quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Os motivos de Hemingway ou o que foi feito deles - Bruno Santana

                Sete horas do mesmo fluxo de pensamento. Sete horas de uma mesma ideia. Sete horas de conclusões não óbvias e dúvidas recursivas. Não se pode dizer que os olhos piscaram em algum instante.
                Tantas oscilações que todos os estados possíveis foram alcançados.
                De uma explosão criativa à escolha matemática do suicídio; tudo entrecortado por cerca de dezessete cigarros.
                 Cada um deles levou setenta e duas horas para apagar. Pelo menos para apagar a ideia que o primeiro acendeu.
                Postura inadequada, tanto física quanto mental. Sem dúvidas, essa não é a forma certa de intentar um feito; se é que isto é um feito. Um pensamento é uma ação?
                Memórias reviradas às toneladas que, se materializadas, com certeza, preencheriam o espaço da varanda. Um levante da infância à jovem maturidade; tudo nas sete horas; no espaço de dezessete cigarros.
                Nada de comida, nada de conversa, algumas idas ao banheiro, água de pia e nenhuma alma viva. O embate perfeito com o cérebro.
                Não é tudo isso. Não é o tipo de experiência sensorial que valha a pena. Na verdade, ninguém sabe ao certo o que é uma experiência sensorial. Aquilo não é uma experiência sensorial. Isto não é uma experiência sensorial. O cérebro não é sensorial. O cérebro é uma unidade de processamento.
                Como o cérebro pode se desafiar? Suicídio mental? Isto é insanidade. É um paradoxo. Não, não é paradoxo, é besteira, é loucura, é o ponto que não deve ser ultrapassado.
                Hemingway, Bukowski, Nietzsche, Machado, Sartre, Sêneca, Sylvia, Fitzgerald, Kerouac, Salinger, Drummond, Álvarez, Fellini, Bergman, Goddard, Kobain, Morrisson, Mestre, Margarida, Holden, Velho, Mar, Gatsby, Hank, Henry, Sal, Dean, Dean, Dean, Dean, Kafka ...
                Kafka ?
                Kafka   !?
                Kafka!
                 K A fka!
                K A F ka!
                K A F K A!
                Puta merda! Puta que o pariu! Imbecil! Verme!
                Era isso todo o tempo:  Kafka!
                Sete horas, dezessete cigarros, quase morte, quase insano, quase qualquer coisas e o que era ... era ler Kafka.
                Não. Também não é isso. O que começa assim não termina com um livro. A sensação pode até ser parecida com o que é descrito por aqueles que leram “A metamorfose”. No entanto, todo esse fluxo, sem dúvida, tem mais a ver com a sensação de escrever um livro estranho , do que ler um livro estranho.
                Uma tarde estranha. Dois amigos fodidos. Um bar de uma cidade pacata. Uma mesa na calçada,  bueiro na esquina. Cheiro de bueiro inflamando a narina dos dois. Cheiro de merda com barata. Cheiro de merda com barata quente. O cheiro da vida dos dois. Os dois querem uma bota, uma caminhonete, uma fazenda, uma boa mulher e uma garrafa de pinga .
                Não, não ... o páragrafo até é bom, mas não é nada em si só. É parte de alguma coisa. É um pedaço de quebra-cabeça.

Continua ...




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