo alheio, daquele medo do minuto final que a encomenda sente! Covardes, gente boa com certeza não morre pelas minhas mãos, só matei vagabundos dignos apenas de morte, sempre malandros quando estão em vantagem, mas naquele momento em que sentia que ia morrer, se cagavam. Comecei a associar a morte com um cheiro de merda... Covardes! Sou conhecido no ramo pela eficácia, o nome da encomenda e um dinheiro na mão, já bastava pra encaminhar mais um pro inferno.
Caralho, mas aqui agora estou eu, puto... Num sábado, 11:05 da noite, sem encomendas pra tratar, deve ser porque hoje é natal, deram uma trégua, mas fico tranquilo porque não dura até o ano novo essa escassez de clientes. Como sempre, o tempo passa e um novo ano começa, mas as coisas continuam iguais, eu mato, bebo, fodo, fumo e olho pra essa merda de geladeira vazia que diz mais quem sou do que uma verdadeira auto-biografia!

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

romântico de trás- Anônimo

O corpo sua
O movimento começa
O coração dispara
A visão dispersa
A alma fica crua
As pernas tremem
O mundo num instante pára.
Não, não é aquilo que muitos temem
Não, não é aquilo que chamam de amor
É de onde provem toda a vida no mundo
É aquilo de onde vem todo o incorreto,
É, única e exclusivamente, o sexo.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

os desesperados da America latina- Nico Ascenção

Futuro cego, surdo, mudo e louco
Fartura do que não interessa sempre é pouco
O ontem mostrou o que faremos amanhã
Onde está a paz na terra de Tupã?
Miséria e corporações assolam Iracema menina;
Enquanto ricos nutridos mandam na Latina

Choram, já não há mais leite derramado
Três vacas magras e moribundas não são gado
Inabaláveis políticos cruzam os braços pois,
Os famintos e esquecidos são assunto pra depois.

o filme de ontem- Lígia Fernandes

Hoje me sentei para ler, mas não consegui me concentrar. As letras se desagregavam das palavras, se misturavam e formavam uma nova. Um nome, seu nome. E formavam mais e mais palavras. E diálogos. E me traziam sua voz. E conseguiram imagens. E, de recortes em recortes, editaram um filme. Comédia romântica? Nem pensar, não chega nem perto. Mas me fizeram rir. E me fizeram chorar.

E, como boas produtoras, essas mesmas letras foram capazes de me deixar ansiosa, esperando e sonhando com o que poderá vir depois: lançaram um filme sem fim.

Preciso expandir meu banco de lembranças suas...
Li tuas palavras
ou umas que me lembrassem você.
Porque ultimamente tem sido difícil.
Difícil ler e não ler seu nome,
ouvir e não ouvir sua voz,
enxergar e não ver seu rosto.

Finjo.
Finjo que não o li,
que não o ouvi,
que não o vi.
E deixo você voar,
nos meus sonhos,
até o sol raiar.

Um sorriso.
Um suspiro.
Porque o li,
o ouvi,
o vi.
De fato.

domingo, 1 de agosto de 2010

não para de pingar -Roberto Torrance

-Sim, digo, sim. Sim, eu estava cozinhando doutor, e a faca escorregou, não foi intencional, digo... totalmente intencional, sabe, se está segurando uma faca se está sujeito a se cortar, não?
-Eu estava cortando algo, algo que se é feito para se cortar, quando acabou que o cortado fui eu.
-Como eu me senti doutor? Bem, certamente, muito bem... não houve barulho, e eu sorri.
-Não, não doeu, de forma alguma... isso é triste?
-Gota após gota eu via aquele liquido terrivelmente vermelho escorrendo, via algo belo se desenhando no chão branco da cozinha, onde eu deitei por alguns momentos, imagino que isso não seja triste... O resto todo que é.
-Eu queria apenas que parasse logo, que parasse logo.... Por favor. por favor... PARA!
-o que não para? O sangue, o sangue não, não para de pingar.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

PAUSA.... - Giselle Probst

Amar,
Admirar uma pequena beleza junto a alguém,
Parar e apenas sentir o que vem,
Sorrir e admirar....


Amar,
E ter sempre alguém com quem sonhar,
Sonhar junto sobre algo comum,
Sorrir, de novo, admirar...

Amar,
Ter o coração batendo no mesmo compasso,
Andar no mesmo passo, sem pressa,
Até encontrar a paisagem bela e, então,
Sorrir, de novo, admirar...

Amar,
Única pausa no tempo permitida,
Pausa plena de sentido.
Não mais importa o que se foi ou
O que será!
É o todo que se revela,
Quando se abre o sorriso,
E se admira a vida...

Papel na Caneta - Lígia Fernandes

Luis Felipe Angell, Sofocleto, disse que escrever é uma maneira de falar sem sermos interrompidos; Erasmo de Rotterdam pronunciou que o gosto pela escrita cresce à medida que se escreve; Eugène Ionesco, que devemos escrever para nós mesmos, é assim que poderemos chegar aos outros.

Thomas Mann informou: o escritor é um homem que mais do que qualquer outro tem dificuldade para escrever, mas foi Clément Marot o primeiro a abrir a boca: um homem não pode bem escrever se não gostar um pouco de ler!

Entretanto, são as palavras de Benjamin Franklin que me causam uma dúvida constante, pois disse uma vez que ou escreves algo que valha a pena ler, ou fazes algo acerca do qual valha a pena escrever. Porém, na maioria das vezes, lembro-me e ouço as vozes dela, Virginia Woolf, citando:escrever é que é o verdadeiro prazer; ser lido é um prazer superficial e, por isso, acabo optando pela segunda alternativa de Franklin.


E, por fim, segue o conselho de Sêneca: procura o que escrever, não como escrever.

domingo, 25 de julho de 2010

O salto quebrou - Giovanna Palermo

Por que insistem em esperar o cavalo branco que não vem,
O casamento lindo que termina em divóricio,
Os filhos prendados que vivem de tudo, menos do ócio,
E o amor infindo, mas que só novela tem?

Por que perder as noites em claro,
Recitar mil vezes o nome do amado,
Acreditar em conto de fadas,
E esquecer de subir por si própria, as próprias escadas?

Pra que querer ser princesa,
Ostentar a imagem de família da realeza,
Enquanto se briga com o marido e chora ao por a mesa?

Pra que se submeter quando se é forte,
Felicitar-se na mudança de sobrenome
E se conter virando um simples mascote?

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Ode a infelicidade.- Francisco Knulp

Ó maravilhosa falta de alegria!
Ó visão que desmascara toda a alegoria!
Ó infelicidade que me vem,
me faz esse nenhum bem!
Dentre paginas que me afastam de toda essa euforia
todo santo dia!

É tão nobre um jovem ser assim!
É tão nobre alguém ser assim?
Assim, quebro-me como giz,
E sei o que o mundo me diz...
vou me ver sempre, enfim,
Satisfeito,sim, por ser infeliz.

canto mudo- Lígia Fernandes

Música para os ouvidos.
Música para os ouvidos, para purificar a alma, para a vida rodar e a roda viver - ou a vida viver e a roda rodar.

Como é puro o dedilhar no piano, o mais puro movimento. Puro como a suavidade das cordas do violino ao encontrarem as cerdas do arco. E o braço direito que se movimenta numa leveza esplêndida.

E a união - tudo na mais perfeita e simples harmonia!
É momento de relaxar, lembrar e relembrar. Reviver!

Fá sustenido:
e deixe o som soar e invadir o espaço. Entrar por um ouvido, depois pelo outro. Invadir teu corpo e abraçar tua alma. E, aos poucos, notará teus braços subindo e descendo, contornando os compassos e seguindo as notas.

Feche os olhos
- assim o coração pode ouvir melhor...

2000, 2012- Rolando Vezzoni

o fim do mundo
é onde o homem raso nada,
e escorre junto com o nada.
olhe agora além do fundo...

é o eco do grito mudo,
ouvir do ouvido surdo?
idéias gotejando paralelamente,
estas perturbam sua mente?

este mundo que aqui está,
a muito está aqui
e assim ainda estará,
quando o suposto fim chegar a ti.

então deixe desesperar-se,
e não falo por gatos e telhados,
lhe digo de pronto:
-não haja como tonto!

presente para o café puro- Nico Ascenção

Expresso, capuccino, pingado
Mineiro, árabe ou paulista
Amaro despertar do realista
Não carece de ser adoçado!


Quem quiser doce, que ligue a tv!
Sendo um cego, o que queres ver?
Na pequena chícara branca, uma dose de um líquido escuro
O café aqui meu amigo... É puro!


