segunda-feira, 6 de junho de 2011

o que há de ser hoje?- Rolando Vezzoni

Estou sujo, deveras porco, e tudo que eu quero é tomar um banho, um banho que tem que ser tomado.
O dia passou e me deixou novas cicatrizes psicológicas, essa mania de pensar demais nas horas em que o mundo nos pede pensar menos, cada coisa horrorosa que encontro escondida no sol entorpecente dum dia bonito, onde tudo é tão bom que nos massacra.
Entro em casa e pego um tanto de tudo que se tem para pegar, como o bacalhau de ontem com farofa e arroz, empapando de azeite para calar o estômago.
Como tudo enquanto subo as escadas num passo lento e perdido, paro e volto pois esqueci de soltar o cachorro, que sobe correndo escandalosamente, nosso cheiro é parecido com tem de ser, uma vez que dividimos o mesmo cômodo.
Banho, tenho que tomar banho, estou me sentido salgado, chego no quarto assim e arrumo o que tem de ser arrumado e estudo a física que tenho que estudar.
Ainda continuo porco, alucino moscas me rodeando e tento espantá-las nervosamente, ainda que saiba que não há mosca alguma para se espantar e coço minha cabeça de quem não toma banho a dezoito horas enquanto rio da irrefutável prova do meu cansaço me transformando como só ele pode.
Vou ao banheiro fazer... o que tem que ser feito, para me tornar uma vertente desconhecida da escatologia, o catarro da humanidade.
Ligo o chuveiro com a água fervendo e me levo com o vapor ofuscando as paredes brancas, sei que está de noite mas não há escuridão o suficiente, então coloco meus óculos escuros e apago a luz.
Me deito no chão frio do banheiro, sentindo a coluna desentortar aos poucos, não vendo nada, agora relaxando, esquecendo da sujeira há de ser lavada.
Não vejo nada, pois sei que não há nada que deva realmente ser visto, enrijeço-me
esperando o futuro, e dele o que há de ser, ainda sem sê-lo.

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