domingo, 14 de outubro de 2012

Em tempos de bichos escrotos (parte 1)- Rolando Vezzoni


   Era a quarta vez que o telefone roncava no criado mudo, e a quarta vez que o sono impedia-o de atender.
   “Atende aí porra!” disse uma voz doce abafada por um travesseiro, o que o deixou bastante feliz, é adorável acordar com uma voz dessas ao seu lado.
   “Uahhh!!!” Acordou e espreguiçou-se e olhou a sua volta tranquilamente por alguns segundos, só o suficiente até perceber que nunca havia estado naquele quarto antes, que não fazia idéia de que era tudo aquilo envolta dele e nem quem era a dona daquele conjunto maravilhoso de quadris, bunda, costa e coxa de voz doce e cara afundada no travesseiro ao seu lado.
   Levantou interrogativo e foi ao banheiro daquela suíte, no banheiro havia uma escova de dentes rosa e um verde, inferiu que a verde deveria ser a sua, junto com todas coisas que pareciam suas e estavam no banheiro.
   Fechou a porta em silêncio, estava completamente pelado, e de meias, enquanto urinava ficou pensando no que era pior, se era o fato de não fazer idéia do que estava acontecendo ou o fato de ele ter trepado de meia.
   “Eeeeiii! Eu sei que se num curte atender o telefone de manhã... mas é a quinta vez que ta tocando, deve ser o Peralta que ta te ligando, atende o cara antes que ele tenha um chilique!” mas uma vez lhe fala a voz doce, mostrando bastante intimidade... Como ela poderia saber que ele não gostava de atender o telefone, ou pior, que era o Peralta?
   Chacoalhou bem rápido, entrou e começou a procurar o celular que estava tocando, bastante constrangido, mas sem intenção nenhuma de escutar reclamações da musa sem rosto.
    “Alô!?” era um telefone ridículo, azul calcinha de discar rodando, daqueles que vendem em feiras cafonas de antiguidade “opa! To passando ai no hotel, desce logo cara, eu tive uma idéia brilhante! Se tem cigarro?” a voz era 100% estranha, mas devido a todo aquele contexto sentiu que era melhor seguir o fluxo do que acontecia até se situar melhor “ok, ok, mas eu não tenho cigarro não! Ta frio aí fora?” pergunta clássica de um bom paulistano “frio?! Hahahaha! Ooopa! Nevando! Hahahaha! Eu vou comprar uns maços, já vai se arrumando aí seu porra!” “mas...” o tal do Peralta desligou.
    “Que merda ta acontecendo aqui?” pensou, olhou o relógio era meio-dia, pegou o jornal do dia anterior que tava no chão do quarto... Era quarta feira de... “quê?” “não é possível” tornou o olhar pro celular “novembro” respirou fundo e riu alto “como assim novembro, isso ta errado, um porre de sexta feira de setembro e eu venho parar numa quarta feira de novembro?” ,”aliás, 20 de novembro” “mais de dois meses?” “ow, peraí, esse jornal tem mais de 20 anos!”
     Procurou algum cigarro no cômodo, e achou um pela metade num cinzeiro, acendeu, achou uma calça e um par de óculos escuros... Nenhuma camiseta. Só tinha umas cinco camisas de linho azul claro e de manga curta que ele nunca usaria na vida dele, se não num contexto como esse, no qual ele tinha que descer bem rápido pra encontrar o Peralta.
Se vestiu e calçou um chinelo de hospital que achou ali, e descabelado e com a barba por fazer desceu o lobby daquele hotel meio nojento que estava.
     “Ei! Patrão! bom dia! O senhor derrubou a carteira na escada ontem, ainda bem que eu encontrei!”.
    “ahh! Muito obrigado!” disse conferindo o conteúdo “ que notas são essas?” olhou pra cima e respirou fundo “Cruzeiros? Cruzados? Que porra é essa? Que porra é essa? Tem uns dólares aqui!? Que porra?!”
    Mais um momento surreal, o carioca que chamou ele de patrão parecia lhe conhecer bem, a quanto tempo estaria naquele lugar, alias, onde era aquele lugar?
Na porta era tudo meio normal, mas era um bairro que ele não conhecia “que calor do caralho!” inferiu.
    Uma buzina irritante de fusca cortou a harmonia, e lá de dentro desse fusca conversível e amarelo aparece um sujeito de cara simpática e sorridente, um negão magrelo de camisa dos titãs que parecia ter pulado diretamente dos anos 80, tinha ratos e baratas estampados, do álbum “bichos escrotos”, ridícula, porém era a melhor vestimenta para alguém aparecer nesse contexto insólito e confuso.
    “Peralta!?” chamou “Bacana a camisa” disse tentando parecer natural.
    “Hahahaha, Você sempre fala isso! Então big boy, entrai!”
    Esse sujeito era conhecido dele sim, trabalhava no mesmo lugar que ele, mas não lembrava ter conversado nenhuma vez.
    Entrou no fusca, tocava um jaz cafona, o Negão lhe estendeu o cigarro e disse:
    “Bom, já ta tarde, mas a galera já ta esperando agente no pesqueiro! Comprei umas varas vagabundas e é nui!”
    “Beleza... esse jazz combina com toda a atmosfera daqui, falaí?” Disse tentando descobrir onde estava.
    “Pena que é nosso ultimo dia aqui no Rio, amanhã vamos pra alguma cidade do interior, antes que achem agente!”
    “quê?!”


Continua...

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