Vida longa ao Café Puro e a todas essas mentes camaradas, sedentas pelo que há de interessante. Aproveitemos até a última gota deste café!

clichês- Lígia Fernandes

Mar, amigos, sol.
Cores, degradê, natureza.
Tranquilidade, silêncio, eternidade.
O pôr-do-sol ali,
tão distante, mas tão perto.
Um acontecimento singular,
um momento único.

Aquele céu alaranjadamente magnífico.
Que a todos encanta,
que a todos imobiliza.

Clichê, clichê, clichê

- é tudo clichê [se segmentados].
Pois ao unirmo-os,
há uma imagem peculiar,
há uma imagem singular
- o pôr-do-sol.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Aos olhos de Sartre- Nico Ascenção

Chego à estaca "zero"... parece que nesse espaço, que regem outras circuntâncias temporais, não consigo me mover dentre esses abismos decimais e centesimais que me separam do "um".
Pobre de mim, vivendo com um sabor amargo das experiências começadas e nunca concluídas, digo amargo porque sou ansioso e gostaria de ver o completo (o perfeito), poderia ser doce se eu analisasse com mais cuidado e percebesse que é neste salto arriscado e perigoso ao escuro do infinito que construímos uma vida.
Me descomprometi um pouco com o texto, para olhar o que havia do outro lado da janela, deixando que a luz esquálida de um dia nublado no Rio de Janeiro tocasse meu rosto. Lá na rua vi crianças batendo bola, mulheres conversando e um grupo de amigos boêmios sentados no bar bebendo, todos ingênuos esquecendo ou até mesmo sem saber que o tempo implacável age incessantemente sobre eles, pois o corpo como matéria perece! Tudo tem um fim se material for, para os vivos o fim tem um nome menos gentil... a morte.
Caindo nesse líquido viscoso que é o pensamento sobre o fim, me vi um pouco entristecido porque me apaixonei pela vida e pela oportunidade de agir que ela nos oferece. Mas logo sacudi meus pensamentos, remei para me apoiar nas bordas e me livrar desta natação indesejável e descobri uma solução lá no fundo que gostaria até de deixar como um conselho, que é atingir a imortalidade! Simples assim, continuando a se aventurar na tentativa de alcançar o Em-Si tendo a ciência de que nunca chegaremos lá!

vítima- Francisco Knulp

sou rejeitado...
oras, serei eu vítima do meu próprio vitimismo?
sou azarado...
oras, deverei eu desatribuir os erros dos homens errados?
sou burro...
oras, subestimo-me apenas para não superestimarem-me?
horas, como essas passam... e acabam comigo. acabam?

segunda-feira, 19 de julho de 2010

50! 50! 50! - sim meus amigos!

chegamos hoje ao quinquagésimo texto do blog ''café puro'' agradeço a todos os escritores e seguidores do blog pela maravilhosa ajuda prestada , e que venham a existir muitos outros cinquenta!

bacanais, festas e imbecis.- Rolando Vezzoni

uma porra duma câmera,
com um porra dum individuo.
filmando uma porrada de pessoas,
estas se comendo e copulando grotescamente,
sendo que nem ao menos assumem o ato.

nada é essa imagem além de um shopping,
ou de uma festa.
tudo uma encenação não declarada de uma orgia,
de um bacanal de imbecis, estes se desejam,
embora se desprezem profundamente, permanentemente.

ah! saúda essa cegueira que parece-lhe tão maravilhosa,
e imagina que, o louco seria os ver de fato, e não fantasiados...
dispersos em desejos agora declarados,
aparecendo os mais humanos...
e os incrivelmente inumanos dançando em sua suruba eterna.

(sem título)- Lígia Fernandes

Fui dormir e esqueci de trancar a porta.
A solidão entrou e levou tudo.
[vazio]

Mas deixou, no caminho,
cair algo.
Algo que, de tão inho,
nem notou.
[esperança]

A janela aberta,
a tristeza espera.

Fui atrás do que caira.
Uma foto,
uma foto dele.
Que, ao me agachar
para pegar,
o vento levou...

E levou a foto,
e levou a esperança.
E deixou o vazio,
e deixou a tristeza.

Mas levou a foto,
levou a esperança.

Os limites da minha felicidade (?)- anônimo

Mais uma vez aqui, estacionado nas mesmas condições medíocres de espírito, experiências de vida e felicidade, chego ao final de um livro. Não, ainda não o terminei, mas muito pouco resta a ser lido. Então o romance que este relata se encontra em seu clímax e é natural que a curiosidade me impulsione a ler mais; ler até que tudo se resolva, até a última página, a última frase, a última palavra que antecede o último ponto final- o único que de fato representa um fim.
Mas resisto a esse impulso, ou pelo menos tento resistir. Por que? Pois já passei por isso muitas e muitas vezes e sei que se começar a ler agora farei como já mencionado: não largarei o livro até que ele não tenha mais nada a me oferecer, e a fonte de felicidade que me supriu por esta semana estará escassa.

Por outro lado, sei, também por experiências anteriores, que acabarei alcançando aquele ponto final egoísta e maldoso em algum momento, por mais que eu o evite, e então me ocuparei em buscar outra leitura que abasteça minhas necessidades humanas de ser feliz, uma vez que (a já citada) pobreza de espírito e de experiências de vida me impede de encontrar felicidade menos superficial e incompleta. (Afinal, eu vivo na vida outros... será que isso faz sentido?)

Só há uma primeira leitura, que é superior a todas as outras quando se fala das emoções que ela provoca. E isso me preocupa. A magia de um livro nunca desaparece, ela pode ser resgatada a qualquer momento, mas mesmo que ela volte a me surpreender e a me emocionar, nunca o fará tão intensivamente quanto o fez sob o caráter imprevisível e independente da leitura- prima. Tenho tanto mais a lamentar, temer e refletir sobre o assunto... Todavia, não sei se já mencionei, mas um livro me aguarda, ou melhor, suplica para ser terminado. Logo ali, sobre a cama. E eu não posso deixá-lo esperando, não mais.

cheiro de saudade- Lígia Fernandes

Saudade disso, falta daquilo.
A infância, o tempo sem preocupações.

O cheirinho de chuva, de grama molhada,
da casa da vó, de tênis novo,
de pipoca doce, de vela apagada.

O barulho do pedal da bicicleta girando ao contrário,
da bola de borracha quicando no asfalto.

E ele, super herói tão alto,
em cima do armário,
a pular e voar pelo quarto.

(sem título)- Giovanna Palermo

Eu vi o ponteiro dos minutos
andar uma unidade pra trás
e foi nesse minuto que ganhei de vida
que escrevi um poema lento
em que um minuto, é um minuto demais.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Retrato de um menino-homem malfadado.- Francisco Knulp

A primeira rajada do vento frio não leva-lhe.
Tampouco a segunda, sendo essa mais forte.
Agora antes das próximas já se perguntava:
-quantas outras ainda virão?

Já a próxima, vinda de surpresa, levou-lhe
Esta que procedeu já nem do mesmo jeito, lembrava a morte.
E enquanto via-se derrubado, indagava:
-e agora, fodeu-se tudo então?

Agora este, que seria logo visto como cretino, levantou-se, e lutou por bravos e não breves momentos (estes não importam)... Nada tão demais, mas nem pouco como lhe foi retratado.

Caiu.
Caiu, não... Despencou.

Agora viu-se resolvido, abiu uma concha e lá enfiou-se o imbecil, que agora já não mostrou-se sorridente, pois sabe-se dele como um sujeito revoltado.

Este caiu novamente, sempre errado... Burro!

Agora a paisana, por incrível que pareça... É, e foi despencando que viu-se despertar, lembra-se de sua infância, embora agora de armadura e olhos abertos... Triste fazer dessa criança um homem. Ainda mais se adulto, esse não encontra-se liberto, tampouco, feliz.

(sem título)- Pedro Menezes

A tristeza nunca está sozinha e hoje veio me visitar. Chegou de surpresa, sem avisar. Já coloquei a vassoura atrás da porta para ver se ela não demora.

Eu digo pra ela ir embora, que sou forte, posso me virar. Mas ela não ouve. Fica ali, parada. E vai aonde eu vou. Até nos meus sonhos ela aparece. Por que veio? Vai visitar outra pessoa. Você tem tantos amigos.

Ela não tem amor próprio. Vive pelos cantos, sendo rejeitada por quase todo mundo. Ela não se importa. Sabe que vai embora mais cedo ou mais tarde.

Mas antes de visitar outra pessoa, ela faz questão de ouvir as músicas mais tristes, lembrar dos momentos mais nostálgicos, ler os trechos mais densos, assistir aos filmes mais pesados.

