segunda-feira, 28 de maio de 2012

Cores - Bruno Santana


Tenho sonhado com cores:
Cores diversas
De paleta complexa
Sintéticas e naturais

Misturadas e arranjadas
em peças coloridas
de vivacidade fantástica
e encanto indescritível

Tenho sonhado com cores,
Pensado em tons,
Composto nuances,
Feito misturas

Cores oníricas
Cores em pó
Cores em caldo
Cores em canto

Encantando o poeta
perturbando o sono
preenchendo a noite
rearranjando pensamentos

Cores não aparecem em vida
Cores estreiam em sonhos
Cores desbotam ao sol
Cores, cores, cores, cores.

Cores me dizendo
para correr ao pincel
deitar à tela cada angústia
pensamento, confusão e loucura

Transformando em composição
tudo aquilo que foi
e deve ser rearranjado
Para um dia ser encerrado.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Aos covardes e seus poemas- Rolando Vezzoni


   Chegou a sua casa e abriu um vinho, era ácido e charmoso (charmoso e ácido por já ter sido vinho algum dia, e hoje lembrar vinagre), tanto quem toma... Quanto o que se toma.
   Ficou desorientado, sempre que chega em casa fica assim, bocejou e deitou no chão, com a garrafa perfeitamente equilibrada, depois acendeu um cigarro.
    “médio? Mérdio.” Sorriu “ela realmente incomoda, um grande avanço!” da uma tragada “huuum... uma apatia simpática, grande avanço, é tudo que eu preciso”.
   Uma, ou até duas horas passaram,  lembrou-se de um bom amigo, que sempre andava com uma agenda onde anotava todo o tipo de pensamento, desde o mais banal, até a maravilhosa caricatura da perspicácia e genialidade.
    Algo muito peculiar acontecia com seu amigo, por mais que muito pudesse, jamais escrevia nada, se maquiava de mudo, talvez não por medo, ou o quer que fosse, na verdade era provavelmente por preguiça e falta de fé em sua realização. Se não realiza, como poderá ficar minimamente frustrado?
    “é bem fácil pensar nisso, mas... pensar nisso não pode vir do nada” riu, e sabia que iniciaria uma sistemática sessão de autoanálise “merda, talvez se eu resolver essa garrafa mais rapidamente, dê tempo de parar essa porra”.
    Uma vez seu amigo escreveu um poema, sim, uma vez... “muito bom inclusive!” dizia ele,
Mas o fato é: o poema foi perdido, e como é sabido que não se pode escrever o mesmo bom poema duas vezes, nunca mais escreveu nada.
    “acho que ele não é o único assim” um bocado de cinza caiu no chão e fez uma montanha pequena, épica e cinza ”quero fazer algo que ninguém pode fazer por mim, mas o banheiro é muito longe, vou segurar” tinha plena consciência da sua dificuldade de levantar e fazer o que precisa (em todos os aspectos da sua vida, sabe tão bem que a vida continua que acaba só esperando ela continuar).
     Recebeu uma mensagem de sua grande apatia simpática, leu, e respondeu com dificuldade a mensagem dela.
     “uma noitada vazia demanda mais noitadas vazias, quando para, sente que a cabeça vai explodir, a fragilidade vem à tona” encolheu-se tentando segurar, constatou que o cigarro apagou e acabou o vinho, então cheirou a boca da garrafa.
    O vinho não tem que ser bom, só tem que ser vinho, o cheiro quase não muda, é sempre um  vapor etílico roxo que entorpece as narinas perfumando, e avermelha a face, tem cheiro de porre, de paixão, ou de qualquer outra coisa do tipo.
     “Meu colega perdeu o poema, será que ele tem prisão de ventre?” riu “em que caralhos eu estou pensando?” sabia que tinha alguma coisa em algum lugar, não sabia o que era “médio, definitivamente mérdio”.
     Levantou e foi ao banheiro, claro, esperando a próxima mensagem, e rindo pensando em quanto tempo demoraria para que ele mesmo perdesse seu poema.

domingo, 20 de maio de 2012

Floresta cibernética- Bruno Santana


Florestas cinéticas
transparecendo em folhas ciberbéticas
da rua de volta
da casa para escola.

Correndo no cascalho
na estória que não poderia ser errada
uma manga cai no chão
as meninas riem, se riem todas.

O sinal é antes de tudo
hora de correr pelo pátio
hora de escapar
de qualquer amarra católica.

Agora enfrento, até o mais valente de 1998
as esferas não são de chumbo
a aro forte azul não me espera
hoje coloco meus pés fora da terra.

Acerta como aço incandescente
a têmpora descoberta pelo cabelo certo
perto da casa do otário
um soco resvalado, me apagando pelo lado.

Cai, chorei, rastejei
o valentão sorria, gargalhava e as garotas acenavam
aproximaram-se para olhar o cadáver
e abraçar o canalha.

