terça-feira, 22 de maio de 2012

Aos covardes e seus poemas- Rolando Vezzoni


   Chegou a sua casa e abriu um vinho, era ácido e charmoso (charmoso e ácido por já ter sido vinho algum dia, e hoje lembrar vinagre), tanto quem toma... Quanto o que se toma.
   Ficou desorientado, sempre que chega em casa fica assim, bocejou e deitou no chão, com a garrafa perfeitamente equilibrada, depois acendeu um cigarro.
    “médio? Mérdio.” Sorriu “ela realmente incomoda, um grande avanço!” da uma tragada “huuum... uma apatia simpática, grande avanço, é tudo que eu preciso”.
   Uma, ou até duas horas passaram,  lembrou-se de um bom amigo, que sempre andava com uma agenda onde anotava todo o tipo de pensamento, desde o mais banal, até a maravilhosa caricatura da perspicácia e genialidade.
    Algo muito peculiar acontecia com seu amigo, por mais que muito pudesse, jamais escrevia nada, se maquiava de mudo, talvez não por medo, ou o quer que fosse, na verdade era provavelmente por preguiça e falta de fé em sua realização. Se não realiza, como poderá ficar minimamente frustrado?
    “é bem fácil pensar nisso, mas... pensar nisso não pode vir do nada” riu, e sabia que iniciaria uma sistemática sessão de autoanálise “merda, talvez se eu resolver essa garrafa mais rapidamente, dê tempo de parar essa porra”.
    Uma vez seu amigo escreveu um poema, sim, uma vez... “muito bom inclusive!” dizia ele,
Mas o fato é: o poema foi perdido, e como é sabido que não se pode escrever o mesmo bom poema duas vezes, nunca mais escreveu nada.
    “acho que ele não é o único assim” um bocado de cinza caiu no chão e fez uma montanha pequena, épica e cinza ”quero fazer algo que ninguém pode fazer por mim, mas o banheiro é muito longe, vou segurar” tinha plena consciência da sua dificuldade de levantar e fazer o que precisa (em todos os aspectos da sua vida, sabe tão bem que a vida continua que acaba só esperando ela continuar).
     Recebeu uma mensagem de sua grande apatia simpática, leu, e respondeu com dificuldade a mensagem dela.
     “uma noitada vazia demanda mais noitadas vazias, quando para, sente que a cabeça vai explodir, a fragilidade vem à tona” encolheu-se tentando segurar, constatou que o cigarro apagou e acabou o vinho, então cheirou a boca da garrafa.
    O vinho não tem que ser bom, só tem que ser vinho, o cheiro quase não muda, é sempre um  vapor etílico roxo que entorpece as narinas perfumando, e avermelha a face, tem cheiro de porre, de paixão, ou de qualquer outra coisa do tipo.
     “Meu colega perdeu o poema, será que ele tem prisão de ventre?” riu “em que caralhos eu estou pensando?” sabia que tinha alguma coisa em algum lugar, não sabia o que era “médio, definitivamente mérdio”.
     Levantou e foi ao banheiro, claro, esperando a próxima mensagem, e rindo pensando em quanto tempo demoraria para que ele mesmo perdesse seu poema.

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