terça-feira, 14 de agosto de 2012

Sobrancelhas brancas- Rolando Vezzoni

   Caminhando, caminhando sem pensar, provavelmente porque havia acabado de jantar e faltava alguns mililitros de sangue na na cachola, ou não, pois estava pensando em não pensar em nada e atribuiu isso ao fato de ter jantado. Mas o que quer que fosse que estivesse pairando em sua mente era pouco importante e nada concreto.
   Quando se habitua a andar com seu cachorro é comum desaprender a se comunicar, pois o cachorro não fala, ao passo que também se desaprende a ficar sozinho devido á inacreditável companhia que apenas um bom canino pode oferecer. Estava bastante desconfortável com relação a isso, e mais desconfortável ainda por estar pensando nisso e em si mesmo pensando nisso... interrompeu a linha quando um nariz preto úmido e gelado brotou na palma da sua mão.
   "um?!" olhou e sorriu em seguida "ei dog, psiu!"
   -Opa! como é que você anda?- Diz sorridente um senhor, com uma voz intensa completamente incoerente com seu aspecto frágil, meio coxo, barbado e vermelho ofegante.
   -Beeem, e o senhor?- soltou em estado hipinótico, fazendo o máximo para ser tão agradável quanto ele.
   -Sim.- simplesmente- Você viu como ela está maior?
   Passa o olhar para aquela delicada vira-lata que amistosamente se esfregava em sua mão, arrasta a palma até a parte inferior do focinho calmamente, afagando e a deixando satisfeitíssima.
   "eu não conheço essa mocinha, não conheço esse senhor... eu nem sou daqui direito, não desse lugar, nenhum lugar"
   -Uhum, ela tá linda, quanto tempo mesmo?
   -8 meses... eu já ensinei uma coleção de truques para ela!- responde numa tonalidade intermediária entre o estasiado e o calmo.
   Nessa altura eram companheiros de jornada, inconscientemente havia desacelerado o passo para se adequar ao das quatro sobrancelhas brancas.
   Conforme o andar prosseguia conversou algo que não lembrava, mas não se importava muito com o fato de não lembrar, o pouco que se importava era referente ao fato de pensar a respeito do porque não se importava com o que pensava, e isso era, para ele, bastante importante.
   Quando retornou a sua casa estava em outro planeta, num conforto psicótico que vinha aos poucos passando, vinha passando a partir do momento em que o senhor entrou em um condomínio de apartamentos  acenando adeus, isso alguns minutos antes.
   Começou a organizar a imagem... a voz vacilava um pouco ofegante, mas era grave e calma, um paradoxo, assim como os cabelos branco-pálidos contrastando com a pele vermelha suada e com o olhar distante. Um homem cansado em estado de absoluta satisfação com sua vira-latinha peralta pulando arbustos conforme os comandos.
   Eram quase vizinhos, mas ele não lembrava, o senhor sim, até puxou assunto, ele não conseguiria lembrar se efetivamente conhecia a dupla, jamais conseguiria, pois é habituado a andar com seu cachorro em silêncio e acompanhado, noutro plano, noutro mundo.
   O senhor disse que sempre teve cachorro... e ele também, só que com bem menos sempre, e bem menos vibração... algumas pessoas são vibrantes.

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