quinta-feira, 26 de abril de 2012

Resposta á carta- Rolando Vezzoni


Não há como pensar forma melhor de responder uma carta sem um remetente, mas dois, e nenhum, do que um versar confuso e arrematado, um poema de anexos e conclusões.

O tempo corre, mas hei de tardar minha partida.
Fugir sem resoluções é arbitrário e covarde.
Sou demasiado travado, evito narrar-te o correr da vida.
Querida, sinto por dificultar, mas só assim agirei.
Estoico, estranho e estúpido, assim de verdade.

Despreocupado, sim, mas não indiferente.
Não se engane, procuro as mesmas coisas, mas mudo meu procurar.
Vou sempre te amar do meu jeito, eventual e distante,
é a moderada oscilação entre a sublimação e o tentar.

Dentre todos os muitos intempéries vitais,
clamo, agora, apenas por seu não agir, despretensiosamente.
Não sofra, mas, sou um melancólico sorridente,
um apático, muito apegado á meu direito de ser infeliz.

Não consigo te proteger, e não quero ser protegido,
se sou assim, não se martirize, pois amo esse sentimento...
...pela simples razão de sê-lo, e não quero tratamento.
Aí o paradoxo, meu problema é meu vetor, e sem ele fico perdido.

E sim, somos assim.
Nosso amor demanda conflito; vivo de experiência e desinteresse, me ajude com condescendência. É, sempre rotos e distintos.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

O sono e a cena- Rolando Vezzoni


Ele, como algumas pessoas, chegou a um momento em sua vida em que percebeu como ela segue inevitavelmente para uma infelicidade moderada e suportável, então, tão logo, desenvolvera a pretensa capacidade de esquecimento e inércia.
Era de tarde e estava sol, andava na rua e escondido em seus pensamentos momentaneamente irrelevantes, logo acordou do transe, e passou á análise minuciosa do interessantíssimo desenho formado pela chuva a pouco cessada no asfalto escuro.
O sol batia de escanteio e tornava as pequenas lagoas manchas reluzentes e irregulares envoltas de um vapor amarelado que chegava á uns dois palmos de altura, o que era suficiente para encenar o desaparecimento de parte da perna de qualquer pedestre que ficasse num ângulo interessante. Mentalizou como ficaria alguém andando naquela posição especifica, imaginava que iria compor uma imagem interessante e admirável.
"bem que podia ter alguém ali, seria absurdo, cinematográfico" sorriu por alguns segundos em seu 'nano delírio'... "na vida faltam bons personagens".
Se sentiu cansado e desistiu da ideia, sentou na guia e perdeu o olhar naquele incompleto momento.
-Ei! você!- nasce uma voz feminina, tão agradável quanto inquisitiva, de trás- Você está na frente do cenário ô cabeção!
Se inclinou preguiçosamente e olhou a fonte de balburdia de cabeça para baixo:
-É sério isso?
Rindo, ela responde:
-Eu tô fazendo um fotografia mental aqui, não quero lembrar disso com um panguão sentado na frente!
Tentou elaborar uma resposta inteligente, mas encontrou certa dificuldade por estar em baixo, numa posição em que lhe era possível uma análise sistemática e compenetrada da calcinha de sua bela e irritante nova companhia, era de fundo branco com bolinhas de diversas cores. "colorida", inferiu.
-...
-E então?- já menos entusiasmada, mas ainda jocosa - vai ficar olhando pra baixo do meu vestido, ou vai me responder?- disse sentando de forma que impossibilitou a continuidade do estudo que ele estava fazendo.
Mudando posição para facilitar o diálogo, sem deixar de "atrapalhá-la" comenta:
-Estranho, acabei de me incomodar com o fato de não ter ninguém ali, não confio muito no seu gosto pras coisas- tentando ser irônico, mas com pouca eficiência.
-Nem vem com essa, uma personagem demanda muitos quadros, vai ver você simplesmente precisa de alguém na sua “idealização de paisagem”, por carência sepá... bom, de qualquer forma, vai me dar o prazer de sua ausência?
-Nhé... to sossegado.- emenda se espreguiçando.
-larga de ser infantil!
-...- se calou levantando uma das sobrancelhas interrogativamente.
Se olharam sérios por alguns segundos, e em seguida deram breves gargalhadas, ela parou num sorriso tímido, mas estupendo, e olhou timidamente para o chão, ele bocejou e coçou a cabeça com sono, e depois voltou a contemplá-la.
-No que você tá pensando agora?
Até tentou, mas já era tarde demais para ele lembrar, voltara a seu olhar desconexo que manda os pensamentos para outra dimensão, quando retornou a vida, já nem lembrava da pergunta, tampouco do que estava pensando, ou se estava pensando.
-Num mundo sem protagonistas, olhemos para os bons coadjuvantes... sepá que eu tava pensando nas cores que vi agora pouco- disse meio apático, meio jovial.
-Minha calcinha é linda... e onde você quer chegar com isso?
-Hum... Acho que raramente quero chegar a algum lugar - disse em tom sóbrio, em seguida, abriu um sorriso simpático de lado e emendou-Té mais!
Levantou e foi embora sem olhar para trás, com bolas coloridas flutuando á sua volta.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

carta á... - Rolando Vezzoni

Não há como pensar forma mais eficiente de correr uma carta que não será lida, do que um versar dolorido, e sem remetente, um poema de máximas e aforismos.

A manhã já é passado, e vou-me empacotando... tenho de ir.
Prometo que não guardarei razões, apenas a convicção.
Descartei já as culpas simuladas,
junto com os conflitos e torturas.
Lembrarei de bons momentos, e com eles hei de rir.

Pouco importa o pouco importante,
e sei por já ter sido o bastante.
Os traumas eu já tenho... encontrar as frustrações é o intuito.
tenho de ir, a vida figurou-se assim: amo-te muito, odeio-te muito.

A complicada e intensa convivência, é deveras complicada e intensa...
Por isso me afasto desse berço teatral,
para que o meu passado de amor e raiva propensa,
o seja, mas que não vire uma guilhotina umbilical.

Um adeus simbólico nunca é um nunca mais,
mas ainda assim, até nunca mais...
pois...
minha latência me espera com um mundo, e eu quero vê-lo.

entenda, enfim.
A distância provem, não de culpa, mas de ser, e havemos de ser, rotos e distintos.