domingo, 16 de setembro de 2012

Meta-conto e hemorragia cerebral. - Rolando Vezzoni e Bruno Santana



- Puta cara, estou me debatendo com um conto tem mais de mês e a porra não sai.
- Hum. Eu evito passar por isso, ou vira ou não vira.
- Bom, se a porra não sai, pelo menos não tem que abortar! Hahahaha.
- Ow! Já releu uns contos seus percebendo que quando passa o tempo o conto fica mais distante? Como um vinho que fica ou melhor mais velho ou avinagra.
- Não tem como o conto ficar igual pra sempre: não é passivo nem estático. Já aconteceu sim, é algo completamente dinâmico. Certos textos eu leio e penso que sou um gênio, outros me dão vergonha e vontade de parar de escrever.
- Sim, mas, sei lá, eu li uns trecos meus e estou me desenvolvendo bem no negócio.
- Isso é bom.
- Essa análise é digna dum conto...
- A análise dos contos não estáticos?
- É, dos que envelhecem... O Júlio Cortázar dizia que um conto só valia à pena se você ainda gostasse dele depois de um ano
- Algo como: o cara depois de um tempo volta ao conto escrito e o encontra completamente diferente. Muito melhor do que o conto que ele escrevera e ele não consegue entender e sai em busca de uma explicação?
- Sim! Sabe, antes eu tinha dificuldade de fazer contos. Eu só mandava poema, mas, hoje em dia, estou ficando cada vez mais empático com as pequenas estórias.
- É o supra-sumo né cara? Machado, Hemingway, Buk, Salinger... todos os monstros eram gênios do conto.
- Pois é, mas isso é meio perigoso, se eu gostar muito posso acabar virando um.
- É uma boa personalidade, cara. Muito melhor que um romance que sempre é tedioso e longo demais, mesmo os bons.
- Acho que as piores personalidades são as novelas épicas.
- Ter vida épica é complexo e novela demora muito.
- Joyce deve ter pensado isso ao escrever o pobre Ulysses
- Hahaha, pior, Miguel de Cervantes pensou antes de escrever o Dom Quixote!
E olha só que aconteceu com o cara: acabou brigando com um moinho e comendo a baranga...
- Ow, sabe que eu sinto? Que podemos estar dentro de um conto.
- Um conto? Elabore.
- Um conto que ainda não foi escrito. Ao passo que falamos as coisas, escrevemos o conto. Estamos sendo agora o conto que escreveremos no futuro.
- Somos personagens, escritores e contos? Isso é bacana, mas fode com os neurônios.
- É cara, isso vai foder meu cérebro. Está ficando recursivo
- O ciclo tem de ser efetivado desesperadamente... tem de virar o conto! Se não sairmos do ciclo, fudeu.
- Conversar sobre escrever que se está escrevendo sobre você conversando a primeira conversa... é esse o ciclo?
- É.
- Do jeito que está escrito?
- Remendamos uns negócios, mas inevitavelmente aparecerá um comentário sobre remendar uns negócios dentro do conto, pois comentamos isso... faz parte dessa realidade.
- É dialético, estamos na quarta dimensão, em dois tempos diferentes, simultaneamente!
- Isso, pau no cu dos formalistas e acadêmicos, essa é a verdadeira viagem no tempo!
- Assim... já estamos no conto, somos conto.
- Fato, um meta-conto
-Mas tem uma coisa... ou escrevemos alguma coisa que termine tudo ou ficaremos presos nisso para sempre, e eu quero tomar banho antes disso.
- É, estava pensando nisso. E preciso fumar
- Estamos num meta-texto futurístico e circular!
- É o fliperama intelectual!
- Insólito! Digno dum filme do Woody!
- É a realidade cibernética, um conto que viaja no tempo por si mesmo!
- Tem de terminar isso logo.
- Sim.
- Essa conversa está castigando meu cérebro.
- Sinto hemorragias cerebrais chegando.
- Mas acho que esse conto já teve seu clímax: descobriu-se conto. Apenas não enxergo o final.
- Isso é um problema...
- Cigarro e chuveiro são necessários, antes que meu ouvido comece a sangrar.
- Justo e já sei como resolver isso!
- Como?
- "fim"

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