segunda-feira, 23 de agosto de 2010

a rua- Lígia Fernandes

Saio para dar uma volta, respirar um ar novo e teoricamente puro, pois até então preferi viver trancada em casa. Eu, meus livros, meu café, as músicas. No entanto, essa saída não me fez bem pelo impacto que causou. Saí e logo vi. Vi coisas horríveis, coisas estúpidas, coisas inúteis. Vi animais que nunca havia visto antes. Também andam sobre duas patas, mas são levemente corcundas e têm a cabeça inclinada uns noventa graus para trás com os olhos logo abaixo do queixo. Há, também, adaptações nos braços que deduzi por serem sacolas, uma de cada lado, com o tamanho suficiente para caber todo o meu armário multiplicado por dois. Vi pessoas em estado agonizante, outras vegetando. Queria ajudar. Não conseguia. Aquele forte cheiro de podridão (algo me fez lembrar de enxofre...) me enjoava de tal maneira que me vi forçada a me afastar. Sentei-me em uma calçada um tanto distante e fiquei observando. Logo menos surgiram mais homens. Esses pareciam loucos, estavam demasiadamente famintos: os vi se abaixando e procurando qualquer coisa para comer e pude notar o brilhos nos olhos quando encontravam pacotes de biscoito com restos de farelo. O que me surpreendeu é que ao encontrarem o mínimo que fosse possível, dividiam entre si.
Enquanto isso, ali mesmo naquela rua, dentro de um café estavam aqueles animais sentados bem perto da janela admirando a rua com aquelas cabeças levantadas e os narizes lá em cima. Tive a impressão de não notarem onde estavam, que somente apreciavam os estabelecimentos do outro lado da rua.
Agora, nada melhor do que mergulhar no meu café, viajar nas músicas e me abraçar com os livros. Tranquei a porta de casa novamente.

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