Não sei o que fazer para expulsá-la. Já bebi, já chorei, mas ela insiste em me acompanhar. Vive me fazendo olhar pra trás, colocando suas escamas em mim.

A tristeza é um vírus altamente contagioso, deixa todo mundo em volta pra baixo, de cama. Estou de quarentena, isolado, não quero passá-la pra ninguém. Porque hoje eu quero morrer com ela.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

o ateu e a tia- Rolando Vezzoni


Havia uma tia jogando água benta nas pessoas na tal da paróquia(já digo agora, não que houvesse nenhuma necessidade de ele ter feito isso, antes deveria ter tomado seu vinho quente pelo-menos, embora fosse de todo divertido fazê-lo)... água benta essa que respingou-se por todo o rosto dele (ironicamente não se incomodou de inicio) e no instante em que percebeu que essas gotas de água eram bentas pulou e gritou satiricamente “ai! Isso queima! Parem!”, o que por alguns segundos lhe pareceu uma brincadeira muito legal (e a mim também caro leitor), até aquele momento em que percebeu que os homens benzidos não eram de bem, e estavam se aproximando satãnicamente.
Isso pouco antes do agora ( nesse momento indefinido e irrelevante torna-se atemporal) que lembro daquela imagem de credulice que havia visto antes do episódio relatado.
Meio de tarde, ainda sol, e com um céu particularmente azul com poucas nuvens, sendo que estas poucas tem aspecto ‘’fofo’’, e enquanto aproveitava para olhar as coisas na rua, enquanto a descia vi uma empregada domestica que trabalha em uma das casas, uma senhora de mais de cinqüenta anos e com aspecto de todo jovial.
-bom dia!
-bom dia!- respondeu com um sorriso no rosto, este eu respondi com outro sorriso.- é um belo dia esse que deus nos deu, ‘’né‘’?(eu aprendi a escrever “Ele” e “Deus” num colégio presbiteriano que estudei, embora sempre tenha me incomodado a literatura e a gramática sofrerem esse incômodo unilateral, portanto vetei esse formato em meus textos)
Penso até agora nisso, passam ela e tantas outras pessoas o dia agradecendo a algo ou alguém que não se tem certa a existência... Sendo ainda essa incerteza muito improvável, e não só isso, controversa.
-É! - tentei ser simpático, não ofende-la com minha vida de “pecador” ,“descrente”, etc...- se houver algo mesmo...
-LÒGICO que tem...- disse apoiando o queixo nas mãos que se acomodaram na ponta do cabo da vassoura, Se não tivesse deus agente não existiria! Não ia ver as pessoas que gostamos novamente!
-ah, verdade, desculpa... - com um sorriso simpático no rosto.
Não, não mudou meu ponto de vista, se é isso que pensa, mas eu não iria discutir a crença otimista daquela mulher, não existe um porque nisso, que ela morra acreditando que virá algo, é melhor para ela. MESMO.
Mas nesse tal de agora entendi melhor aquela tia que queria trazer o ‘’bem’’ e ‘’deus’’ para as pessoas... Não acredito nele, mas agora entendo... Ter-lo é acreditar que não haverá o fim e tampouco a saudade. Eu consigo respeitar isso, esse é um “ópio” que deve ser bom para uma vida... Mas o barato passou muito cedo em mim, ainda somos todos humanos.

(sem título)- Lígia Fernandes

Uma escuridão, um breu profundo. E cá estou retirando de meu entorno todo e qualquer tipo de distração. Aprendi que penso melhor no escuro, que as melhores idéias surgem na madrugada. Pois vêm a chuva de problemas e pancadas de sofrimentos. Bate a tristeza e, em seguida, aquela vontade momentânea insaciável de querer você. Simplesmente te ver. Ouvir tua voz, sentir teu cheiro. Pronto, passou. A tristeza voltou e veio junto um sentimento de solidão.

Me sinto tão só e está tão escuro. Estou eu, sentada no canto da cama apoiada na parede e coberta por uma manta, sozinha e iluminada pela luz da tela do note book. Nem que quisesse seria capaz de te ver, pois está escuro; queria poder sentí-lo, quero tocá-lo. E você pouco sabe isso... Queria que soubesse. Sinto um emaranhado na garganta, quero agora a claridade e enxergá-lo para poder contar-lhe esse meu desejo. Mas sou louca, não caia nessa! Nem nos conhecemos. Então façamos o seguinte: conheçamo-nos. Conversemos, troquemos idéias. Quero saber o que gosta e o que desgosta. Quero poder novamente sentir um abraço seu. Um abraço, mais um; que não seja o único muito menos o último.

Mas não era essa uma vontade momentânea? Talvez os momentos tenham se esticado porque ainda te quero.

Chega! Nada disso é certo. Uma paixão idealizada [totalmente] - passo o dia sentada em frente ao espelho imaginando como seria uma conversa com você. Isso não é certo, não é normal. Já disse que sou louca... Chega.

terça-feira, 6 de julho de 2010

torpor- Giovana Vilela

Olho para os dois lados: nenhum carro passando. Atravesso a rua correndo e entro em casa, sentindo o sangue percorrer entre as veias de todo o corpo. É como se tambores estivessem rufando dentro de mim, da cabeça aos pés. Sento na poltrona, não sem antes me segurar em suas bordas para evitar cair. Ainda consigo sentir a gota de suor que brota no colo do meu peito e vai apressada encontrar as tramas do tecido da blusa, desfazendo-se por lá. Olho para frente e não vejo nada senão a escuridão. O torpor na minha cabeça faz os pensamentos girarem, indo de lembranças do mês passado para os acontecimentos de hoje de manhã. Escuto vozes em meio dessa vertigem, só que vindas de fora, do patamar de cima. E só fazem gritar em meus ouvidos, juntas com um repetido toque que fica martelando insistentemente, transformando minha mente numa granada que acabou de perder seu pino, pronta para explodir. Mas o que me tira do sério, na verdade, são aqueles pensamentos que teimam voltar à tona. Como num filme, ouço risadas ou palavras entrecortadas por suspiros de impaciência. E sempre as mesmas imagens: trocas de olhares, ambos com as bochechas em fogo ou então os olhos da menina virando para cima, como que suplicando a si mesma para que acabe logo com essa paixão não-dita. Aliás, quando vou acabar com essa paixão não-dita?

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A Legal e o Otário- João N. Valente

Aparentava ser uma mocinha recatada. Ainda na faculdade, uma privada de alto estilo, usava aquele perfume Giovanna Baby. Mas o cheiro que gostava mesmo era aquele que parecia com água sanitária. Estudou a vida toda nos melhores colégios, comportando-se como uma donzela pudica, casta. Ninguém nunca desconfiara não só de seus desejos, mas nem de suas ações.

Desde o colégio, gostava de postar-se à frente, carregar o livro do professor, procurava tirar as maiores notas e estudava até tarde no colégio. Mesmo em épocas festivas, não arredava o pé da instituição de ensino, afinal, criada em condomínio fechado, não tinha muita chance, enquanto adolescente, de dar suas escapadas. Mas lá encontrava os meios de aplacar o pulsar de seus anéis umedecidos.

Certa feita, sozinha, pois era um dia de copa do mundo, estava ela lá, e apenas o rapaz da limpeza. Fingia, a jovem, estudar biologia, e o cidadão a limpar o pátio em frente à área de estudos. Ela, então, que naquele calor só poderia estar de saia, flertou com pobre coitado que, perdido, desconsiderava a possibilidade de se tratar para ele a doce benfazeja abertura ventral; mas a moçoila, que com o lápis na boca, desligada do mundo, apenas balouçava a perna direita, sabia construir seu caminho e fazer com que os carneirinhos caminhassem por ele. Ainda mais esses, que lhe pareciam ter membro jumental.

Enfim, esse jovem faxineiro, foi apenas um daqueles que passaram pelos seus desejos. Ela não poderia deixar, todavia, que entrevissem esse seu furor vaginal, de modo que logo arrumou um namoradinho, um tolo, sonhador, um daqueles babacas apaixonados por livros e sonhos. Assim ela poderia enrolá-lo facilmente. E assim o fez. Saiu com professores, professoras, assistentes, seguranças.

Aos dezessete anos entrou na faculdade. Manteve o relacionamento com o jovem otário. Afinal, não podia perder a pose! Sua origem, sua família, seu condomínio!! Não se importava com dinheiro. Até lhe ofereceram dinheiro e bens, mas ela queria era sexo. Ela não se importava por objetos, a não ser por aqueles que poderia introduzir no seu âmago.

Cada vez mais, o ímpeto sexual lhe domava. E, assim como antes, agia por impulso, sem pensar. Mas agora sua voracidade fazia com que trepasse com dois, três homens; com homens e mulheres juntos. Certa feita, para que desse tesão a um homem por quem quase se apaixonou – sim, ela não se apaixonava, só tinha ímpetos... – amou uma malacatifa (que não era peçonhenta).

