terça-feira, 16 de março de 2010

calor do fogo- Marina Naufel

E assim acordei: assustada, por conta de um simples mosquito que me
atormentava o sono. Mas, no fundo, bem lá no fundo, eu sabia que o
motivo verdadeiro que havia me acordado era um “mosquito” muito maior
que o que me rondava. Um que não saía da minha cabeça já havia algumas
horas. E o pior de tudo é que eu tinha certeza de que, se eu não tomasse
logo uma atitude, ele iria acabar tirando de vez meu leve sono.

Eu não sabia puramente o porquê daquele “mosquito” inconveniente ter
surgido, e depois de um dia, eu já o tinha catalogado na lista dos
“insuportáveis”. Ligar os fatos!
Era isso que eu precisava fazer para descobrir o porquê desse
hospedeiro ter escolhido justo a mim. A ordem cronológica dos fatos iria
demorar um bocado de tempo para acabar, afinal meu dia de ontem havia
sido no mínimo... Cheio. Eu não tinha pressa, então logo peguei um papel
e uma caneta para começar a refazer meus passos.
Havia acordado
determinada a cumprir com todas as minhas tarefas e obrigações. Escovei
os dentes, tomei um banho (afinal, acordar às cinco da manhã todo santo
dia tem seu preço), fome. Vesti-me, preparei meu bom café amargo e
finalmente - lá pelas sete da manhã – saí para o trabalho. Passei no
caixa eletrônico e realizei mais certa quantia de tarefas sem tanta
importância. No intervalo dos sinais consegui pintar as unhas de forma
que não parecessem tão mal cuidadas, e liguei para o escritório. Minha
secretária atendeu, e confirmou tudo o que eu queria ouvir: a reunião
iria acontecer dali a pouco (assim que eu chegasse). No mais, tudo
corria como planejado. Trânsito, muito
trânsito! Nada normal para as nove da manhã! Liguei o rádio, e depois
de alguns minutos de espera descobri o motivo de tal rebuliço: incêndio
na favela, de novo. Pela
primeira vez no dia, senti-me brava e estressada! Era a segunda vez que
isso acontecia em menos de um mês, e bem em dia de reunião importante! Por causa daqueles
“descuidados” que ficam se amontoando em um monte de barracos de
papelão, a cidade estava um caos, e eu
iria me atrasar. Isso a secretária não havia previsto. Mero erro de
cálculo da parte dela, contar com o transito bom. Comecei a reunião com
quarenta e cinco minutos de atraso. Quarenta
e cinco! Inaceitável tal comportamento vindo da minha parte, mas
eu não tinha culpa! Pelo menos, foi o único incidente da tarde.

Ao final do dia, tudo o que eu queria –e precisava- era de um bom e belo
banho. Vesti meu roupão, pedi McDonald’s, e, enquanto eu esperava,
liguei a televisão. Nela, as mesmas notícias de sempre: meninas sendo
violentadas por adolescentes sem limites, aviões que caem aparentemente
sem nenhuma explicação, lugares com enchentes que destroem tudo enquanto
outros lugares são destruídos pela seca... Mundo deprimente o nosso.
Estava prestes a desligar a televisão quando... opa! A favela que havia
pegado fogo pela manhã e atrasado minha reunião apareceu nas notícias! E
foi aí que eu percebi os quão estúpidos e ego centristas podemos ser
diante de certas situações! Enquanto eu reclamava por ter chegado
atrasada na minha reunião, aquelas famílias da favela corriam para
salvar seus filhos e sobrinhos (bem como o pouco que possuíam) das
chamas ardentes. O conforto e calor da minha casa nunca me pareceram tão
frios. No meio de toda aquela bagunça emocional a campainha tocou. Fui
receber meu pedido trazido por um motoboy sorridente do McDonald’s
(coisa rara de se ver). Eu finalmente tinha achado a peça (ou
“mosquito”, tanto faz) que parecia não se encaixar na minha cabeça! O
nome dele era “consciência”, e a espécie, “culpa”.

2 comentários:

  1. Bacaaaana, bem bacana!!! Gostei de várias imagens apresentadas aí...a dela fazer as unhas mal-feitas no trânsito...entre outras...

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  2. Ah, obrigada mesmo! fico feliz que tenha gostado :)

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