segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Manhã azulada- Rolando Vezzoni

Resolveu passar a noite em claro por haver dormido pouco na noite anterior.
Passou aquele dia todo oscilando entre a náusea e a fraqueza psíquica, um bem bolado de ressaca moral e efetiva somado a algum desânimo.
Passar a noite em pé quando não se está ocupado e entre amigos é um desafio que envolve competência, convicção e perfil lunático, hora satisfeito com essa auto-mutilação mental, hora pensando se, em efetivo, deveria fazer aquilo. Aí a parte lunática... É claro que não deveria.
O primeiro terço foi fácil, rede social e punheta, punheta e rede social, depois banho e diversas banalidades da rede... não havia como não se perceber o início de uma congestão mental brutíssima, e isso tudo devido ao enfrentar de mais uma noite de excessos bastante claros em uma gama razoável de sentidos, estava com a mesma camiseta á 36 horas.
O segundo terço teve como sua função o simular de um purgatório, repleto de minutos contados e recontados. Já havia tomado a decisão de não dormir, logo, também não poderia comer, pois a comida serve como auxílio externo, e para ele isso seria um placebo criminoso, uma droga pesada no mundo dos desafios auto-impostos lunáticos.
 Tinha fome e sono, e sabendo de seus horários iniciou o milésimo cálculo da noite, valeria a pena encerrar sua epopeia durante o interlúdio? Suas mãos ainda tremiam, e seu ombro pulsava, seria esse o fim? Havia entrado de cabeça na psicose e sabia bem disso, então decidiu remediar o balanço cerebral olhando as incomplexidades alheias, ia de volta para a rede... mas deu para trás, sabia que abrindo aquela janela corria o gravíssimo risco de ser abordado por alguém, letras escuras em uma janela pop-up piscando de forma genérica, demandando atenção e resposta. Sabia que não aguentaria aquilo... talvez pudesse ficar num falso offline? Não, se mudasse para offline dentro do universo azul e branco social nunca mais voltaria a aparecer, perderia tudo, afundaria num abismo.
Por fim deu uma caminhada de dez minutos em uma trajetória semi circular envolta da sua cama... afinal, não poderia ser diferente, se não ia dormir nem comer, também não poderia sair do cômodo.
O terceiro terço teve um caráter semi-eufórico, é a onda da falta ou do excesso de "o que quer que seja" que rola no encéfalo e nos hemisférios fazendo tudo parecer sintético. Ainda mais quando faz horas que está sem comer, dormir ou se entorpecer, a desintoxicação suprema, o destilar do ser humano, o caminho do homem para o homúnculo, quando tudo fica mais gelado e falso, o mundo coberto por  plástico, a única coisa que ainda parece existir é o cinzeiro cheio e a boca azeda.
A essa altura já estava trancado no banheiro, o perfume de "uma alguém" que brotou e foi embora vazia de significado horas atrás ainda evaporava singelo da camiseta de 36 horas, meio molhada por ter sido colocada de novo depois do banho, antes do corpo secar por completo... lhe era impossível tirar a camiseta.
Mais um cigarro, mais uma mulher, mais uma coca-cola, uma cerveja e mais uma música, um milhão de coisas aconteceram naquelas ultimas 36 horas, mas ainda estava com muito sono e fome... ainda não era o bastante, faltava algo, sempre falta, não importa o quanto se sublime.
Epílogo? Sim, depois deu a hora, tomou outro banho, se perdeu dentro do quarto e trocou de roupa, abriu a janela e fechou a janela esperando frenético pelo despertador. Olhou para o espelho, olheiras imensas, como riscos de carvão... fora isso estava bem disfarçado, ninguém sabia dos pensamentos não elaborados e das idéias vacilantes que a mente não trabalhou, um grupo de divagações rebeldes que querem muito um travesseiro para no dia seguinte fazerem sentido.
Aquela foi a manhã mais azulada do universo.

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