A aro forte azul chegou
de barba, botina, camisa e calça jeans
me arrancou pelo colarinho e jogou-me na garupa
contando histórias

de porque não brigar por um boi,
mas não sair nem por uma boiada.

domingo, 13 de maio de 2012

Parada- Tomás Fernandes

Nesse exato momento estou sentado num banco numa parada de ônibus no meio da estrada. A caneta de plástico na minha mão está gelada, preferia ter um lápis um apontador e uma borracha, afinal sempre há o medo de borrar um pouco essa pedaço de papel envelhecido que deve ter encontrado no meio das minhas coisas. Na verdade já borrei um pouco.
Um velho está sentado ao meu lado. Ele fuma um cigarro e lê uma revista, de um tipo qualquer que pode ser lida por qualquer pessoa sentada num banco. O cigarro é de uma marca padrão, assim como o meu e também minha caneta, meu caderno e até nossas roupas que nem distinguem a nossa idade; ainda assim é o meu cigarro, a minha caneta, o meu caderno e as minhas roupas, tenho certeza disso. Não que isso faça diferença pra ele, que está apenas esperando o ônibus. Ppara mim por outro lado faz toda a diferença do mundo a minha caneta ter um sabor um pouco diferente daquelas que eu mordiscava nas aulas de geografia do ginásio.
Talvez já tenha conseguido explicar que na verdade não estou esperando qualquer um dos ônibus que estão na minha frente. Na verdade espero muito mais: ainda não sei qual eu vou pegar, embora devesse continuar seguindo pelo mesmo que vai levar ao destino que eu deveria ter escolhido quando o peguei. Claro, isso vai exigir um pouquinho de trabalho: subir ás escondidas e procurar um lugar vazio, encontrar algum motorista mais simpático que aceita um pequeno capricho desses, ou algum mais solícito ao dinheiro que guardo no bolso e me deixe sentar ao seu lado para ver a estrada (A estrada porque todas as estradas enquanto estradas são sempre a mesma coisa).
Mas, por que? Tem algum sentido nos meus atos? Gostaria tanto que tivesse, que fosse uma vontade pura, algo impensado e necessário, mas na verdade não sinto isso. Também não sinto querer chegar em algum qualquer lugar, quero na verdade não saber onde vou chegar, espero na verdade nunca chegar. Nada muito difícil, é só subir em qualquer um deles e descer na próxima parada. Não em uma cidade por favor, não quero identidade nenhuma, algum lugar como esse aqui.
Seria tão mais óbvio se fosse um ato de coragem, de perseguir a liberdade ou algo do gênero. Óbvio mas muito mais verdadeiro, muito mais...seguro de uma maneira boa. Não, é a outra opção óbvia, estou fugindo. Uma fuga completa, pura, a fuga pela fuga, quero entrar nela e viver para todo o sempre(ou pelo menos no tempo que é todo o sempre).
Minha mulher me disse que para quem é corajoso tudo se resolve. Na verdade aí o corajoso é aquele que se dispõe, o que consegue perceber o momento, sua condição e ainda assim atravessar isso, para moldar então o próximo instante. Eu sou um covarde, sempre fui um covarde, só posso querer ser um covarde, á parte isso não tenho em mim nenhum dos sonhos do mundo. Eu quero os sonhos do mundo, droga, só que isso é um capricho grande demais pra um covarde, então agora eu quero só o mundo.
Por ser um covarde tomei todas as pílulas que suavizam o inferno, o caos. Mulher, comida, dinheiro, livros... Mas cada vez o efeito era menor e menor e menor, ao mesmo tempo em que isso criava sua própria vida que se tornava então a minha própria. Uma vida externa a mim... e há anos não há outra.
Toda vida tem como objetivo acabar. Normalmente isso acontece quando falta ar nos pulmões ou o sangue pára de circular. Comigo não aconteceu nada disso. Um dia cheguei um pouco mais cedo do trabalho depois de passar na casa da minha amante e quando entrei em casa descobri minha mulher com o próprio amante. Eu já sabia, ela já sabia que eu sabia e os outros também. 
Eu poderia muito bem ter dito um oi, desculpe por atrapalhar, que tal um vinho? E quase fiz isso: antes de perceberem estava na cozinha pegando uma garrafa, mas de repente resolvi seguir a bula à risca. Quebrei a garrafa na cabeça dele, joguei minha mulher no chão e senti o prazer da ira(que surgiu dentro dos conformes). Até cai de bruços e comecei a soluçar no auge da autopiedade, que acalorava todo meu corpo naquele momento. O homem foi embora e minha mulher em vez de me abraçar pedindo desculpas, disse que eu era um idiota.
Enquanto eu ficava falsamente estupefato com a resposta dela, minha esposa ia jogando pela janela tudo o que era meu que encontrasse pela frente. Um livro que ela mesma havia me dado uma semana antes, todas as minhas roupas, meus cds, meus livros, quadros, fotografias... Parecia que toda a minha vida ia caindo na rua e se despedançando sob as rodas dos automóveis. E era impressionante a beleza daquilo, a destruição de todas aquelas coisas sem o menor significado, cds ouvidos só pelo ouvido, livros lidos só pelos olhos...
Foi assim, perdi aquilo que eu chamava vida, não estou aqui para procurar outra, ou para criar outra. Poderia ter me suicidado há tempos, mas não consegui, posso destruir o corpo que sobrou, mas já disse que sou covarde. Só quero me envolver totalmente na covardia agora.
Não vou escolher o ônibus. Agora boto uns óculos escuros, fecho os olhos, coloco minha caneta sobre o caderno e a giro. Sinto com as mãos para onde está apontando e vou cego até o ônibus. Ninguém abordaria um cego, é claro. Agora abro os olhos, escolho um assento. Por sorte não há ninguém.

Lados congratulados -Jéssica Dacquarica


Me brota instinto de projetar na sua mente
o que a barreira das anti ilusoes
anti prisoes e anti razoes
te impede de avistar

O meu Eu Sensato diz:
"eis que me surge perante o peito
mais um alguem que arranca
parte de mim e a personifica
numa audaciosa hiperbole ambulante
rabiscando o certo e o errado por onde passa
sem ter quem que por si o faça
sistematicamente intuido a mostrar
sua tese against the system

todavia, o meu Eu Procrastinador
proclama impetuosamente
a independencia da complexa personalidade singular
nao sobrevive o fim nem o inicio
celebre a vida