terça-feira, 23 de outubro de 2012

Em tempos de bichos escrotos (parte 2)- Rolando Vezzoni


Jazia prostrado enquanto o Peralta pescava, pulava, ria, bebia e falava com um grupo de desconhecidos animados, rompeu a ausência de pensamentos concretos que durava mais de duas horas inferindo: “Peralta é um bom apelido”
Estava extremamente quente, e o peixeiro era potencialmente o lugar mais fedido que já havia encontrado pela frente, tinham umas sete pessoas quase tão mal vestidas quanto ele, que estava com chinelos de hospital, calça Levis e descabelado, seus óculos escuros tinham as lentes tão sujas que até tornava o ambiente mais interessante... Talvez mais aceitável.
Repentinamente:
-Porra garotão! Olha só quem ta aqui! O Serguei!-Disse Peralta muito peralta.
-Que Serguei?
-Aquele maluco! O que comeu a Janis Joplin!
-Que apareceu no Jô daqui uns 17 anos?
-é! Bacana né?
Respira fundo, limpa o nariz e torna o olhar.
-Não! Não é bacana porra nenhuma! Como eu vim parar em 1989? Como foram meus últimos meses? E me explica, por favor, a razão de estarmos fugindo pela porra do país?! É o que isso?
-Pô, sei lá, vai ver voltar no tempo fudeu seu cérebro!
Depois de se encolher e roncar um pouco em desespero acende um cigarro e olha com profundo desespero para seu amigo que esbanjava um sorriso constante.
Diz:
- O desespero oscila, mas não passa...
Peralta olha confuso, depois boceja e coça a cabeça olhando para cima:
-então, a coisa toda é meio idiota... Foi um problema burocrático, aparentemente, o fato de não existirmos ainda, implica que somos ilegais por aqui...
-mas... Não importa muito... Pelo menos isso não é tão perigoso...
-ahhhhh... Então, tem outro problema. Foi mais ou menos assim: Eu sou fã de futebol e pá, então chegamos a conclusão que apostar em jogos que sabemos o resultado era uma boa, manja? Até aí tudo certo... Que nem naquele filme da banheira, manja? Mas o pessoal do bar ficou puto... Aí falaram com o PM que ajudava os caras, e tipo... Agora pensam que agente assaltou o bar lá... Aliás, não “assaltamos”, pois não teve violência, mas que “roubamos”... é mais ou menos isso...
-Quanto?
-uns 130 mil pau a dois meses, agora nem manjo quanto sobrou...
-e a super inflação?
-é dólar...
-isso é um problema...
-é nada, “tâmo” com uma grana da porra, temos uma fêmea que “existe” pra ajudar agente... e os anos 80 são bacanas!
-Não é bacana! Não é! É tipo o limbo, é uma década que já existe AIDS e não existe micro-shorts, o Brasil ta todo quebrado e agente ainda não nasceu, sê tem alguma idéia do tamanho da cagada que é isso? Hem?! E se agente romper a continuo espaço tempo, o que quer que seja isso? Ou sumir, ou alterar o futuro de forma estúpida?
-ei! Duas coisas cara! Duas coisas! Um, para de gritar assim, se num to ligado que é bom evitar parecer completamente louco num pesqueiro público?
Nosso herói não fala nada, apenas ri baixo e olha pro chão esperando o “dois”.
-E dois... O combinado é partir do pressuposto que tudo meio que já aconteceu e que no passado nós fomos existentes antes da nossa existência e por isso ta tudo certo e vai tudo se encaixar...
-quê?
-Ignorar e ver o que rola...
-ah.
-“eeeeeeeeeeuuuuuu ssoooooooooooou  piiiiiiiiscicodélicooo!!!”-interrompe Serguei.
Já estava começando a aceitar tudo aquilo, tenta engajar uma conversa.
-Opa, beleza?
-éééééé!
-Prazer conhecer... Você não é aquele cantor?
-Eu comi a Janis Joplin.
-Ah, sim...

 (continua)

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