Hoje, ela continua feliz. Prossegue no uso de seu otário. Este nunca descobriu, mas é feliz. Até hoje a ama. Só não entende por que ela não quer ter filhos. Trabalha oito horas num escritório e procura tratá-la com respeito, amor e afeto. Mas nunca, jamais!, tentou comer-lhe o cú.

domingo, 4 de julho de 2010

O pretérito do preterido- Anônimo

Reli o que a ela escrevi...


Não é possível que escrevi algo errado.
Não é possível que ela não tenha gostado.


O fato é que gostei e foi sincero.
Saiu do meu íntimo.
Se não atendeu aos seus anseios,
que pena. Adeus.


É tão triste quando se faz algo pensando
ser o belo para alguém e acaba sendo
algo triste, dissaboroso
- ou quiçá asqueroso?


Não posso julgar por ela.
Posso, apenas, por mim.


E por mim foi de coração.
Sincero, com amor, com carinho.


Meus limites literários circunscreveram apenas a exterioridade do que senti.


Pena aparecer agora o verbo no pretérito.
Pior mesmo é estar no pretérito perfeito.
Em breve estará no mais-que-perfeito.
Só isso, então, terá sido mais que perfeito entre nós.
O pretérito.

terça-feira, 29 de junho de 2010

a fenda- Rolando Vezzoni

Saiu correndo, não queria ser preso, não lhe parecia uma boa idéia, e foi assim que chegou até aquela cidadezinha no meio do nada, chamava-se “Satisfatópolis”.
Cidade limpa, casas parecidíssimas, havia apenas um boteco que monopolizava o público da cidade.
Sabendo que ninguém lhe acharia ali, tranqüilizou-se, e foi ao tal do boteco, “João sem cérebro” onde ele descobriu, que não vendiam-se entorpecentes, e sim tiravam pedacinhos do cérebro e lhes davam em troca prazer e uma peruca.
Saiu relativamente consternado de lá, e bastante enjoado.
Andou para bem longe e entrou num cinema... Várias pessoas(?) vidradas olhando para a tela, o filme ainda estava para começar... “o dia em que nós achamos o que fazer com os livros”, produzido pela “microcéfalos felizes” e dirigido e filmado por um tal de “ Walter Ego’co Letivo”. O filme se baseava em apenas uma imagem, uma fogueira imensa e vários mamíferos bípedes jogavam livros e mais livros nessa fogueira, (o filme era algo semelhante a um descanso mental de um homem senil com uma doença degenerativa e crônica) depois de alguns minutos sentia sua cabeça explodindo, não dava para continuar ali, o que o levou a sair correndo novamente.
Continuou correndo pela cidade atrás de algo, o qual nem imaginava o que fosse, sabia apenas que não seria como o povo de Satisfatópolis, e também não queria ser preso, continuava não lhe parecendo uma boa idéia... ficar preso naquelas bandas não era uma boa ( dizem que tem paredes brancas como marfim, e a comida é uma massa cinzenta nada apetitosa, e que, se consumida em grande quantidade, causa seqüelas mentais ).
Viu -se de repente correndo sem mudar de lugar, depois que se tocou, olhou para baixo e começou a cair num precipício (maravilhosamente mórbido e interminável) conhecido como “verdade” ou como “conhecimento”.
passaram-se anos, e ele continua caindo, não está na cidade, na prisão e tampouco encima do muro, deveria estar ele em algum tipo de fenda( numa... fenda?)...

Fumaça- Lígia Fernandes

Caminhando sem rumo, tropeçando nos próprios pés. Tombando de um lado para o outro, sem conseguir encontrar seu ponto de equilíbrio, encontrou um poste e ali parou. A luz estava apagada. Um breu total...

As vontades e desejos da manhã resumidos em trapos. A vontade de viver já não é a mesma, aliás, pra que viver? No momento, a única esperança que tinha, a única luz visível, era o fogo do isqueiro que, de tempos em tempos, era apagado pelo vento. Nem isso era certo.

Deu um trago... A fumaça lhe encobria todo, era capaz até de sentir o cheiro da moça, o cheiro da roupa impregnada de cigarro. Sentiu-se abraçado... Não, ela não está aqui! Ficou louco...

Lembrou-se, então, como fora a despedida. Berros, tapas, cacos de vidro no chão. A porta bateu. Por isso estava ali caminhando sem rumo, tropeçando nos próprios pés.

domingo, 27 de junho de 2010

é noite?- Rolando Vezzoni

É noite(parece noite), e uma ladeira, descendo indefinidamente, na qual passa um vento seco e frio, que corta o rosto como navalhas.
Passa a mão pelo rosto, fecha o olhos respirando fundo, muito fundo, e olha devagar a sua volta.
Prossegue (despenca) ouvindo baixo uma musica a qual lhe percorria como uma gota de suor, e enquanto escorre por seu pescoço, percebe que o tempo está, de fato, passando.
Escutava agora diálogos aleatórios, redondos e redundantes, não poderiam ser chamados de diálogos, era mais como palavras lançadas sem nenhuma importância(nem para o lançador, nem para o rebatedor)... Estas caiam como neve congelando sua cabeça.
Havia casas e camas espalhadas pela rua, homens de terno com moças de cabelo alisado, crianças pequenas e perdidas vestidas como adultos(não seguravam brinquedos, apenas uma pena)... Tudo isso lhe sufocava em quadros sobrepostos e repetitivos temperados com uma névoa pesada que lhes escondiam os rostos(não faz diferença, são apenas figurantes).
Esses agora param, olham e apontam rindo de uma figura tão desencaixada descendo uma ladeira a qual não via mais beleza nem sentido, apenas um chão cinza cheio de pernas sem cabeça.
Eles sabem que existe ALGO, apenas não sabem O QUE é... E ele também não.

Pobre Diabo- Caio, Enzo, Turella, João Pedro e Julian

Eu,
somente com visões,
acabei com toda a minha esperança moribunda,
e me despertei do azul impalpável.
Uma imensa sofridão,
oriunda do meu peito apertado,
do ranho divino, promovido pela Igreja.
Sou agora O Maldito!
que te pertuba em meio ao sonho bom;
entoando toda noite,
a Ode ao Terror.

Silêncio com café- Lígia Fernandes

Cheguei em casa e lá estava ela: sentada no canto da sala lendo Alberto Caeiro e seu realismo sensorial. Estava frio. Era inverno. A luz que entrava e a aquecia vinha somente por uma frestinha não coberta pela cortina. Estava linda, radiante. Tão concentrada na leitura que passei despercebido. Fiquei, então, a observando apoiado na porta. Suspirei - como é boa a sensação!!

Senti que me notou, pois já não mudava de página há um tempo. Vi uma covinha, de leve, aparecendo no canto esquerdo do rosto. Seus olhos castanhos e profundos se levantaram até chegarem de encontro aos meus. Foi aí que iniciamos um longo diálogo num silêncio capaz de nos deixar ouvir até a poeira visível no feixe de luz cair no chão.

Ela se levantou. Eu sorri, por um instante a vi andando até mim, me beijando, me abraçando com toda aquela paixão misturada com o medo de me perder. Mas se abaixou. Sentou-se no chão sem desligar os olhos castanhos dos meus. Estava, de alguma maneira, me chamando. Sorri e andei. E sentei-me ao seu lado.

Agora, também sentia o feixe de luz me aquecer. Não só isso, havia, também, o calor dela, o nosso calor. Deitou a cabeça em meu colo e seu olhar me pedia um cafuné. Aquele cabelo macio e cheiroso... Queria era me deitar ao seu lado, abraçá-la... Não me contive aos cabelos. Minhas mãos contornaram o mais perfeito corpo, caminharam o mais prazeroso caminho. Nós dois sempre sorrindo. Conversando sem palavras.

Ela, então, se levantou e correu. Rapidamente voltou, com duas canecas de café preto. Foi ali que ficamos o resto da tarde, foi assim que ficamos o resto da tarde: tomando café e conversando num silêncio capaz de nos deixar ouvir até a fumaça quente do café se desfazendo ao encontro com o ar frio do inverno.

