quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Aos vencedores as coxinhas- Rolando Vezzoni


  Resolvi ir comer alguma coisa, tinha acabado a coca-cola em casa então me senti pressionado a ir até a padaria.
  A padaria sempre foi meu lugar de comer preferido, é um lugar mágico que tem coisas de supermercado e sanduíches que você pode pegar e comer lá mesmo, na hora, sem as pessoas ficarem te olhando feio e conferindo se você vai levar o pacote até o caixa para pagar depois.
  Quando era mais novo tudo era mais fácil, podia abrir uma coca-cola enquanto colocava as coisas bacanas que eu queria no carrinho dos adultos, ninguém partia do pressuposto que eu queria economizar 80 centavos do refri, pensavam apenas que eu estava com sede.
  Sentei naquele único lugar no balcão da padoca que sempre está sujinho e lindo lá te esperando, algo semi-programado, em padarias sempre haverá um lugar sujo especialmente para você.
  Fiquei olhando para aquela cúpula de vidro onde ficam os salgados cujo objetivo antes era ser comido por ser gostoso, e hoje em dia é comido por ser gostoso e entupir artérias e veias... O bacana do mundo de hoje é que tudo faz um puta dum mal do caralho, então fica bem mais gostoso. O cigarro dá câncer, coca-cola dá gastrite, coxinha dá enfarto, batata doce dá gases e peixe cru vagabundo dá caganeira... Existe toda uma variedade de doenças que você pode escolher no cardápio, e o mundo também virou um cardápio gigante com a doce certeza que não faz tanta diferença assim.
  -Opa! Amigo! Manda um pão na chapa com sabor de ponte-safena?
  -Tá vindo já chefe! Com bastante risco de derrame?
  -Sim, por favor! E emenda uma coca-cola zero cancerígena?
  -Claro, quer gelo prá dor de garganta?
  -Sem dúvida!
  Sentou do meu lado um casal, uma moça magra com aspecto saudável, e o sujeito era bastante forte, daqueles que dão tiro de suplemento e tomam Oxiolite pra ir à balada.
  A mulher foi e pediu um iogurte com granola e frutas vermelhas e um suco de melancia e alguma outra coisa impronunciável. O namorado pediu um sanduíche de peito de peru no pão integral com queijo branco, sem passar na “chapa suja de banha”... Pessoas que sabem exatamente como será seu pedido são complicadas.
  Pessoas que estão “cortando o carbo”, “fazendo a dieta da melancia marciana” ou qualquer outra expressão semi-saudável que tenha chego antes da doença em si ou que tenha um efeito antioxidante  deveriam ser proibidas de ir em qualquer lugar com pessoas que realmente tem o ímpeto de se alimentar com alguma dignidade inútil, ou não, foda-se...
  O legal de falar “foda” é que cabe em um numero absurdo de lugares, existe o adjetivo “isso é foda”, existe o substantivo “aquela foda que se dá de manhãzinha”, locução verbal “a vida é uma foda-mal-dada” o verbo “fodeu” entre outros usos importantes dentro da língua portuguesa.
  Existem pessoas que costumam falar “foda-se” um numero incontável de vezes, geralmente com o intuito de se convencer que aquilo(o que quer que seja aquilo que for) não importa, afinal, se realmente não importasse, não mereceria um termo tão intenso.
  Chegou meu pedido.
  -Valeu chefe! Foi rápido hoje!- Juro por Zeus que não fui sarcástico. -Aproveita e me manda uma coxinha prá viagem?
  -Sem problemas meu amigo!
  Existem poucas pessoas mais amistosas que os caras que te servem no balcão, são parte de um sistema de camaradagem intrínseca.
  Comi meu orgástico suicídio em forma de lanche,  peguei minha cicuta pra viagem e fui andando pra uma banca ali perto.
  -Quero aquele maço ali.
  -Cinco contos.
  -Aqui tem dez, quanto tá o refri?
  -Dois e cinquenta.
  -Ok.
  -Aqui seu troco, quer que eu lave a latinha?
  -Por quê?
  -Ela pode estar suja, pode fazer mal.
  -Eu acabei de comprar um maço de cânceres, concorda que vai longe da coerência lavar a latinha que me parece limpa?
  -Tó... Problema é seu.
  Saí sorridente, sentei no banco e abri meu livro, tem pessoas que tem uma vida inteira pra masturbar a saúde até morrer, eu já tinha aquela tarde de mormaço e algumas horas livres.
  Drummond dizia que nascemos grávidos de morte, eu já havia ganhado do mundo todo lembrando isso, eu era um campeão da vida maçante... Eu sou um vencedor no hall dos homens com uma missão, o único problema é que já esqueci a minha missão a muito tempo... Bom, aos vencedores as coxinhas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário