quarta-feira, 19 de maio de 2010

Eu quero um nariz novo!- Rolando Vezzoni

Uma mulher andava por uma rua ainda meio vazia pela manha, seu passo era apertado e aflito, usava um chapéu de aba larga, óculos escuros e tampava seu rosto com a mão direita.
No fim da rua havia uma loja, era grande e famosa. Tinha uma fila grande na porta, repleta de homens e mulheres tristes.
A mulher chegou, e se posicionou no fim da fila.
Ao chegar sua vez, entrou relativamente ofegante na loja, esta cheirava bem, era limpa, arrumada e moderna (seu cheiro era doce e sedutor).
Havia um vendedor no balcão, um sujeito jovem, bonito e bem vestido ''nada demais'' pensou ela.
- com licença.
- olá.
- olá - levemente aflita, mas já se acalmando, ainda com sua mão tampando uma região do seu rosto.
- de que tipo de serviço senhorita necessita?
- hoje eu acordei para deixar a casa impecável para um evento hoje, quando em um dos espelhos eu vi – fez uma pausa para tomar ar, agora retirando a mão da face – meu nariz é caído! E eu quero um nariz novo!
- dinheiro ou cheque?
- dinheiro.
- me acompanhe.
O homem a conduziu primeiro a uma sala com um ''scaner'' que lhe ajudou a ''criar'' o que seria o novo nariz, e logo depois a uma sala com um compartimento onde a mulher deitou-se por alguns momentos, exposta a uma luz de tom artificial.
Levantou-se, pagou e foi embora, voltou sorridente para seu apartamento, lindo. Estava perfeita novamente, mas consternada tudo que pensava era: '' quando vou voltar lá mais uma vez?''

Favores- Giovanna Palermo

Já se passara das oito,
e o paciente general esperava
num quarto que cheirava a coito.

Enfim chegou a donzela,
tão domada, tão esbelta
e de pronto fora agarrada.

Pernas, mãos e braços,
tudo em uma desordem harmônica
que inspirava asco.

Ela vivia a sonhar,
queria subir na vida
e se por a dançar.

Ele, já passada a hora da partida,
só queria aproveitar
o gozo carnal da vendida.

Logo um ganido de confissão,
deu o sinal de alerta,
um fim pro grande ato.

Uma respiração infinda
indicava o término da sensação:
ele voltava à sua mulher
e ela tinha seu ganha pão.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

negras nuvens- Tomás Fernandes

Negras nuvens
cabem num céu anil.
Margens caladas;
becos e estradas,
Prédios e semáforos:
Ainda toca uma canção.

(No umbigo do mundo
Um véu de fundo
Esconde o palco
Pulemos essa parte...)

Caro amigo, desconhecido:
Ontem e depois, nunca hoje.
Um gigante faminto
Procura os labirintos
De uma moça sem rosto
E tudo à nossa volta cai
Sem percebermos o fim.

Mais um túnel,
Apenas,
Mais um túnel:
Era carnaval, pelo menos
Era carnaval ainda.

Se nada nos envolve agora
É nosso hades pós-moderno,
Esculpido à imagem e
Semelhança de um anjo
Cruzado vermelho.
Se assim o for sinto muito.