Devaneio- Giovana Vilela

As marcas do tempo sempre me encontram. Seja no pé daquela janela de madeira, seja nas rugas da minha velhice precoce. O amor que já não pertence a mim bate na porta novamente. Porém, outra vez me decepciona, indo em direção contrária. E me confunde: não sei se estou aqui ou ali. Permaneço com os ouvidos por perto e o olhar distante. Procuro os olhos dele, enquanto sou censurada por outros. É tudo questão de olhar... e amar. Será que ele pensa em mim? Será que EU ainda posso pensar nele? As mil juras de uma vida entregue àqueles braços me atormentam e me encontram. Assim como as feridas de outrora, durante os constantes devaneios. Tenho medo de me entregar. Sei que vou sofrer. Não sei se vivo o presente, o futuro ou o passado. Cada um com surpresas ou perigos. E o último com mais lembranças. Que sacodem o meu sono e me fazem sufocar. Muito cedo o telefone toca e me recuso a atender. O vento sopra e fica ainda mais difícil esquecer.

O gorfo- Rolando Vezzoni

Caindo de um lado a outro da rua(novamente, mas isso não vem ao caso), lúcido, lúcido o suficiente para perceber-se perdido... Sabia por onde e para onde iria, mas não onde se situava.
“pá!”, sim, agora caiu de fato. De novo.
Não parava um segundo sequer de perguntar se algum dia voltaria a ser feliz, ainda mais agora que nem mesmo entorpecido consegue a tranqüilidade e a satisfação que a tempos vinha esquecendo como era... Era ... Era..? Voltara a sentir-se uma presença, um encosto, que vagava por ai pensando, comendo e bebendo sem se encaixar, apenas ali(de tempos em tempos respirava também, mas vamos chamar isso de irrelevante).
Levanta-se, e volta a cambalear para... Casa(?) quando passa uma viatura, oferecendo-lhe carona, ahh... Se houvessem viaturas que te ajudassem o tempo todo.
Acordou... Sede, fome, corrosão e dor de cabeça. Vai ao banheiro, pisa em vômito, aspira aquele odor triste, e lembra de como aquele barato não havia lhe deixado feliz, frustrou-se( tem ocorrido freqüentemente com tudo, agora já era ateu, neo-platonicista e maltrapilho)... Agora seu barato é sofrer careta, não vê mais tesão nem em se destruir.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Listras- Caio, Enzo, Turella, João Pedro e Julian.

Fui listrado logo que cheguei;
e posso dizer que isso me felicitou,
pois ao me camuflar por entre as zebras e os tigres,
me ligo ao meu lado animal.
Porém, na realidade,
a racionalidade em mim
desabroxa um sentimento de saudade.
Saudade de meus...
De meus...
Na verdade não me lembro mais.
Faz tanto tempo que,
não me lembro mais das listras
Já não me lembro mais das listras, listas.
Listas ou listras?
Me doí a mente (medonhamente).
Passo a passo,
eu perco o compasso,
da minha música, da minha vida.
Está chegando...
Onde não desejo estar.
O navio está cheio,
cheio de listras.

sobe... desce, sobe... cai!- Lígia Fernandes

Eu cai. Cai do penhasco mais alto que já pude escalar.

Na vida, passamos por altos e baixos, mas por que raios os baixos predominam?! Talvez pelo fato de que subir requer uma extrema força de vontade e muita energia. Mas quem, em sã consciência, quer ficar por baixo? Eu tenho desejos e vontades de estar acima! Me falta energia.

Todas as minhas forças se resumiram a uma: a força da digitação de textos que superficial e momentaneamente me fazem bem.

domingo, 20 de junho de 2010

a máquina de opinar- Rolando Vezzoni

idéias, idéias, opiniões... bah!
essa idéia de ter que para tudo opinar?
até aquele que não sabe em quem está votando?
o cabecinha, a maquininha, veio para me enojar!

"tire seu título doutor!"
"mostre sua participação!"
sugiro que sejam mais didáticos,
e menos simpáticos!

não deveria ser necessário,
explicar que...
bom, que você...
DEVE DISCERNIR,antes de virar essa MÀQUINA de opinar no 16o aniversário!
agendadeumaadolescente.blogspot.com/

sexta-feira, 18 de junho de 2010

o parque- Rolando Vezzoni

Às vezes eu vivo em um parque.
Todas as pessoas, azedas ou doces, tem seu lugar.
No parque todas as tardes são de sol, eu posso ficar sentado olhando.
Vejo os vivos, as crianças e todos aqueles que ainda não perderam seus sonhos.
Dormem lá meus últimos sorrisos, meus últimos abraços, e amores.
Eu queria sorrir, ou quem sabe, novamente abraçar alguém com paixão.
Não, eu já não posso mais pisar na areia, nem sujar minhas as mãos. Acho que estou muito velho para isso, eu sempre fui muito velho para isso.
Não sei porque as pessoas do parque me parecem sempre tão belas.
São como dançarinos com passos eternamente corretos e perfeitos, por mais que simplesmente não tenham nenhum sentido.
Lá tem um menino e uma menina. Os dois se olham, os dois se amam.
Há um gordinho com um cachorro. E eles, companheiros, conversam por horas.
Existe também uma mulher que vive andando com seu bebê. São incríveis, brilham como uma só alegria.
E eu sempre vejo um senhor, com sua netinha. Ela estica seus braços rindo, e gira, e gira, e gira...

(sem título)- Vitor Guidi

Eram Joaquina e João macacos numa realidade circular e azul.

João saía de casa para trabalhar.

Joaquina ficava em casa pra se arrumar.

João queria Joaquina. Joaquina se aproveitava de João.

Para João conseguir joaquina deveria trabalhar. Tinha uma perspectiva linear do mundo.

Joaquina conhecia duas linhas: uma da imagem e outra da manipulacao.

Duas linhas que, sobrepostas, davam conta do jogo social e garantiam seu modo de vida.

Ao mesmo tempo havia um ponto de cor de burro quando foge no céu.

João não o via porque o teto de seu carro e o telhado de sua casa encobriam sua visao do céu. Era ocupado demais para perceber aquele ponto.

Joaquina ignorava-o por completo. Que valor teria uma aberração dessas quando há um shopping center perto de casa?

Ao mesmo tempo havia José, chimpanzé por excelência. Não conseguia segurar o proprio rabo: sempre o metia onde nao devia.

Um dia viu o ponto, e resolveu que ia meter o rabo lá. Mal sabia ele o que tinha feito.

No dia seguinte deu na tv:

"Macaco sem rabo corre dizendo loucuras pela cidade."

No caminho pro trabalho joao viu o tal do macaco sem rabo: o animal levava consigo uma tábua riscada com símbolos estranhos. Profanava o tão idolatrado modo de vida, obtido a partir de tanto suor e sangue na guerra dos gorilas.

O modo de vida garantia fartura e diversão, mas o macaco sem rabo traiu o senso comum: abandonou o tao amado padrão social dos primatas.

Simples assim- Lígia Fernandes

Não sei como, não sei porque, mas foi, simples assim, que me encantei. Aquela simplicidade toda, oh, grande simplicidade!, que pairava no ar era apenas, somente, simplesmente uma síntese. O resumo das mais diversas sensações, ora conectadas, ora contradizendo-se. Seja o desconforto causado pela tamanha felicidade ao meus olhos encontrarem os teus, seja pelo nervosismo ligado à ansiedade.
Aquele silêncio incômodo que repentinamente nos confortara de tal maneira...
Fora tudo tão complexo, mas simples assim.
Pois a simplicidade do que é complexo nada mais é do que o óbvio inexplicável.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Além da Janela- Lígia Fernandes

E quantas tardes não me pego olhando para a janela? Além da janela. A Natureza, o pôr-do-Sol.

Agora mesmo, estava lendo Maquiavel e em um certo momento de suspiro, me espreguicei. Ergui a cabeça e ela não baixou. Meus olhos vidraram em algo que não as letras do livro. O cérebro tampouco lembrava do texto. Encontrei o Sol, na verdade, o pôr-do-Sol.

Pensei em pegar a câmera. Impossível, minhas pernas não respondiam. Nada em mim se movia, nem meus olhos piscavam.

Por mais que o Sol se ponha todos os dias, é fato: o pôr-do-Sol nunca se repete. E esse é o motivo para minhas pernas não se moverem, nem meus olhos piscarem.

Há os que não têm graça, os que produzem um céu vermelhamente impossível. Aqueles que são apenas uma bola laranja no céu e outros que o pintam como uma tela de aquarela em tons alaranjados, tons fins-de-tarde. Mas cada um com sua peculiaridade, nos provocando as sensações e os desejos mais diferenciados.

A procura freudiana dos homens- Rolando Vezzoni

Eu lhe FALO,
eles tambem na televisão.
Essa é a ferramenta que reproduz a civilização.

No brinquedo das crianças,
no avião,
e na frente das vidraças
embaçando sua visão.

