terça-feira, 14 de junho de 2011

O ralo- Rolando Vezzoni

Seu banheiro estava todo entupido, o chuveiro não mantinha o nível regular da água e vazava inundando o banheiro inteiro todo dia, sua privada demorava a descer a água, e não importava o que fizesse, continuava assim.
Embora as inundações o incomodassem bastante, não queria que ninguém tomasse conhecimento delas, odiava que entrassem no seu banheiro, afinal, era o lugar da sua privacidade, o único lugar que, ainda que não o estivesse usando de fato, podia trancar-se e ficar sozinho, sem interrupções externas para desorganizar sua cabeça.
Ele secava tudo com as toalhas e passava frio até se secar naturalmente no inverno, as toalhas continuavam molhadas no dia seguinte, ele continuava secando de todos os jeitos possíveis e se livrava do lixo das maneiras mais diversas e escrotas que encontrava.
fazia de tudo para mascarar a realidade porca de onde habitava.
Só ele saber já era o bastante, o mundo não tinha que vir e olhar, tentar mexer e julgar, apontar ou comentar o que quer que estivesse causando o entupimento. De uma forma ou de outra era bem apegado ao segredo da manutenção constante do seu entulho, afinal era seu entulho, ainda que não fosse bonito e lhe desse um contêiner de preocupações era a única coisa exclusivamente sua e particular, era um problema seu.
O banheiro dum indivíduo diz mais sobre ele do que qualquer outro algo.
No caso, o que mais poderia ele colocar sobre si mesmo, estando em meio aos conflitos e erros do adolescer, do que um reflexo escatológico da sua personalidade e desleixo deixado para trás?
O tampo passou, e acabou que descobriram o tal do problema.
Tentaram desentupir, falaram que era por causa do cabelo que ele lavava todo dia, das guimbas de cigarro que jogou na privada, ou algum pedaço de boneco que ele derrubou quando mais novo, etc... Em resumo: estava exposto, tinham ali uma chave para sua psique, uma chave que ele temia com todas as forças, não sabendo exatamente porque, mas simplesmente com medo de descobrir ele o que atrapalhava o funcionamento das coisas, o lixo que bloqueava suas artérias, a montante de porcarias que foram se acumulando ao longo dos anos da sua vida pessoal. Podia ser que não houvesse nada de relevante, mas não importava.
O desentupidor dos invasores não funcionou, o que lhe deu tempo para pensar que merda teria ele de fazer para resolver o problema.
Tentou pelo ralo do box, nada.
Tentou pela privada, nada.
Vasculhou o banheiro de madrugada em uma psicose incompreensível, tomado por curiosidade e medo irracionais. Em meio a essa pulsão, encontrou um terceiro ralo do qual havia se esquecido, um ralo bem grande cujo os parafusos estavam sujos, ou seja, que não havia sido aberto ainda. Abriu-o e olhou-o minunciosamente enquanto pensava no que faria.
Demorou algumas horas cuidando da situação, lavou, passou produtos, viu o que não queria vissem.
Aquilo tudo era uma escola, um laboratório de lembranças sujas, estava vendo algo seu, nojento, que nem ele se permitia ver, mas que agora tinha grande interesse.
No dia seguinte, falou com orgulho que o problema havia sido resolvido, revelou apenas que eram dejetos comuns que se acumularam pela má manutenção do encanamento, ou seja, que não havia nada para se ver ali.
Seu segredo estava seguro, se livrou do conteúdo do ralo sem testemunhas, e podia esperar que se acumulassem novas porcarias por ali, mais das suas queridas porcarias.
Ele sabe o que havia no seu ralo, mas isso é problema dele, e ninguém tem que saber nada sobre isso!

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