terça-feira, 2 de outubro de 2012

Colhões de volta ao lar- Rolando Vezzoni

Ele e ela estavam sentados, era festa e barulho com pessoas correndo, pulando e rindo, havia também um sujeito dormindo enfiado na lareira, e uma garota vomitando pra fora do terraço, o cenário era plural, insano, esfumaçado e convidativo de forma assustadora .. bom, ele pensava assim, ela já queria acreditar que aquilo tudo era muito confortável... as mulheres de verdade não tem medo, não de coisas assim, e também não esquecem nada, ficam carregando a coisa toda para sempre, suportando de forma orgulhosa e perfumada, ela era assim... ele não, ele era um homem, e os homens são mais fracos, mas um de verdade é um fraco com capacidade de se jogar e se fuder deliberadamente, não participa das coisas, observa e interage, convive e segura todas as cicatrizes que puder para algum dia ficar calejado o suficiente e conseguir  alcançar uma dignidade inútil.
Acendendo seu cigarro cerimoniosamente olha para ela e ri de lado, sempre soube que ela tinha aquele sorriso, mas não parava pra pensar sobre isso a alguns anos, não lembrava bem, pois aceitava a noção de oportunidade perdida e de seguir em frente, "tudo isso fazia parte de tudo aquilo", pensou, e por mais arbitrária que seja essa definição, cabia perfeitamente no contexto cerebral mesclado de medo, tesão e porre, bastante porre.
-Puts... porre!- exclama sem perceber que a moça não havia seguido sua linha de raciocínio e não fazia ideia do que ele estava pensando.
-hum? do que você ta falando?- disse rindo animadamente- hahaha, você sempre ficou no seu mundo, pirado! hahah- depois encerra encostando a testa no peito dele ainda feliz.
É assim que funcionam as coisas funcionais, não importa o tempo e o contexto e o caralho.
-Ei, faz alguns anos que agente não se vê, fiquei feliz de ter vindo hoje- disse, e matou a cerveja.
-Siim! agente não saia dês daquela festa que seu amigo vomitou no seu pé!- sua voz sempre carregava algum entusiasmo natural, mas não intenso o suficiente pra chatear ou agradar profundamente.
-É, o sujeito atrapalhou a porra toda, agora que já faz anos nem tem problema falar...- tranquilamente dando uma tragada antes de continuar- você manja o que eu to falando...
Hesitando um pouco despreparada replica:
-Não consegui deixar claro que gostava de você, era novinha... até me arrependo um pouco.- sorri- Mas no final é sempre assim, e ninguém contava com aquele gorfo! hahahaha
-hahahaha! E seu namorado é um cara bacana... mas é bom lembrar dessas coisas...
-E eu nem sabia que você também queria, no final eu achei que você tinha desencanado ou que não queria nada, sabe?
-Ei! Relaxa, não deu tempo de estragar, sempre poderemos pensar sobre como poderia ter sido, a vida é assim- Falava a verdade, depois de destruir alguns relacionamentos e galinhar por todas as noites havia sacado que a ideia de que algumas coisas, que não aconteceram, poderiam ter funcionado, dava-lhe esperanças de que ainda viriam coisas boas, uma noção de felicidade paralela que serve de corrimão.- hum, o que me diz dessa garrafa lacrada a nossa frente?
-Atraente!
-Eu considero um objetivo a ser alcançado!
-Um brinde ao que poderia ter sido e não foi!
-Um brinde!
Coisas completamente distantes e relevantes devem ser tratadas com algo precioso, digno de um brinde e algumas risadas, ele era fraco, e por ser fraco tinha colhões o suficiente para se tornar um bom amigo sem arrependimentos.
Um brinde e um black-out, ela foi dormir com o namorado momentos depois, muito embora nunca venha a esquecer de nada daquilo, pois era uma mulher de verdade. Já ele acordou num sofá estranho, depois entre dois colchões estranhos, como dia anterior que havia acordado num carro cheio de amigos bêbados dormindo com a cabeça pra fora da janela, com um homem de verdade as coisas estalam, acontecem, um homem real não pretende a mulher do outro.... acorda e lembra, e caminha pra casa cansado, cambaleando e coçando as novas cicatrizes carregadas de esperança, enrolando um cigarro que encontrou rasgado na mesa da casa estranha... sempre rumo ao lar!
Chegar ao lar é lembrar disso, deitar na cama solitária e se lembrar que ficar sozinho é bravura pura, e pessoas excessivamente fortes não entendem a força de um passo.

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