A procura do internauta,
na roupa do astronauta!
Mas como diria o homem astuto:
"...mas as vezes um charuto é apenas um charuto"

aurora- Tomás Fernandes

Quando me levanto e vou para a sala tudo é estranho, distante e pouco familiar. Volto logo com água da cozinha friamente branca, para molhar a boca cinza, seca dos cigarros que dão o gosto esfumaçado de meu quarto; apenas para acender outro e olhar mais uma aurora que chega depois de uma noite insone de rolar de lado para o outro e depois o outro e o outro, em meio a algum semidelírio de quase sonhos numa noite que pelas frestas da janela era tão escura, sem estrelas e cada vez mais densa até atingir um ponto em que lentamente se esfacela como um quadro que alguém vai raspando a tinta até transparecer um sol vermelho entre as nuvens marrons de poeira(porque agora só há horizontes de poeira).
Sento-me na cama e penso nos corpos que deitaram nela, rolando ou dormindo e acabo pensando em um específico por deslize e por isso acabo procurando as marcas deixadas por ele, mas acabo lembrando que esse corpo é algo como uma pessoa e as enormes marcas que deixou há muito desapareceram daqui. Ainda assim agora sinto como a sua presença nesse lugar que me é tão familiar(quarto esfumaçado e sujo, mas meu quarto esfumaçado e sujo), que contém tantas outras histórias que não me lembro(e algumas que nem sei, mas ai o quarto nem era meu); e se incorpora em todos os cantos: na cama, na poltrona, nos livros, nos cds, nos quadros, no telefone, nas paredes...O espaço que era de dois volta a ser para depois voltar a ser de um, até que outra pessoa e não corpo tome de novo esse lugar, tirando os chinelos e se aconchegando nesse espaço entre meus braços, para agüentarmos o frio cortante de mais uma noite escura que teima em passar pelas frestas da minha janela.
Mais uma vez voltarei à sala para tomar café e fingir que não dá para ouvir os ônibus e carros e trens e metrôs passando e levando a gente pro trabalho, enquanto se insinua mais um dia pela luz vermelha que entra pelas janelas e a gente tenta esquecer tudo isso e fingir que dá para passar o resto dos dias na cama vendo o sol nascer e morrer levando e trazendo o frio cortante de noite após noite, mas a questão toda é que já estamos na sala e enquanto tentamos falar disso tudo os sons de buzina vão nos cortando e os ponteiros dos relógios até que os dois saiam, dêem um beijo e um dos dois diga até de noite e o outro responda até de noite.
Mas voltam, mesmo que de outra forma; porque as pessoas como os dias têm formas diferentes, mas sempre voltam.

tarde quente- Giovana Vilela

E ela passa pelo seu lugar preferido no caminho de volta para casa. Lembra de como a vida AINDA é bela... Só por causa dos mais (in)significantes eventos, como uma converça com sua irmã, ou um por-do-sol sobre as ondulações da montanha mais proxima.
E suspira, após inspirar o ar quente da inóspita tarde de outono...
Não era normal.
Não era esperado, mas ela ela sorri, pois as simples coisas da vida a fizeram pensar... E esquecer.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

(sem título)- Rolando Vezzoni

"tudo que sei é que nada sei"

saber?
saber que fui,
se fui um ser,
ou se haverei de se-lo
ou perder o ser
antes do conhece-lo.

saber?
como sei se outro sabe
mais que o que diz que não sabe,
pois se não sabe pode aprender,
como aprendendo ainda não se sabe?

saber?
se sabe que não o sabe,
o que é o saber
que se houver de ser,
não pode não ser,
como agora não mais existe?

nada.
nada.
e nada?

"tudo que sei é que nada sei" dizia Sócrates...

terça-feira, 8 de junho de 2010

Viver, Esquecer ou Recordar?- Lígia Fernandes

Eles se viram, se falaram, se conheceram. Há apenas uma semana se falavam, mas aconteceu. Ele, de modo repentino e apaixonado, se declarou. Ela, em meio a confusão dos pensamentos adolescentes, não soube o que dizer, mas seu sorriso deu-lhe a entender que algum sentimento era recíproco.
A mulher é atrapalhada por si só, imagine com um homem envolvido? Pois é, no caso, eram dois. Ela estava de caso com um grande amigo, o qual tinha fortes sentimentos por ela e vice-versa. Não sabia o que fazer numa situação como essa, a saída era se trancar no quarto, sumir da vida. Chorar. Fora uma época de grande desidratação ocular. E, como se não bastassem as suas confusões, Ele mostrava pensamentos opostos a cada momento - ora sim, ora não; ora quer, ora se desinteressa - e isso a deixava nervosa e mais confusa. Conversavam e chegam em consenso: "paremos por aqui, não vai dar certo. Somos tão iguais e tão diferentes ao mesmo tempo, isso só nos fará mal. Chega.", mas parecia que ninguém se ouvia, pois no dia seguinte voltava tudo como era antes. E ficavam felizes, conviviam super bem até que caiam em si de novo. E vinha a conversa novamente, dessa vez, com desentendimentos e brigas.
Os dias passavam e não se tocava mais no assunto - estava tudo em completa harmonia! - Realmente, estava muito bom para ser verdade! Alguma música, algum texto, alguma frase, algum gesto e toda aquela paixão proibida voltava à tona junto com o auge da felicidade momentânea! E, por sorte, uma felicidade que durava mais que alguns minutos, chegava a uma, duas semanas... E depois, brigavam, discutiam, paravam de se falar. Isso já não era saudável para ambos, portanto resolveram botar um fim concreto e definitivo nisso. Se afastaram mesmo. Não se falam e se vêem apenas quando não é possível fugir. Telefones apagados da agenda e da lista de chamada. E-mails fora da lista de contatos e da caixa de entrada. A foto de plano de fundo no computador? Não se encontra nem na lixeira.
Ele? Quem é ele? Ela? Esqueci. Mas isso é só da boca pra fora, no fundo, apesar de todas as suas confusões, Ela sente. Sente falta das conversas e das discussões. Sente tristeza, raiva. E, cada dia que passa, Ela está mais e mais confusa e tem vontade extrema de sumir da vida. Ele sente também. Sente falta do corpo dela colado ao seu, sente dor. Mas cada vez mais se fecha em seu quarto escuro.Isso já não era saudável para ambos, portanto resolveram botar um fim concreto e definitivo nisso. Se afastaram mesmo. Não se falam e se vêem apenas quando não é possível fugir. Telefones apagados da agenda e da lista de chamada. E-mails fora da lista de contatos e da caixa de entrada. A foto de plano de fundo no computador? Não se encontra nem na lixeira.


"O amor pintam-no cego e com asas; cego para não ver os obstáculos; com asas para os transpor."
Jacinto Benavente y Martinez

"Só há amor quando não existe nenhuma autoridade."
Raul Seixas

ventou- Rolando Vezzoni

se foi aquele tempo de verão
como se vai aquilo que tem de ir
ele se levou
no ritmo de samba canção.

aquele ardor passado,
do tempo agora lembrado
e da bela de olhos cheios da mais pura alegria
que ainda me acordam na noite como agua fria.

com esse vento se foi um dia,
ainda após posto o por-do-sol...
também a noite se ia.
ah! eu com ela sorria.

foi-se tudo aquilo então.
mas nenhum amor se vai em vão...
acredito ainda que digam que não.
bom, este agora já se perdeu, ventou.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Eu quero um nariz novo!- Rolando Vezzoni

Uma mulher andava por uma rua ainda meio vazia pela manha, seu passo era apertado e aflito, usava um chapéu de aba larga, óculos escuros e tampava seu rosto com a mão direita.
No fim da rua havia uma loja, era grande e famosa. Tinha uma fila grande na porta, repleta de homens e mulheres tristes.
A mulher chegou, e se posicionou no fim da fila.
Ao chegar sua vez, entrou relativamente ofegante na loja, esta cheirava bem, era limpa, arrumada e moderna (seu cheiro era doce e sedutor).
Havia um vendedor no balcão, um sujeito jovem, bonito e bem vestido ''nada demais'' pensou ela.
- com licença.
- olá.
- olá - levemente aflita, mas já se acalmando, ainda com sua mão tampando uma região do seu rosto.
- de que tipo de serviço senhorita necessita?
- hoje eu acordei para deixar a casa impecável para um evento hoje, quando em um dos espelhos eu vi – fez uma pausa para tomar ar, agora retirando a mão da face – meu nariz é caído! E eu quero um nariz novo!
- dinheiro ou cheque?
- dinheiro.
- me acompanhe.
O homem a conduziu primeiro a uma sala com um ''scaner'' que lhe ajudou a ''criar'' o que seria o novo nariz, e logo depois a uma sala com um compartimento onde a mulher deitou-se por alguns momentos, exposta a uma luz de tom artificial.
Levantou-se, pagou e foi embora, voltou sorridente para seu apartamento, lindo. Estava perfeita novamente, mas consternada tudo que pensava era: '' quando vou voltar lá mais uma vez?''

