domingo, 28 de outubro de 2012

Rocha peixe, barco bode -Rolando Vezzoni


    Morava numa casa no meio do nada. Casa concreta, substantivo concreto, concretada ao solo e concretizada como algo... certamente um casa. Já o nada é um tanto mais complicado pelo fato de ser alguma coisa, e qualquer nada que seja alguma coisa pode deixar a explicação toda mais atrapalhada.
    O nada consistia numa espécie de movimento rotativo que anoitecia e amanhecia irritantemente todas as manhãs e entardeceres, a pintura era azul, com eventuais borrões brancos, o que tornava todo o nada algo minimamente dinâmico.
     E essa casa abraçada pelo nada era um tanto comum, aliás, de estranho só a assinatura "barco", sim, "barco" era como se chamava, havia uma placa na frente da casa apontado-a dessa forma. Por que? Bom, talvez porque ela quer navegar, Fernandinho dizia que navegar é preciso.
    Naquela terra qualquer chão é estrada, e convenientemente, tem chão pra todo o lado dali, só pra lembrar que estar na estrada é inevitável, e onde tem estrada, tem caminho... e se todo caminho vai pra Roma, justíssimo trombar em trombas de transeuntes eventuais.
    A coisa é que a casa concreta pretende coisas, o que é um caminho abstrato para uma casa comum pensar a respeito, em razão de que a principio as casas não pensam, elas estão lá, pessoas vem, passam e vão e voltam... mas não ficam, casas tem espaço guardado, mas não correm atras, são concretadas, seria como pedir para um cego olhar aquela bunda, pro surdo escutar aquele som e pro aleijado levantar pruma grávida sentar no lugar dele no busão...
    E sempre foi boa com despedidas como havia de ser, e tudo ia na marcha lenta irritante de amanheceres e boas noites, até um dia que choveu, não dava para saber exatamente se a chuva partia do chão ou do céu, eram cordões gigantes e transparentes, aparentemente molhados... e assim foi por algum tempo, mas não sabe-se quanto tempo, pois o relógio morreu afogado, e se fosse para estimar, soaria por demais bíblico, mas pode ser dito que o suficiente para a casa perceber que não era e jamais seria um barco, o barco boiaria e sairia dali.
   Mas o nada todo virou alguma coisa, e como havia de ser, a casa estava submersa nessa alguma coisa...
Não navegaria, Fernandinho se enganara, um barco boia... agora, um submarino? um submarino afunda, e o destino faz da rocha um peixe e do barco um bode.

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