domingo, 26 de junho de 2011

Sem ressentimentos (ou “o que pensei em dizer, e não disse, nem dissertei”)- Rolando Vezzoni

Conversavam, ele novo, o outro, velho.
-Mas, vive assim mesmo? Faz com que sua vida tome realmente esse rumo?- disse o outro.
-Putz meu, eu não vejo nada que me desanime, ainda que, bom, sabe, todos morreremos mesmo, viver feliz acaba valendo mais a pena do que planejar fazer algo que me torne possivelmente feliz num futuro que pode não chegar, sabe?
-Você diz isso porque ainda não chegou o futuro que há de chegar, a água ainda não bateu no pescoço, a hora que começar a chegar a sua hora, duvido que continue pensando dessa forma, é fácil ter descaso com a vida quando ainda não chegou perto do fim dela, digo isso pois com minha idade tenho uma certa experiência que você não tem.
-Bom, nesse caso não tenho como te responder, não tem como argumentar mesmo, porque na real, a gente só está especulando, e especular é bem fácil, sabe?
-O que estou querendo dizer é que agente acaba se arrependendo de muitas coisas que fazemos, escolhas pequenas ou grandes, as vezes escolher um caminho alternativo é mais um fuga do que uma prova de coragem, ou se destruir é mais um medo de seguir as coisas do que uma vontade de curtir as coisas, entende?
-Hum, acho que entendi.- disse ele de forma que encerrasse o assunto, esse tipo de assunto costuma chateá-lo um pouco, e por mais que tenha como falar algo, não quer desconsertar o cara, pois esse pessoal mais velho costuma ser sensível, e quando se percebem equivocados em uma de suas certezas ficam sem graça, como que se tivessem sido expostos ou agredidos, como uma criança pequena também ficaria, mas com menos descaso.
Andou para sua casa pensando demais naquilo que o senhor havia lhe dito, entendia algo além do que foi dito, ficou dissertando aquela ideia o caminho todo enquanto andava.
Entrou no quarto e pegou uma folha e um lápis e tentou escrever aquilo tudo, mas sabia que não ia dissertar, era muita coisa que queria ali, e odiava dissertar no papel, até curtia falar e tudo, então resolveu que faria um poema, não para ficar bom, mas para resumir aquele monte de pensamentos que não queria esquecer.
O poema que escreveu não ficou muito bom de fato, mas talvez tenha chegado a algum lugar, aqui seguem os versos dele:

“o que pensei em dizer, e não disse, nem dissertei”

Eu sei que posso ser jovem e pretensioso,
que sou ateu e não temo a tal da morte que morre tão distante
e que as consequências dos meu erros estarão me esperando.

Quando estiver mais velho pensando sobre tudo num dia ocioso,
Eu espero que nesse futuro, como agora estou, esteja pensando:

Tomo por certo o que enxergo,
o que já fui, e sei bem que não sou mais,
e nem por isso vejo quem fui como um burro ou um cego.
Aquilo que fiz, quando feito era o mais certo aliás,
pois foi aquilo que decidi antigamente,
e aquilo é o que me fez assim, uma vez que não mais rapaz.
Tento remendar atualmente,
as feridas do meu velho ego
que cometeu erros que não o eram, sem dor,
pois eu vivi aquele, agora passado, sem muito pudor.
Daquele jovem que me fez o que sou hoje, velho
lembro de um fato, do fato de que não havia o certo, e que minha vida ainda era um mistério.

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