segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O vizinho constipado e os mosquitos bêbados- Rolando Vezzoni

Bebia cerveja.
Haviam incontáveis mosquitos no cômodo, aliás, um acabava de pousar no seu braço, provavelmente chupava seu sangue, e embriagava-se inconscientemente do álcool que jazia rodando em sua corrente sanguínea, talvez também fosse assim com as pessoas, estas que bebiam a vida umas das outras, curtiam a existência alheia com “predadorismo” inconsequente, com festas, bares e instituições. Os mosquitos que voavam sobre sua inércia etílica eram tão profundos quantos os Sartres e Nietezches que pensavam a respeito disso, sabiam disso, e estavam cagando pra isso.
Bebia cerveja, se perguntando se os mosquitos ficavam bêbados com o álcool da sua corrente sanguínea.
Lembrou do episódio incomum, ou até paradoxal, que havia havido de ser tão pouco antes, uma discução digna de um dr. Manhatan, mas que foi na realidade com o vizinho.
Porque paradoxal querido leitor? Bom, voltemos para o primeiro contato:
Quando muito jovem tomava cerveja com um amigo no telhado duma casa abandonada, seu antigo monumento do foda-se pré-adolescente, casa essa onde quebrara o cabaço da sobriedade e do sexo.
Estavam rindo dos amigos e amigas “ignorantes” que não ouviam beatles pensando nas ideias hippies da verdade(oh, as ideias ainda eram absolutas, o “all you need is love” ainda era verdade!), e dando severas talagadas da cerveja quente. Quando o vizinho “cretino” gritou e praguejou contra eles, chamou-os de futuros alcoólatras, e disse que se não sublimassem naquele segundo iria chamar a polícia ou a swat ou a tropa de elite ou a nasa, algo do tipo.
Bom, posso dizer que sumiram, e que o sujeito acordou no dia seguinte com todos os pneus do carro furados e com uma peça de merda no vidro dianteiro do carro dele, mas isso não vem ao caso.
Esse foi o prelúdio, voltemos ao hoje.
O tempo passou, a casa foi demolida, as pessoas envelheceram, mas o vizinho estava lá ainda, e ele também.
Ele andava embriagado, ao ponto além da embriaguez que sofria e que tinha uma consciência confusa pelo álcool, ou seja, era a bebedeira que já passava, e lhe tornava alguém normal, daquele tipo que achava que Kafka era comida árabe.
Parou na frente da casa desse sujeito antes citado, o conflito havia ocorrido faziam cinco anos ou mais, eram três da manhã e o cachorro cagava no jardim da frente deliberadamente, riu, seu cachorro lembrava ele mais novo.
“PAFT”( foi a melhor onomatopeia que me ocorreu), a porta bateu, o sujeito saiu da casa e disse:
-O que você está fazendo na porra da minha casa!??!?!
-Você realmente se importa com isso?
-Seu cachorro tá cagando na porra do meu jardim!
-Não grite, já é tarde, quer uma cerveja? Sabe, somos vizinhos a uma década, não tem sentido isso...
-que?
-Bom, você já devia estar acordado mesmo, tem o quê a perder? E além disso, é a segunda vez que te perturbo, e é a segunda vez que me ameaça, isso não terá fim se você não mudar de temperamento, sabe, é você que tem que ser maduro, tem umas três décadas a mais que eu.
-Ah, tá bom.
Sentou do meu lado, era um cinquentão careca e peludo, com um pijama do Snoopy, pegou a cerveja.
-Jovem, não entendo, o que você esta fazendo sozinho na rua a essa hora? Cade os seus amigos e a mulherada?
-Bateu uma ressaca de gente conhecida, to de saco um pouco cheio da masturbação mental cotidiana...
-Hum- disse tirando beedies do bolso- fuma?
-Tabaco indiano? Claro.
Ficaram admirando a fumaça dourada pela luz amarela do poste.
-Sabe, na minha época eu não bebia com velhos na rua de madrugada, só pensava em arrumar uma buceta, ou que vestibular eu ia prestar, como seria meu futuro.
-Hum... o que acha disso hoje?
-Minha vida é uma bosta perto do que eu imaginava.
-Ah... Niilismo acaba com as pessoas, eu não, tenho outro problema, não entendo como se prender a isso, me falta ímpeto pra traçar planos efetivamente.
-Mas parece bastante inteligente, como pode ser tão desiludido.
-Já olhou a sua biblioteca e percebeu que não tem mais volta?
-Não leio muito, minha única biblioteca é de pornografia, guardo no criado mudo da minha ex-mulher... nada tem volta.-Você só entende a vida quando fica constipado, a prisão de ventre é uma anedota da existência- disse apagando o cigarro.-, você quer se livrar de tudo que engoliu, não consegue e enfiam alguma coisa no seu cu pra soltar a merda toda que tá la dentro antes de você explodir, daí vão te enchendo de merda de novo.
-Sabe, agente vai morrer eventualmente, não sei se vale a pena passar a vida como um bêbado, mas passar com o cu entalado também é bem insuportável...
-Deve ter alguma espécie de meio termo mais suportável...
-Bom, quem sabe bater bem forte com a cabeça e se tornar um imbecil...- disse dando um peteleco na bituca que ficou fumegando no meio da rua.
-Acho que não, você pode se enganar o quanto quiser, o mundo todo tá nadando no mesmo esgoto.
-Pode ser, o que você faz?
-Eu fecho os olhos, esqueço da minha impotência e fico constipado, vou me conformando, você?
-Bebo e caço mulher, como, faço o mínimo na escola, me escondo atrás de livros... no fim, acho que também fecho meus olhos, só que da minha forma, e vou caminhado.
-Ah! Foda-se.-disse matando a cerveja.
-Justo, foda-se.
Levantaram e foram andando para as suas casas.
Agora tomava o fim da ultima cerveja do engradado enquanto lembrava disso.
Bebia cerveja, sabendo que quando dormisse, não ia sonhar.

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