Sete
horas do mesmo fluxo de pensamento. Sete horas de uma mesma ideia. Sete horas
de conclusões não óbvias e dúvidas recursivas. Não se pode dizer que os olhos
piscaram em algum instante.
Tantas
oscilações que todos os estados possíveis foram alcançados.
De uma
explosão criativa à escolha matemática do suicídio; tudo entrecortado por cerca
de dezessete cigarros.
Cada um deles levou setenta e duas horas para
apagar. Pelo menos para apagar a ideia que o primeiro acendeu.
Postura
inadequada, tanto física quanto mental. Sem dúvidas, essa não é a forma certa
de intentar um feito; se é que isto é um feito. Um pensamento é uma ação?
Memórias
reviradas às toneladas que, se materializadas, com certeza, preencheriam o
espaço da varanda. Um levante da infância à jovem maturidade; tudo nas sete
horas; no espaço de dezessete cigarros.
Nada de
comida, nada de conversa, algumas idas ao banheiro, água de pia e nenhuma alma
viva. O embate perfeito com o cérebro.
Não é
tudo isso. Não é o tipo de experiência sensorial que valha a pena. Na verdade,
ninguém sabe ao certo o que é uma experiência sensorial. Aquilo não é uma
experiência sensorial. Isto não é uma experiência sensorial. O cérebro não é
sensorial. O cérebro é uma unidade de processamento.
Como o
cérebro pode se desafiar? Suicídio mental? Isto é insanidade. É um paradoxo.
Não, não é paradoxo, é besteira, é loucura, é o ponto que não deve ser
ultrapassado.
Hemingway,
Bukowski, Nietzsche, Machado, Sartre, Sêneca, Sylvia, Fitzgerald, Kerouac,
Salinger, Drummond, Álvarez, Fellini, Bergman, Goddard, Kobain, Morrisson,
Mestre, Margarida, Holden, Velho, Mar, Gatsby, Hank, Henry, Sal, Dean, Dean,
Dean, Dean, Kafka ...
Kafka ?
Kafka !?
Kafka!
K A fka!
K A F
ka!
K A F K
A!
Puta
merda! Puta que o pariu! Imbecil! Verme!
Era
isso todo o tempo: Kafka!
Sete
horas, dezessete cigarros, quase morte, quase insano, quase qualquer coisas e o
que era ... era ler Kafka.
Não.
Também não é isso. O que começa assim não termina com um livro. A sensação pode
até ser parecida com o que é descrito por aqueles que leram “A metamorfose”. No
entanto, todo esse fluxo, sem dúvida, tem mais a ver com a sensação de escrever
um livro estranho , do que ler um livro estranho.
Uma
tarde estranha. Dois amigos fodidos. Um bar de uma cidade pacata. Uma mesa na
calçada, bueiro na esquina. Cheiro de
bueiro inflamando a narina dos dois. Cheiro de merda com barata. Cheiro de
merda com barata quente. O cheiro da vida dos dois. Os dois querem uma bota,
uma caminhonete, uma fazenda, uma boa mulher e uma garrafa de pinga .
Não,
não ... o páragrafo até é bom, mas não é nada em si só. É parte de alguma
coisa. É um pedaço de quebra-cabeça.
Continua ...
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