segunda-feira, 23 de agosto de 2010

geladeira- Nico e Lígia

Eram onze horas da noite, andava agitado no apertado e abafado quarto-e-sala em Copacabana, a fome conseguia me apertar mais do que aquelas paredes e, num ato instintivo, abri a geladeira... "porra!" foi a primeira palavra que me veio à cabeça, uma palavra que expressava meu susto com o vazio daquela Brastemp velha que eu ganhara da minha mãe quando saí de casa! O vazio da geladeira era reflexo do meu vazio, do vazio da minha conta bancária! Era foda, nesse ramo não posso por dinheiro no banco, dinheiro sujo, andava só com ele em espécie no bolso, e por isso sangrava de pouco em pouco, cerveja em cerveja e putas em putas! Essa vida de matador de aluguel não me levou a grandes conquistas, saí de casa cedo porque engravidei uma menininha da minha vila com 16 anos, tinha que me virar na cidade e comecei a praticar pequenos furtos. Como o que é pequeno cresce, quando me vi já estava assaltando lojas e mercados, eu era bom nisso, até que um bicheiro da área resolveu me apadrinhar... Virei um jagunço profissional!
A única coisa que eu ganhei na vida que posso chamar de meu é esse ódio que sinto por tudo e por todos, executaram minha mulher e meus dois filhos, eu não estava em casa... Foi nessa época que fui apadrinhado, andava mal, era um assaltante, mas nunca havia matado, nunca havia precisado e agora mais do que nunca sentia uma vontade do caralho de sair atirando por aí, fazer justiça da forma mais bruta e, ironicamente, da forma mais prazerosa!
Necessidade. Passado um tempo na companhia exclusiva desse meu ódio, essa vontade de sair atirando por aí passou a ser uma necessidade. A vontade da justiça, o desejo de matar... Eram tão fortes que o que sentia era não somente psicológico, mas físico também. Queria, queria, queria. Precisava. E não havia o que impedir. No estado em que estava, alucinado, saí mesmo atirando por aí. E que prazer em me satisfazer! Já não me importava mais em me vingar da morte da minha mulher e os dois filhos, provavelmente saíra do controle, mas aquilo realmente era gostoso...
Pouco ficava em casa, já que não tinha nada além de uma cama, sofá e uma geladeira vazia. Andava pelas ruas, perambulava pelos becos. Bebia pra caralho e conheci ótimas putas. O negócio era bom mesmo! Conheci, também, uns caras que me descolavam uma boa. Perdi noção das horas, dias e meu nome só lembrava por causa do RG guardado na carteira. Mas isso nada importava: bebia, trepava, fumava e, agora, ganhava por matar! Vida boa assim não é fácil, não...
Quer saber, é fácil sim! Dava um tiro numa cabeça aqui e um trocado vinha parar no meu bolso, uma surra ali e mais um trocadinho, eu me esquecia de comer, andava alimentado do medo alheio, daquele medo do minuto final que a encomenda sente! Covardes, gente boa com certeza não morre pelas minhas mãos, só matei vagabundos dignos apenas de morte, sempre malandros quando estão em vantagem, mas naquele momento em que sentia que ia morrer, se cagavam. Comecei a associar a morte com um cheiro de merda... Covardes! Sou conhecido no ramo pela eficácia, o nome da encomenda e um dinheiro na mão, já bastava pra encaminhar mais um pro inferno.
Caralho, mas aqui agora estou eu, puto... Num sábado, 11:05 da noite, sem encomendas pra tratar, deve ser porque hoje é natal, deram uma trégua, mas fico tranquilo porque não dura até o ano novo essa escassez de clientes. Como sempre, o tempo passa e um novo ano começa, mas as coisas continuam iguais, eu mato, bebo, fodo, fumo e olho pra essa merda de geladeira vazia que diz mais quem sou do que uma verdadeira auto-biografia!

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