sábado, 10 de novembro de 2012

Adeus, Sr. Conto- Rolando Vezzoni


Procurava começar uma história, mas não via bem por onde.
Havia ideias desconexas, cruzadas cruzando-se, inconclusivas e descontextualizadas.
Olha pra cima, baixo e lados, coça a cabeça e encara o cachorro, tecla cinco e volta seis.
Já ia “desescrevendo” mais que escrevendo, era uma máquina de “desescrever” e não existia quem tivesse tanto domínio da não-escrita como ele aquele dia.
Volta ao vale tudo da memória... Apelar prum texto da própria vida?
Que tal arrebatar o pileque? Bêbado bom não é o ultimo moicano, é o primeiro morto-vivo... Aquele que passeia entre os mortos nos sofás de casas desconhecidas, o primeiro a levantar e ir embora.
Desistiu, a carteira tinha muito espaço vazio e tinha que sentar e escrever, retornava ao arquivo cerebral, há de haver algo.
Contempla uma ideia, era a tentativa: Atentíssima e morena... Riso, muitos risos e non-scence, non-scence e muitos risos... boa ideia?
Claro que sim, mas não é bom colocar um ponto final nesse conto que não foi escrito... Precisa de mais duração, mais tentativa... é esperar vingar na vida pra virar história.
O tempo pelo tempo é o que desgasta um homem.
Outra já foi muito texto, e caos, belo acaso causal, dum ocaso literário que foi prum caso... Tem texto que abriga, e texto que dá briga...O ultimo trouxe boa fortuna, mais um seguido de tópico semelhante seria desperdiçar aventuras.
Teve também aquele que não virou, não foi e também não veio... A decepção é literária, mas quem escreve de fossa é o Cartola, e não apetece nem boné.
Talvez estivesse bebendo da fonte errada... Saudade da época que escrevia dor, e não sobre mulheres... A dor tinha pequeno charme, e fim em si mesma, tudo muito mais fácil.
Como faziam os grandes mestres? Tem de haver algo, pois não é de bloquinho e biblioteca que se faz um escritor, enquanto não descobre a folha prossegue ficando aquele algo meio muito simples, e absolutamente inválido.
Um desenhista, quando acorda enferrujado, rabisca círculos e padrões desconexos para soltar o traço... Começou a falar para soltar a língua e escrever para soltar o verbo.
Persistência é importante, o conto bate em sua testa, avisando que está pronto para ir.
Bom garoto! Mas por favor, na hora de sair de casa, cuidado... Tem gente que nem desgosta e  nem gosta, que  gosta mas não tanto, ou que desgosta muito pouco... Isso sempre dá mais ou menos na mesma apatia virulenta, cujo único objetivo é fazer perder tempo deliberadamente.

Faça amor ou ódio Sr. Conto, vá a lugares, mas prometa jamais perder tempo da vida de ninguém, seja belo ou seja potente... Uma história não pode ser perda de tempo, há de ser a troca de horas por anos de outras vidas, é uma torca injusta Sr. Conto.
Esse pretendia ser potente, tem que escolher se vai ser lírico, piada ou foguete.

E o tal do conto surgiu, cresceu, aprendeu a andar sozinho, como apenas os bons conseguem, e foi lá ganhar o mundo.
A cada página um novo fôlego, e o hábito de não fazer merda nenhuma a respeito de merda nenhuma. Ainda bem que os textos fazem tudo sozinhos, adeus Sr. Conto.

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