quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Memórias do quarto porco- Rolando Vezzoni


“As boas histórias já acabaram...”
Na livraria, vindo de um pai cansado demais para recomendar alguma coisa para a prole.
“Vai lá com a tia que faz atividades, o papai vai tomar um café. ”
Crianças correm e acham a tal da tia, que começa a contar uma fábula (tosca) com uma voz (forçadamente) cretina, daquele tom que o mundo costuma achar que agrada criança mas não agrada, afinal, ter voz fina e não ser levado a sério é um privilégio da molecada... Não é qualquer tia velha que sabe fazer isso com classe.
 “ohhhhhaaaa! Aí! Veio o lobo-mau! e...”
Falta estilo e alguma criatividade na classe dos monitores infantis.
Pivetes não gostam de ser tratados dessa forma... Isso é coisa de alguns séculos atrás quando não existiam zumbis virtuais a serem assassinados, Cartoon-network e internet.
Entreter criançada demanda habilidade.
Tomar um café. Sentei no balcão.
“Café!”
Torno o olhar para a encenação assustadora do suposto lobo-mal, um lobo que lembra muito uma mulher de um metro e cinquenta que acredita que está fazendo um trabalho fabuloso.
“A história não importa, o que importa é quem conta ela”
Olho para o lado, era o pai de antes.
“Como essa mulher aí?”
“Por favor, tenho cara de economista, , mas te  sou um escritor...  Uso camiseta pólo, penteio os cabelos e nunca publiquei nada, mas sou escritor.”
“Eu também sou, e nunca publiquei.”
“Mas você ainda não se escondeu, o mundo não quebrou seus parágrafos... Você é jovem.”
“Do que você ta falando?”
“Aqueles dois ali são meus filhos, sabe? Os dois que estão vendo aquela porcaria toda”
“Criminoso o negócio lá, só aquela grávida abobada perto da prateleira de auto-ajuda ta curtindo de verdade”
“Sim, eu mando eles lá pra já irem aprendendo a merda que é isso tudo... Eu sempre curti enredos e contos, escrevi algumas coisas quando era mais novo...  Histórias que gostaria de ter lido na minha infância, ao invés de ter visto esse tipo de coisa.”
Pausa, dá um gole no café já meio frio.
“... Nunca publicaram nada, embora elogiassem bastante! E sabe porquê disseram que não iam publicar?”
“Nem imagino.”
“Porque para eles, seria perigoso mandar algo que não nivelasse por baixo, manja? Pra eles tudo tem que ser nivelado por baixo, só vende groselha hoje em dia. As histórias boas já acabaram, quando os caras gostam do negócio eles acham que molecada não vai achar bacana.
“É porque o mundo se leva muito a sério e isso é uma merda, pretensão e auto-imagem transformam cartunistas em publicitários e escritores em advogados que depois acham que são muito importantes para não entender alguma coisa... Se não entendem algo, é porque é para criança ou não faz sentido... Como Alice no país das maravilhas, todo idiota fala que adora e nem percebem que é uma sátira da vidinha vagabunda que levam. ”
“Exato! ‘poxa, gostei desse livro, mas como eu sou a porra do Einstein da contabilidade do prédio cinco meu filho jamais entenderá algo que eu gostei, vou comprar o livro sobre a pequena raposa disléxica que aprende sobre solidariedade “
“Ou o moleque já tem catorze anos, e ganha um livro explicando o que é a masturbação... Cara, isso é o tipo da coisa que ele conhece muito bem. ”
“Isso quando compra o livro, a menina pede o livro e a mãe fala que só vai comprar quando ela terminar de ler o outro, já pra comprar idiotice, tranquilo. ”
“Complicado isso. ”
“Você reclama assim só porque não é casado com uma dessas pessoas, aí você reclamaria como gente grande... Sentir pena de si é bacana. ”
“Difícil cara... pra quê viver assim?”
“A coisa, é que sou um agente-secreto, um infiltrado, e tenho que ir longe. A minha missão é entender o mundo vazio em toda sua ausência de conteúdo. ”
“hahahahahaha, desencanou de escrever?”
 “Parei de mostrar, mas desisti de qualquer forma... Agora, VOCÊ tem uma missão. Contar histórias e reclamar das coisas, certo? É evidente que esse é o seu negócio. ”
“Digerir é viver em dobro. ”
“hoje em dia temos poucos momentos históricos em nossas vidas, sabe como resolver isso?”
“Não. ”
“Pegar nossas histórias vagabundas e contá-las da melhor forma possível... Acabaram as grandes navegações e as cruzadas acabaram junto com a magia das viagens espaciais... Fora que depois do bom cinema, criar novos mundos escritos perdeu um pouco o sentido, mentir para seu leitor é arbitrário, escrever sobre a vida de fato que é a colher dos corajosos. ”
“Tem seu sentido. ”
“Não faça como seu ‘eu’ velho e se esconda, se divirta com colhões, porque a vida já é miserável o bastante quando se sabe brincar com ela, não saber é dantesco...  Aproveite sua alucinação e vá fazer alguma coisa, eu sou fim, o fundo, a desistência absoluta... Você é o que?”
“momento. ”
Ele riu, levantou e foi embora com os filhos enquanto o lobo continuava soprando a casa dos porquinhos num mundo que não aceita porquinhos sem ganância que moram em casas de madeira na praia.
Já ia embora também.
Abaixei para amarrar o tênis: laço pra cá, puxa para lá, ajeito tudo sem pressa, para ficar confortável... Momento, momento puro... Sempre escrevendo sobre a importância espiritual do ato de amarrar o cadarço.
Há! Nem tomei o meu café!

Um comentário:

  1. talvez só dê mesmo para ser um agente infiltrado, mas enquanto não quebrarem teus parágrafos vc tá mandando muito bem. gostei!
    Filipe

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