segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Como ler as crianças?- Rolando Vezzoni

Viu três crianças andando juntas na rua, uma com um triciclo de plástico e feições nipônicas, e os outros eram gêmeos, todos beirando seus oito primeiros anos de vida, e brindando-os sem saber, numa tarde de ambiente agradável vestidos homogeneamente, provavelmente em razão de serem da mesma escolinha e estarem de uniforme ou algo do tipo.
“Está abafado demais para mim...” pensou observando sem ser visto por eles, depois sorriu em silêncio “Para mim, é claro, para eles, não.”.
Agora os três correm em círculos rindo alto enquanto estabelecem as regras do jogo “Eles se veem como três crianças, sem líder natural...” apertou bem os olhos e passou os dedos pelo rosto por debaixo de seus óculos desviando em seguida seu olhar para o gramado “A criança oriental é apenas outro colega do par de gêmeos loiros... o que fazem com eles para se tornarem adultos?” volta a observá-los, perdeu as instruções da brincadeira, estava perdido naquilo, parecia que os movimentos eram aleatórios e sem nenhuma espécie de sentido “ a pergunta na verdade é: Deveriam fazer isso ?”.
Sentiu-se dormente, ele não existia naquele momento, era apenas um observador daquele teatro que esboçava a próxima geração, ele, um espectro estático e sonolento “Eles não, eles são matéria a ser formada, crescerão, serão postos em situações, farão escolhas, sofrerão as consequências das escolhas tomadas, até se tornarem existências completas e abobadas em sua permanente mutação em busca de algum sentido...” perdeu-se novamente, divagava despretensiosamente “Mas, agora é hora de brincar, deixe-os estar por enquanto...Aproveita ai molecada!.”, mandou esse grito telepático para eles, mas não escutaram, seu maxilar não se movia.
Durante as brincadeiras que iam mudando permanentemente, um dos gêmeos caiu, provavelmente ralou joelho e segurava um pouco seu choro, depois chorou como se fosse sentir aquela dor para sempre, talvez estivesse certo, pois ele sabia que algo estava acontecendo, mas não sabia o que ia acontecer. Os colegas correram em direção a uma torneira de uma casa, desesperados em promover o melhor socorro, mas antes que chegassem, o colega levantou e gritou:
-Gente! “Tô” melhor! Hahaha!- caiu, se machucou e levantou em menos de dez quadros.
-Vem cá!- disseram os dois outros em uníssono.
-”Peraí”!
Foi correndo e fazendo um barulho estranho com o chinelo que batia no chão e depois em seu pé milhares de vezes.
-Olha isso! “vamo” “brinca” na torneira?
Disse um deles(gostaria de saber qual, mas já não importava) abriu a torneira timidamente e olhou o fluxo da água descendo imperativo ensopando o gramado.
E foram molhando os pés como gatos ariscos.
-Mamãe “falô” que tem câmera em todos os lugares, e que agente não pode fazer nada errado porque daí senão ela filma e conta pra eles... Ela vê tudo, que nem deus!
Desligaram a cachoeira particular que criaram e continuaram juntos, mas, desanimados e sentindo uma evidente, tão infundada e inútil culpa. Em seguida os pais os chamaram, acabou a brincadeira.
“É aí que fode tudo!” pensou chateado, virando as costas indo embora, ressentido, triste por ter visto uma épica novela que acaba de modo tenebroso, “Eles já nasceram sendo observados, ainda que não efetivamente”, “Isso é o quê? Um imperativo moral? Não, é apenas uma ferramenta. O olho da providência é apenas uma artimanha cruel da própria cultura, tanto quanto o tempo, e ambos começaram como ferramentas, mas, agora, nos perdemos o controle.”,tomou um poco de ar,“No final, soldamos nossas próprias algemas e passamos essa prisão niilista a nossos filhos.”, parou de divagar, chegou em casa, ligou a ópera pagliacci...
“Ridi, Pagliaccio,
sul tuo amore infranto. !”

Um comentário:

  1. Um relato literario das emoções de uma mente em plena conciencia de si, e do seu meio. Excelente!!!

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