terça-feira, 9 de outubro de 2012

Sujeito-ponteiro e garoto-futuro- Rolando Vezzoni

Estava dormindo, não propriamente dormindo, mas quase lá. O banco da praça era confortável, era de tarde, o sol estava vermelho e o resto todo em tom pastel, agradabilíssimo. Era um daqueles momentos caricatos, tão confortáveis que vinham com trilha sonora, as quatro estações do Vivaldi ululavam em sua mente.
Um grito histérico quebrou tudo:
-Acorda aí garotão, existem "miliquinhentas" coisas para se fazer!
-hum? sim, entre elas cochilar...- disse fechando os olhos.
-Vamos, tenho pressa, tempo é dinheiro, dinheiro é tempo e eu não tenho nunca nenhum dos dois!
-Qual o seu problema? Tá com síndrome de Carrol? É cosplay de coelho?
-Não! é bem diferente, a menina seguia o coelho e o coelho seguia o ponteiro, eram outros tempos!
Não se deu ao trabalho de perguntar, apenas levantou o a sobrancelha interrogativo.
-Não entendeu? eu explico meu querido! mas de forma rápida e objetiva, exclamativa e corrida! Meu querido amigo, hoje em dia quando não se corre atrás do relógio, o relógio corre atrás de você!
-Do que você ta falando?
-Vem logo! - disse sorridente e alucinado o sujeito-ponteiro puxando-o - Vamos correndo que eu te faço entender, e farei de forma pragmática para otimizar o processo!
Começou a correr confuso e esperando a explicação, queria entender tudo aquilo, mas o ritmo frenético estava tornando tudo muito mais complicado.
-É bom correr, correr é saudável e ser saudável o faz durar mais, e ter mais energia para produzir muito mais em um período menor de tempo, e durando mais vai poder trabalhar muito mais tempo para aproveitar a velhice!
-Que? Do que você ta falando? Não vejo tranquilidade alguma nisso.
-Hahahahaha! Não to falando de tranquilidade! Se quer tranquilidade vá plantar cenouras ou fazer artesanato com senhoras viúvas!- Disse em tom jocoso, mas não muito jocoso por estar correndo e falando, o que tornava quase impossível utilizar qualquer tipo de entonação significativa para qualquer fim.- E que ritmo é esse? está sem ritmo! mais ritmo, frequência e estabilidade.
-"Calmaí"! Calma! Do que que você ta falando?
-Inconsciência ou morte meu querido! inconsciência ou morte! As novas máximas meu querido! O máximo que se pode fazer é ler o jornal, mas leia por cima e escolha seu time! manchete, manchete e escândalo, "tcha-rã"! Pronto sinta-se engajado, isso agora calce seus tênis de couro e reclame dos gados poluentes! Hahahahaha! Está acompanhando? hem? hem?
-eu... to... cansado..!- Disse ofegante e suado.
-Deus ajuda quem cedo madruga! é meu querido! Você acha que o Eike acorda 11 horas? talvez, eu já não sei isso!
-Onde... Estamos? eu... nunca... vim pra cá...
-Respira! Respira e olha pra frente, tanto faz onde estamos, o importante é para onde estamos indo! corrida e cabresto meu querido! corrida e cabresto!
-Que?! Mais devagar cara!
-Ei! Quem foi para o segundo turno? De que partido ele era? Quais suas promessas? Não sabe, não é mesmo? hahahaha! Você e seu momento, você e seu passado! Hoje é mais importante saber que está no segundo turno do que quem é o Ghandi, não sabia? Hem meu querido? Churchill já morreu, napoleão e césar e suseranos e vassalos, já foram as barricadas e o resto todo! Está acompanhando?
-Não!- puxa todo o ar que consegue ainda correndo, gotejando de suor- Não to com tempo pra pensar nisso! Tenho que respirar, descansar, sei lá!
-É isso! Você meu amigo, é jovem, e os jovens não existem agora, não sabia? os jovens são o FUTURO! nunca escutou isso meu querido?
-Eu não aguento mais!- disse parando aos poucos- vou sentar aqui, descansar e aproveitar a tarde!- Se conseguisse ignorar o sangue fervendo correndo, a fadiga física e mental.
-Hahahah, muito interessante meu querido, mas a tarde já passou faz tempo!
Olhou a sua volta.
-Tenho que continuar, meu querido! O tempo não para, não é mesmo?! hahahah! adeus!
E era noite, nada mais era vermelho e estava silencioso, só queria dormir, estava muito cansado para Vivaldi, muito cansando para qualquer coisa, e não tinha tarde nenhuma para se lembrar e havia acabado de entender, de forma pragmática e objetiva, o que o sujeito-ponteiro queria dizer.

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