Favores- Giovanna Palermo

Já se passara das oito,
e o paciente general esperava
num quarto que cheirava a coito.

Enfim chegou a donzela,
tão domada, tão esbelta
e de pronto fora agarrada.

Pernas, mãos e braços,
tudo em uma desordem harmônica
que inspirava asco.

Ela vivia a sonhar,
queria subir na vida
e se por a dançar.

Ele, já passada a hora da partida,
só queria aproveitar
o gozo carnal da vendida.

Logo um ganido de confissão,
deu o sinal de alerta,
um fim pro grande ato.

Uma respiração infinda
indicava o término da sensação:
ele voltava à sua mulher
e ela tinha seu ganha pão.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

negras nuvens- Tomás Fernandes

Negras nuvens
cabem num céu anil.
Margens caladas;
becos e estradas,
Prédios e semáforos:
Ainda toca uma canção.

(No umbigo do mundo
Um véu de fundo
Esconde o palco
Pulemos essa parte...)

Caro amigo, desconhecido:
Ontem e depois, nunca hoje.
Um gigante faminto
Procura os labirintos
De uma moça sem rosto
E tudo à nossa volta cai
Sem percebermos o fim.

Mais um túnel,
Apenas,
Mais um túnel:
Era carnaval, pelo menos
Era carnaval ainda.

Se nada nos envolve agora
É nosso hades pós-moderno,
Esculpido à imagem e
Semelhança de um anjo
Cruzado vermelho.
Se assim o for sinto muito.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

fulano- Rolando Vezzoni

andando cordialmente,
sorrindo débil.
constante rio,
correndo eternamente.

o viam,
o chamavam.
lhe riam.
ele andava.

falava no celular,
movendo-se no mesmo lugar.
jamais rápido,
nem devagar.

a obra veio,
a mudança de seu meio.
e todos os dias de construção,
ele continuou em sua pretensão.

e um dia um muro subiu,
o sujeito prosseguiu.
até hoje fulano com a cara no muro,
parou nele andando sem futuro.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Cão e vaidade- Victor Guidi

Vem meu cão
Pega a bola
Traz pra mim
Diz nada não

Senta, deita, finge de morto
Enterra o osso
Brinca com o moço
Até ficar torto

Vem
Satisfaz teu moço
Come teus restos
Dorme no teu canto

Corra pelo jardim
Olhe a natureza
Você é livre
Agora volta pro teu canto

Traz meu jornal
Pega minha bolinha
Guarda meu jardim
Agora volta pra casinha

O cão é animal,
O dono é pura vaidade
Antes a pobreza racional que a pobreza de espírito

quinta-feira, 18 de março de 2010

Feliz dia das mulheres- Rolando Vezzoni

Ela entrou na delegacia, com um sorriso no rosto.
-olá senhorita! Tudo bem?-o delegado perguntou.
-se tudo estivesse bem de fato, eu não estaria aqui, certo?
-faz todo o sentido.O que houve?
-nada, tive um dia normal, trabalhei, depois arrumei a casa.Por isso que a minha blusa púrpura está combinando com o meu olhar.
-veio prestar queixa?
-prestar queixa não, posso até me queixar um pouco se quiser... Meu pai largou minha mãe quando eu era criança, minha mãe cheira tanto que tem desvio de septo, meu filho é um excelente vagabundo, e o meu marido me violenta.
-a senhora não me parece muito feliz.
-feliz? Eu sou feliz! Eu tenho que reclamar das coisas de verdade, eu tenho muitas coisas para reclamar, e isso é ótimo... Não sou que nem esses homens da caneta que tem que ficar inventando vidas de merda para escrever críticas! Eu TENHO essa vida de merda!
-... Não sei o que dizer.
-não diga nada, você não precisaria escutar isso tudo...a culpa é do governo!
-se a senhora não veio aqui para um B. O, porque está aqui?
-vim comemorar o dia das mulheres...
-feliz dia das mulheres.

terça-feira, 16 de março de 2010

calor do fogo- Marina Naufel

E assim acordei: assustada, por conta de um simples mosquito que me
atormentava o sono. Mas, no fundo, bem lá no fundo, eu sabia que o
motivo verdadeiro que havia me acordado era um “mosquito” muito maior
que o que me rondava. Um que não saía da minha cabeça já havia algumas
horas. E o pior de tudo é que eu tinha certeza de que, se eu não tomasse
logo uma atitude, ele iria acabar tirando de vez meu leve sono.

Eu não sabia puramente o porquê daquele “mosquito” inconveniente ter
surgido, e depois de um dia, eu já o tinha catalogado na lista dos
“insuportáveis”. Ligar os fatos!
Era isso que eu precisava fazer para descobrir o porquê desse
hospedeiro ter escolhido justo a mim. A ordem cronológica dos fatos iria
demorar um bocado de tempo para acabar, afinal meu dia de ontem havia
sido no mínimo... Cheio. Eu não tinha pressa, então logo peguei um papel
e uma caneta para começar a refazer meus passos.
Havia acordado
determinada a cumprir com todas as minhas tarefas e obrigações. Escovei
os dentes, tomei um banho (afinal, acordar às cinco da manhã todo santo
dia tem seu preço), fome. Vesti-me, preparei meu bom café amargo e
finalmente - lá pelas sete da manhã – saí para o trabalho. Passei no
caixa eletrônico e realizei mais certa quantia de tarefas sem tanta
importância. No intervalo dos sinais consegui pintar as unhas de forma
que não parecessem tão mal cuidadas, e liguei para o escritório. Minha
secretária atendeu, e confirmou tudo o que eu queria ouvir: a reunião
iria acontecer dali a pouco (assim que eu chegasse). No mais, tudo
corria como planejado. Trânsito, muito
trânsito! Nada normal para as nove da manhã! Liguei o rádio, e depois
de alguns minutos de espera descobri o motivo de tal rebuliço: incêndio
na favela, de novo. Pela
primeira vez no dia, senti-me brava e estressada! Era a segunda vez que
isso acontecia em menos de um mês, e bem em dia de reunião importante! Por causa daqueles
“descuidados” que ficam se amontoando em um monte de barracos de
papelão, a cidade estava um caos, e eu
iria me atrasar. Isso a secretária não havia previsto. Mero erro de
cálculo da parte dela, contar com o transito bom. Comecei a reunião com
quarenta e cinco minutos de atraso. Quarenta
e cinco! Inaceitável tal comportamento vindo da minha parte, mas
eu não tinha culpa! Pelo menos, foi o único incidente da tarde.

Ao final do dia, tudo o que eu queria –e precisava- era de um bom e belo
banho. Vesti meu roupão, pedi McDonald’s, e, enquanto eu esperava,
liguei a televisão. Nela, as mesmas notícias de sempre: meninas sendo
violentadas por adolescentes sem limites, aviões que caem aparentemente
sem nenhuma explicação, lugares com enchentes que destroem tudo enquanto
outros lugares são destruídos pela seca... Mundo deprimente o nosso.
Estava prestes a desligar a televisão quando... opa! A favela que havia
pegado fogo pela manhã e atrasado minha reunião apareceu nas notícias! E
foi aí que eu percebi os quão estúpidos e ego centristas podemos ser
diante de certas situações! Enquanto eu reclamava por ter chegado
atrasada na minha reunião, aquelas famílias da favela corriam para
salvar seus filhos e sobrinhos (bem como o pouco que possuíam) das
chamas ardentes. O conforto e calor da minha casa nunca me pareceram tão
frios. No meio de toda aquela bagunça emocional a campainha tocou. Fui
receber meu pedido trazido por um motoboy sorridente do McDonald’s
(coisa rara de se ver). Eu finalmente tinha achado a peça (ou
“mosquito”, tanto faz) que parecia não se encaixar na minha cabeça! O
nome dele era “consciência”, e a espécie, “culpa”.

segunda-feira, 8 de março de 2010

A coleira e a guia.- Rolando Vezzoni

Ele foi andar com o seu cachorro.
Colocou um chinelo, colocou a coleira e a guia no animal.
Antes ele costumava andar despreocupadamente, sem coleira, sem guia, sem nada... Mas os tempos haviam mudado, e agora se prende o animal por seu próprio bem, e também para seus vizinhos não incomodarem tanto.
Quando o animal era pequeno, não saia de casa, depois quando ficou mais seguro passou a leva-lo para dar uma voltinha com guia curta.
Saíram da casa, e o animal começou a cheirar os dejetos de outros que passaram mais cedo.
Aos dois anos animal era muito agitado e corria muito, queria fazer de tudo, e a coleira enforcadora foi necessária.
O animal estava calmo ao seu lado, eles estavam indo para o parque.
Com quase quatro anos, já havia sido domesticado o suficiente para andar com guia frouxa, e logo, sem ela.
No caminho trombou com outro cachorro e cheiraram seus anus com se fossem as mais cheirosas flores.
Andou durante alguns meses sem guia nem coleira, mas teve que parar, pois os vizinhos não acharam seguro, por mais dócil que fosse, ele não deixava de ser um animal...E reclamaram dias e noites, até conseguir amarra-lo na mão de alguém.
Estavam chagando no parque onde costumam ir, pois tem um cercado de 25m de diâmetro onde o cachorro pode ver-se livre de sua coleira e guia.
Ele se conforma com aquele cantinho fedido que tem para ficar livre... Livre?
Humilhante a condição de mamífero socializado, tanto dele, como do dono... Sempre aprisionados, sempre castrados, sempre esmagados por uma massa maldosa e estúpida.


