segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Nem perca seu tempo- Rolando Vezzoni


Chuva de noite é sacanagem mas de manhã é redenção, é o universo te mandando um respaldo legal para ficar em casa sentindo pena de si mesmo.
Esôfago ácido, água e pão seco com muito queijo, preguiça de cortar com a faca, rasga o pão se esforçando para fazer um sanduíche de merda, deita no sofá e procura algo para assistir na tevê, algo que seja minimamente suportável.
Nada, claro que não, tudo é assim numa manhã dessas, onde a chuva despenca em gotas grandes, até o céu tem preguiça de ficar de pé.
Ontem foi aquilo tudo, foi sair do trabalho puto, depois de meia hora lá, e a certeza de ser despedido que até o agradava.
Fingir ser responsável é muito cansativo e te faz realmente responsável aos poucos, e isso é perigoso.
Os anos antigos tinham charme, o porre era de qualquer bebida e sem ressaca, o esforço para qualquer coisa era pequeno e celebrável, as mulheres eram mais escassas mas nem se ligava disso, afinal, o mínimo era mais charmoso, o mínimo era o máximo.
Estava assistindo a estática da televisão, vários pontos cinza e barulho de chuva em telha quando sua mente veio a tona querendo papear.
“Pra quê tudo isso?”
“É que tudo tinha mais charme, tava pensando nisso agora”
“Eu sei né! mas... por quê assistir tevê fora do ar?”
“Sei lá, acho que me lembra de quando era pivete e assistia a lareira enquanto os adultos falavam de política e assistiam ao jornal... Sem influência nenhuma em nada, só se fala desse tipo de coisa para se sentir importante, muito gente vive disso, e eles se sentiam importantes, mas eu sabia que o fogo era muito mais intenso”
“Você é escapista, estático com a estática.”
“É melhor ficar de boa, Srta Mente, se não vou buscar meu uísque e te botar no sub”
Se lembrou daquela cena, do James Dean, etílico brincando com um macaco de brinquedo no meio da rua, levando ele no bolso do paletó para a delegacia esperando erro, mas esperando tranqüilo.
“Sabe, você me atormenta, me atrapalha na hora errada.”
“Nem vem com essa, eu sou você porra, cê manja isso né?”
“É, mas desde o Pinóquio a consciência tem a fama de ajudar... Você não, só me tira do prumo"
“Ei, eu sou um abstração sua, você que observa as coisas assim, eu só te lembro disso!
 Se você tivesse alguma moral, eu te lembrava dela... mas como não tem, eu te lembro de não ter... se você olhasse para o futuro, eu te lembraria dele, mas você vive de agora, e eu só posso te lembrar que amanhã não vai lá hoje... só rindo mesmo.”
“ótimo, minha mente ri”
“Vai ver é o verão, é verão no mundo á sul do equador”
“Que isso! Eu sei que dá pra ser infeliz no primeiro mundo.”
“Infeliz é uma palavra forte”
“É nada, é uma palavra fraca, negação de um estado idealizado, pelo menos como se usa no geral, oposição arbitrária”
“há! Ta vendo como não sou eu o problema?”
“ok ok...”
“Faz o seguinte: acha um filme bacana e liga pra alguma mulher, é isso que deve ser feito, é isso que você faz de qualquer forma”
Pensou nisso, pegou o celular para procurar o numero, mas foi interceptado pela empresa anunciando que entendia seu problema, e que poderia voltar no dia seguinte com desconto dos dias, como havia sido sua primeira falha.
O sistema é absoluto, o sistema é inevitável, é disfuncional o suficiente para funcionar e acabou... Nem leia isso, volte ao trabalho. 
Sério, você não pode perder o tempo que não tem.

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