A coleira é uma criação humana, ela é usada para identificar algum animal, como um documento. A guia é usada para controlar, ou impedir algum animal de se portar de modo anti-social... O ser humano usa suas próprias coleiras para ser aceito em seu meio, e é guiado por pessoas que desconhece.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

a acefalia coletiva.- Rolando Vezzoni

Amanheceu, como ontem, anteontem...
Ele acordou, tomou banho, e se vestiu.
Ela preparou o café da manhã.
Eles comeram.
Ele foi ao trabalho, e ela ao colégio das crianças para a reunião de pais.
O outro o encontrou no trabalho.
-bom dia.
-bom dia.
-o que temos para fazer?
-não sei...
Era outro dia normal de trabalho.
Ela encontrou com a outra na reunião de pais.
-bom dia.
-bom dia.
-como tem ido as crianças?
-bem, e o seu menino?
-bem.
Encaminhavam-se para a reunião.
Eles saíram para almoçar, mas nunca tinham fome, então bebiam em um bar das redondezas.
O centro da cidade era muito pequeno, tinha muita gente deitada ocupando espaço da calçada, muito cheiro de fezes humanas na praça... Como odiavam andar por ali. O barman os viu chegando.
-duas?
-duas.
-é.
-o que você vai fazer depois do trabalho?-perguntou o outro.
-eu estou tendo um caso, mas nada sério, vou ficar até mais tarde no escritório.
-você não é casado?
-sou.
-ah.
Voltaram para o escritório, respirando a poluição da cidade, que lhes incomodava, por mais que soubessem que ela é necessária para o progresso... Então reclamavam em silencio, para si mesmos.
Já era uma e meia, como ontem, anteontem...
Elas saíram da reunião, que havia sido exaustiva. Todos reclamavam das crianças e dos jovens...
-é normal fazer brincadeiras maldosas com os outros! Quem nunca fez? Hoje em dia reclamam de tudo.
-falaram algo dos seus?
-nada de importante, e do seu?
-nada.
-o que você fará hoje?
-nada, meu marido fica até mais tarde no trabalho, não preciso fazer jantar, então eu vou assistir tevê, e você?
-vou encontrar com um velho amigo meu hoje mais tarde...
-ah.-ela deixou o colégio e voltou para casa.
Ela não queria ir para casa, odiava ficar só. Mas logo as crianças voltariam, e ela teria com o que se ocupar.
O outro já havia saído do escritório, havia perdido o emprego por ter bebido no almoço.
Ele não.
O outro parou no bar, e vai por lá ficar um bom tempo, afinal, a outra ficaria irritada com a notícia pois adora comprar coisas.
O dia passou mais um bocado, como os outros que vieram antes.
Ele estava só no escritório.
A outra estava chegando.
Encontraram-se, transaram, e foram embora.
A outra chegou em casa, não viu o marido, e foi dormir.
Ela esperou ele chegar.
O outro dormiu no sofá do bar.
Ele foi dormir com ela.
-como foi seu dia?
-normal, e o seu?
-normal.
-boa noite.
-boa noite.
E eles dormiram, como ontem, anteontem...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

elogios á parte

de novo,
a casa...

Porta aberta,
escancarada,
esmurrada.
Janela quebrada,
estilhaçada.

Parede rachada.
ovo estourado,
sujando o tapete.
latidos do cão.

Chuva com trovão,
bebe chorão.
animal fedido,
ferido.

Carpetes roídos,
rasgados.
Móveis podres,
despedaçados.

Garrafa estourada,
no chão da cozinha...
Serei eu,
assim tão feio?

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Dependência- Caroline Bellangero

O vidro segura o álcool,
que segura o homem pro dia seguinte

O homem segura o vidro,
que leva a água, o vinho, ao pedinte

O álcool seca no vidro,
seca na boca,
e na carne fria

O vidro segura o homem,
que nem o álcool,
só que sem vida

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A vela- Rolando Vezzoni

Agora eu fugia, fugia da fuga, que era pouco antes, importante, tanto quanto um remédio necessário, mais que necessário.
Entrei quase destruindo a porta da casa, esta, em abandono extremo.
Por fora carcomida pelo vandalismo e podridão, por dentro era pior.
Era Tudo tão escuro.
Procurei o conforto, mas minha droga me afastava.
Sondando pela casa logo vi uma vela que naquela escuridão brilhava fraca num candelabro torto.
Andei cautelosamente atrás de seu calor.
Me aproximando, percebi algo nas sombras, um rosto com olhos enormes carregados de olheiras maiores ainda, uma boca lotada de dentes e escárnio com a palidez de quem sabe apenas temer.
o tempo parou.
...
Odiei aquilo que via, fedia a morte.
Enlouqueci.
Precisava me livrar daquela fera.
Urrei. Corri. Abati.
...
Tudo se desmaterializou, e pedras brilhantes choveram sobre meu pé.
O que vira a pouco era meu reflexo, num espelho tão sujo que me escapou qualquer semelhança,
e agora, lá eu jazia, no chão, quebrado como um quebra-cabeça incompleto, e sujo de sangue.
Tentei me reconstruir, mas a vela apagou furtivamente.
...
Eu me encontrei perdido.
Não há mais luz, nem esperança.

domingo, 31 de janeiro de 2010

O trem- Rolando Vezzoni

Cabeça jazia
Do lado esquerdo do trilho
Na ultima linha
Caindo lagrima de pai sem filho

Olhos saltando em desespero
Estava tudo no espelho
Até o medo do trem que vinha
O corpo ainda estava vendo a mesma ladainha

Corpo com medo por não saber
Por nada poder
E sem boca deu um grito
Estava aflito

Uma pena que um corpo sem a sua cabeça
Nunca venha a crescer.
Pobre do corpo sozinho
Preso em seu mundinho

Outro trem logo veio
Cheio mentes mudas,
Massas confusas
A cabeça, o trem acertou em cheio...

sábado, 30 de janeiro de 2010

O cão- Rolando Vezzoni

Já havia algum tempo que ele tentava dormir, estava encontrando certa dificuldade de engrenar em seu sonho.
Seu respectivo cão estava andando lentamente pelo quarto.
Subitamente, pulou na cama, e deitou no pé do dele.
-hei! Vaza daí animal!- e o empurrou delicadamente para fora da cama.
O cão, de maneira quase que sarcástica, voltou à cama, independente da vontade do dono. Este deu um empurrão, pouco eficiente, com o peito do pé. O cão olhou-o com sono, e bocejou.
-sai da cama, - já com uma ponta de irritação.-você é grande demais!
Novamente, foi para o chão.
Ele deu uma risadinha, e olhou com escárnio para o animal. O animal não pareceu ligar muito, e voltou ao pé da cama antes mesmo do dono poder desfrutar da vitória.
-não pode! Feio!- estava com o orgulho ferido, por ter sido passado para traz.
A única resposta do animal foi um olhar débil.
-me deixe dormir!- arremessou o cão.
Passaram alguns minutos, já estava sentindo que encontraria morfeu. Mas na verdade abriu os olhos com susto, pois ele apenas encontrou um focinho molhado próximo de sua face.
Deu uma patada no animal, fazendo-o parar longe.
O cão, assustado, ficou no tapete, do outro lado do quarto, e logo dormiu.
O dono sentiu-se mal por sua agressividade, por seu desdém, e resolveu chamar seu cão.
Mas, o animal, não lhe respondeu o chamado, estava agora confortável, e dormindo, não precisava mais da cama de seu dono.
Chamou, chamou, chamou. Nada.
Ele não conseguia dormir, estava cansado demais, pesado demais, e sozinho.
Nada faria o cão voltar para sua cama.